A Arca de Zândrus - Vol. 1 - O Guardião - Capítulo 2

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Capítulo 2

AS ARMAS DE ZILON

Era uma manhã ensolarada e rotineira em Damasco. Tóro, impaciente, havia se dirigido para o Salão das Decisões desde cedo. Era um ambiente extremamente espaçoso, com um teto muito alto, ornamentado com estátuas de pedra imortalizando grandes heróis dos tempos de outrora em sua entrada. Não havia uma única janela, mas a luz de diversos candelabros revelava um piso feito com as mais raras pedras de Fesgra. Diversas cadeiras da mais nobre madeira, organizadas no formato de um U, cercavam uma maior, ornamentada com ouro e pedras preciosas. Ali, sentaria o Rei-Maior Endoro.

Aos poucos, os participantes da reunião foram chegando. Primeiro, foi uma bela mulher de cabelos sedosos e ruivos, longos e ondulados, com uma pele alva e macia. Seus olhos cor de esmeralda se fixaram no bárbaro por um instante. Sorriu graciosamente e estendeu a mão direita para que Tóro a beijasse, tocando com a esquerda a região do coração. Era uma saudação dos nobres de Dilames. Aquela jovem certamente era da realeza. Tóro sabia que Endoro tinha duas filhas, mas nunca as tinha visto. Seria ela uma das herdeiras?

O bárbaro foi polido e apenas acenou com a cabeça, deixando a jovem desconcertada.

Em pouco tempo, todas as cadeiras foram ocupadas, à exceção da que ficava no centro. Ninguém falava nada. A curiosidade e tensão podiam ser sentidas no ar. O silêncio foi interrompido pela entrada de um homem alto, como todos os dilamésios, de pele alva e enrugada, com cabelos grisalhos e curtos, de olhos verdes como uma esmeralda. Passou por entre os presentes calmamente, como se fizesse uma vistoria. A cada convocado que via, seus olhos pareciam sorrir, pareciam se aliviar cada vez mais.

O Rei-Maior alcançou sua cadeira, mas não se sentou. Voltou-se para os demais e, sem delongas, satisfez a curiosidade alheia.

– Um grande mal foi libertado há três dias. Toda Fesgra corre perigo. – sua voz era desolada, mas firme e imponente.

Os presentes entreolharam-se assustados.

– Como assim toda Fesgra corre perigo? – um homem robusto levantou-se. Tinha olhos e cabelos negros, e uma pele bronzeada pelo sol. Era o príncipe guerreiro kan-potrense que Tóro havia visto na noite anterior.

Endoro respirou profundamente. Estava preocupado, impaciente. Tinha de dar maiores explicações e isso demandava tempo. Sabia que cada segundo era fatal. Finalmente sentou-se. Com um gesto ordenou que o príncipe se sentasse.

– Já ouviram falar na Arca de Zândrus?

– Arca de Zândrus? É uma lenda! Não passa de uma história para assustar crianças! – zombou Tóro com uma estrondosa gargalhada.

– Não, senhor Tóro. A Arca de Zândrus não é uma lenda. Ela existe de fato. – afirmou um homem bastante idoso, que não era alto como os dilamésios, de olhos negros e nariz arredondado. Sua vasta cabeleira grisalha cobria os ombros, confundindo-se com seu manto perolado. Apoiava-se num cajado de madeira da sua estatura, com a ponta em formato esférico.

– Há séculos procurou-se fazer com que os povos de Fesgra acreditassem que a Arca de Zândrus tratava-se de uma lenda.

– E por que fariam isso, feiticeiro?

– Para proteger o nosso mundo, senhor Tóro.

– Proteger de quê, feiticeiro Meliel? Não estou entendo nada! – indagou o príncipe kan-potrense.

– Na Terra da Fumaça há uma construção de pedras em formato de arco. Já devem ter ouvido falar ou até mesmo visto. É o Portal de Roncox.

– É apenas uma obra da Natureza.

– Mais do que isso, príncipe Roguinil. Roncox é um portal de ligação entre o nosso mundo e o das trevas. Há poucos séculos, e não sei lhe dizer como, saiu do Portal um demônio. Um demônio sem poderes para trazer pragas ao nosso mundo ou para destruí-lo. Sem forças físicas e grandes poderes maléficos, não passa de um espectro. No entanto, sua única razão de existir é a de servir como porteiro. O Guardião, como ficou sendo chamado, possui uma poderosa e inigualável magia para abrir o Portal de Roncox, criando uma passagem entre Fesgra e o Mundo das Trevas.

Após uma breve pausa, como que para conferir se entendiam suas palavras, Meliel continuou.

– Três outros demônios passaram pelo Portal e assolaram nossa ilha por um tempo.

– Bom, mas é claro que eles foram derrotados, não é? Afinal de contas, ainda existe Fesgra!

– Sim, príncipe Roguinil. De início, pensou-se em utilizar o próprio Portal para enviá-los de volta. Mas descobriram que o Portal servia apenas de entrada para o nosso mundo. Não conseguiram uma passagem para o Mundo das Trevas.

– Então, o que fizeram com os demônios? – interrompeu o homem de cabelos parecendo labaredas que Tóro também havia visto na noite anterior. Era magro, com um nariz estranhamente alongado, olhos castanhos redondamente grandes, mãos com dedos finos e longos, e com uma armadura de metal.

– Poderosos magos da época os aprisionaram nos Templos Sagrados dos Pontrofo, senhor Cogles. Lá, nem mesmo a nossa magia pode libertá-los. Mas o Guardião tem poderes para isso! – respondeu Meliel.

– Só há três Templos Sagrados. Em qual deles o Guardião foi aprisionado e onde a tal Arca de Zândrus entra nessa história? – perguntou Roguinil, explicitamente tentando provar que havia falhas na história.

– Correto, príncipe, só há três desses Templos. Mas cada um só pode aprisionar um demônio. Como o Portal de Roncox só serve de entrada para o nosso mundo, e a construção de um outro Templo Sagrado levaria anos, o Guardião, então, ficaria livre e vagando por nossas terras, à espera do momento de libertar seus amigos ou de trazer outros através do Portal. Foi aí que um poderoso mago da época teve uma solução mais simples e rápida: desenvolveu um artefato com características mágicas similares às dos Templos dos Pontrofo. Uma arca. A Arca dos Demônios. Ou Arca de Zândrus, o nome do mago que a idealizou.

– E é nela que o Guardião foi aprisionado...

– Correto, senhor Cogles. – apressou-se o rei em responder.

– Zândrus conseguiu aperfeiçoar a magia dos Templos, o que conferiu à Arca algumas vantagens. Mais de um demônio pode ser aprisionado nela e seu encantamento impede que qualquer criatura das trevas a toque ou a destrua. E é só por esse motivo que o Guardião não é capaz de libertar os demônios que estiverem presos nela. No entanto, não há qualquer encantamento para impedir que seres desse mundo possam manuseá-la. – explicou o mago.

– A Arca de Zândrus acabou ficando sob a proteção de reis dilamésios, uma vez que o Castelo Muntal era o local mais seguro para se guardar um artefato de suma importância e periculosidade. Para evitar que aventureiros se apoderassem desse artefato e libertassem o Guardião, que pode ser utilizado como uma poderosa arma, foi desmentida a sua existência, criando-se a crença ao longo dos anos de que era mais uma das muitas lendas de Fesgra. Apenas integrantes da Ordem dos Magos e os herdeiros do trono dilamésio sabem da verdade. – completou o rei.

– É uma bela história, majestade. Mas ainda não entendi como Fesgra pode estar correndo perigo. Se compreendi bem, a única forma desses demônios virem para o nosso mundo é através do Portal de Roncox, o qual só pode ser aberto pelo Guardião que, felizmente, está trancafiado na Arca, assim como mais outros três demônios também estão nos Templos dos Pontrofo.

– É notável a sua excelente memória e capacidade de sintetizar toda uma explicação, senhor Cogles. Essa história teve um desfecho feliz desde então. Mas um terrível incidente ocorreu recentemente. O Guardião não está mais trancafiado na Arca. Ela foi roubada e aberta, há três dias. – afirmou Endoro.

– Roubada?! Pensei que estivéssemos falando da Impenetrável Maravilha... – ironizou Roguinil.

– O salão que guarda a Arca é protegido por uma poderosa magia. Apenas pessoas de bom coração podem entrar no local. – afirmou Meliel.

– O feiticeiro que fez essa magia é um tremendo de um charlatão, majestade. Como um ladrão teria um bom coração?

– Essa é uma parte da história que ainda não conseguimos compreender, senhor Cogles. A propósito, eu sou o feiticeiro charlatão responsável pela renovação da magia que protege o salão e a Arca. – respondeu o mago, com um tom áspero.

– Trata-se de uma caçadora de recompensas, senhores. Seu contratante lhe disse que a Arca guardava um fabuloso tesouro e que parte dele lhe pertenceria. Como achou o artefato muito leve para carregar um grandioso tesouro, resolveu desviar do local combinado e averiguar primeiro o que tinha de fato dentro da Arca. E assim o Guardião foi libertado. – explicou Endoro.

– Um instante. Tem uma coisa errada nessa história. Uma arca é um objeto grande. Como é que uma pessoa conseguiria não apenas roubá-la, mas levá-la sem ser impedida?

– Não se esqueça, curioso e perguntador Cogles, que estamos falando de um artefato confeccionado por um mago. – Meliel sentiu que deu o troco.

– Sei... E como vocês estão sabendo de todos esses detalhes do roubo? – o homem de cabelos rubros cruzou os braços e encarou atravessado os anfitriões.

– Porque, senhor Cogles, a caçadora de recompensas voltou para nos avisar do ocorrido.

– Um instante, majestade. Essa história está mal contada. Uma ladra honesta?

– Senhor Cogles, a Arca, de fato, foi roubada. A única história que temos é a dessa caçadora de recompensas.

– E onde ela está agora, majestade? – perguntou Roguinil.

– Mandei-a pegar a Arca de volta, que deixara no local onde abriu, em algum lugar na Grande Floresta. Alguns soldados foram juntos. O artefato é imprescindível para se capturar o Guardião.

– Então, rei Endoro, suponho que tenha nos chamado aqui para...

– ... para que aprisionem o Guardião de volta na Arca, senhor Tóro. – completou o rei.

– A magia do Guardião para abrir o Portal só funciona na primeira noite de cada lua. Esta será a sexta noite de lua nova. Pelo que sei, o Guardião não é muito ágil. Acredito que leve pouco mais de um mês para que chegue à Terra da Fumaça. O problema é que os Templos Sagrados dos Pontrofo ficam no caminho. Certamente ele aproveitará a viagem para libertar os três demônios.

– Devemos, então, evitar que ele alcance o Templo das Escadas, o primeiro no caminho.

– Já tomei algumas providências, senhor Cogles. Enviei mensageiros a outros reinos de Fesgra. Pedi que enviassem tropas ao Portal e aos outros dois Templos Sagrados. Não há tempo para que cheguem ao Templo de Kira, ou Templo das Escadas, se preferirem. – informou o rei.

– Esses exércitos são o suficiente?

– Infelizmente, não, príncipe Roguinil. Apenas servirão de apoio. Vocês são os melhores e mais bravos guerreiros dos reinos de vocês.

– Mais do que ir atrás do Guardião, vocês terão de proteger os únicos capazes de aprisioná-lo.

– Como assim, feiticeiro?

– Abrir a Arca e libertar um demônio qualquer um pode fazer, senhor Cogles. Esse talvez tenha sido o único erro de Zândrus nesse assunto. Você pode até enfrentar um demônio, mas para aprisioná-lo é necessário mais do que bravura, força ou destreza. É necessário magia. E não é qualquer uma. Apenas feiticeiros que estudaram sobre o Mundo das Trevas são capazes de invocar o feitiço que os aprisiona. Infelizmente, durante os últimos dois séculos, como Fesgra não sofria ataques de criaturas das trevas, muitos aprendizes de magia não mais se interessaram por esse tipo de estudo. Mas há um mago conhecedor dos encantamentos de que necessitamos nesse momento. Ele já está velho e treina seu único filho em sua cabana na Floresta Petrificada. É um Mestre dos Magos. Volano é seu nome. Vocês devem buscá-los e, juntos, caçar o Guardião, que deverá chegar ao Templo de Kira na manhã do segundo dia de lua crescente, se estivermos certos. – explicou Meliel.

– E quanto à Arca e à caçadora de recompensas?

– Ela os encontrará no Grande Lago, próximo a um bosque, príncipe Roguinil, com a Arca e os meus soldados. Fiz um vantajoso acordo para que nos ajude nessa caçada. Mas não será demais redobrar a atenção com ela. – respondeu o rei.

– E o que ganhamos por ajudar Dilames?

O rei olhou furioso para Tóro. Depois de um longo suspiro, que lhe serviu de calmante, respondeu em um tom sereno.

– Primeiramente, senhor Tóro, não estarão ajudando exclusivamente o Reino de Dilames, mas todos os povos de Fesgra. Segundo... como a Arca estava sob a nossa responsabilidade... compensarei os esforços de vocês dando soberania a seus reinos.

– Independência? É disso que está falando?

– Sim, príncipe Roguinil. Capturem o Guardião antes que ele liberte os demônios ou traga outros para o nosso mundo e eu declararei os Reinos de Kan-Potras, Xetric e a Federação de Povoados da qual o guerreiro Cogles faz parte, independentes do Reino de Dilames.

Tóro, Roguinil e Cogles entreolharam-se abismados. Após anos de submissão e guerras, finalmente o Rei-Maior falava de independência. Era uma oportunidade que não podia simplesmente ser descartada.

– É uma proposta tentadora, majestade. Mas pelo que vocês nos contaram, acho difícil que três guerreiros, por melhores que sejam, com apenas um mago e um aprendiz, além de uma caçadora de recompensas e todo o exército de Fesgra sejam capazes de cumprir satisfatoriamente essa missão. Especialmente porque estamos sem armas, conforme sua exigência ao nos convocar.

– Já havia me preparado para isso, senhor Cogles. Estou mobilizando, como o senhor mesmo disse, todo o exército de Fesgra. Pelo que já li em antigos manuscritos, não é suficiente. Por isso mesmo que estou aumentando a força de vocês. Autorizei o senhor Meliel a lhes entregar um de nossos cobiçados tesouros. E para garantir que não o usarão para rebelar-se contra Dilames, a minha filha Kalena os acompanhará nessa jornada.

Roguinil olhou espantado para o rei e depois para a sua esquerda, onde se encontrava a princesa Kalena. Voltou-se para o rei.

– Perdoe-me, majestade, mas essa tarefa não é apropriada e nem segura para alguém sem habilidades, especialmente se for uma mulher.

Endoro, Meliel e a própria Kalena deram uma discreta risada.

– Bem... estamos conversados, então.

– Majestade, falei sério quanto à ida da princesa Kalena. Ela só vai nos atrapalhar...

– Sou o Rei Endoro, o poder máximo do Reino de Dilames, senhor das Terras do Norte e Sudeste de Fesgra, bem como dos que vivem nelas. Pelo que me consta, são meus súditos, e, como tal, me devem obediência. Eu seria também o soberano das Terras do Oeste e do Sudoeste se os reinos de lá não tivessem vencido meus antepassados nas guerras de independência. Minhas ordens são incontestáveis! Estou equivocado em alguma coisa... príncipe? – esbravejou o rei, frisando essa última palavra como que para demonstrar que Roguinil era seu inferior.

– Não... senhor. – respondeu Roguinil com um tom seco.

– Ótimo. Já perdemos muito tempo. Devem partir o quanto antes. Meliel, leve-os ao Salão das Armas... E apronte-se. Você também irá com eles nessa jornada. É o único em quem confio para proteger Kalena. Será o líder do grupo.

Meliel arregalou os olhos, espantado com a decisão de última hora do rei. Ou já teria sido planejada e não comunicada ao mago?

– Alguma objeção, príncipe? – Roguinil baixou a cabeça. – Ótimo. Mandarei alguns mensageiros a seus reinos para avisar que vocês estão em uma missão oficial de Dilames. Meliel, já enviou uma esfera à Ordem dos Magos para avisá-los do ocorrido?

– Há dois dias.

– Ótimo, então.

Sem mais delongas, Endoro retirou-se rápida e impacientemente do Salão das Decisões. Ainda anestesiado pela notícia de que também iria naquela arriscada jornada, Meliel conduziu os demais para outro ambiente. Apenas a outra filha de Endoro permaneceu.

O mago os levou por um comprido corredor que culminava com uma escada sinuosa, a qual levava ao subsolo do castelo. Após muitos degraus, o grupo chegou a um outro corredor, menor e mais largo, com uma porta de madeira no seu final. Em sua frente, duas sentinelas afastaram-se com a aproximação do mago e seus acompanhantes. Meliel ergueu a mão esquerda e a porta se abriu.

O grupo adentrou o Salão das Armas, um recinto sem janelas, iluminado por alguns archotes, com um teto não muito alto. Por todo o local dispunham-se armas, de todos os tipos: lanças, arcos e flechas, espadas, machados, marteletes, adagas, clavas, escudos, armaduras, balistas manuais, maças, porretes e tridentes eram as mais abundantes.

Em uma das paredes, um enorme recipiente de vidro transparente chamava a atenção. Dentro, mais armas. Mas não eram armas comuns. Tratava-se das mais cobiçadas por todos os guerreiros de Fesgra. Um exército que as possuísse seria quase invencível. À exceção do mago e da princesa, todos olhavam maravilhados para aqueles artefatos.

– Senhores, lhes apresento...

– ... as Armas de Zilon... – completou Cogles, interrompendo Meliel, em tom admirado.

– Nós as conhecemos muito bem, feiticeiro. Seu rei as usou para massacrar nossos povos.

– O momento não é para ressentimentos, príncipe Roguinil. O rei Endoro lhes concede o uso dessas armas mágicas para que um benefício comum seja alcançado.

– Por que o rei está nos dando essas armas? Onde estão os guerreiros dilamésios que as usaram nas guerras contra nossos povos?

– O rei não está lhes dando, senhor Cogles. Está, digamos, emprestando. E quanto aos guerreiros... infelizmente estão mortos. – explicou o mago.

– Mortos?!

– Sim, senhor Tóro. Desde que o rei Endoro começou os processos diplomáticos de paz com seus povos, as ações dos guerreiros que usavam as Armas limitaram-se a uma missão especial. Infelizmente, parece que não obtiveram êxito.

– E que missão era essa? Como eles morreram? Se eles morreram mesmo estando com essas Armas, nós também podemos morrer!

– Há algum tempo, senhor Cogles, algo vem matando as Criaturas Místicas. Solicitei ao rei Endoro que ordenasse esses guerreiros a caçarem esse terrível mal. Um deles voltou há uma semana, desfalecendo. Nada pude fazer para salvá-lo. Não temos notícias dos outros. Mas, pelo tempo e por falta de notícias, acreditamos que também estejam mortos.

– Você acha que poderia ser esse tal de Guardião quem está matando as Criaturas Místicas?

– Não, senhor Cogles, com certeza não é o Guardião. A matança misteriosa desses seres começou bem antes do Guardião ser solto. Além do mais, criaturas das trevas não se aproximam de Criaturas Místicas.

– E por quê não?

– Bem... não sei explicar com riqueza de detalhes, Kalena. Deixarei isso para Volano... afinal, é a especialidade dele. Senhores, princesa, escolham suas Armas.

Os guerreiros consentiram que a dilamésia fosse a primeira a escolher. Após uma rápida analisada, pegou o Tripon, arma de três pontas interligadas por um círculo, um pouco maior que a palma da mão de um adulto, feita de um metal bastante leve e com pedras avermelhadas cravejadas em suas extremidades, dando-lhe aspecto similar a uma jóia.

– Boa escolha, princesa. Creio ser a mais perfeita para você dentre todas. O Tripon vem acompanhado desta luva. O Tripon obedece ao comando da luva. A luva obedece ao comando de quem a usa.

Meliel entregou-lhe uma luva feita de pele de raposa, em tom claro, com o tracejado da Arma e as extremidades rasgadas, o que permitia que as pontas dos dedos ficassem à mostra. A luva ajustou-se perfeitamente na mão direita de Kalena, e alongava-se até meados de seu braço.

Cogles e Tóro abriram espaço para Roguinil escolher uma Arma, alegando que este, por ser um príncipe, possuía uma preferência natural sobre eles dois. O kan-potrense, gentilmente, recusou essa preferência, mas acabou cedendo à insistência dos dois guerreiros. Calmamente, olhou todas as Armas presentes e escolheu uma espada.

– Enfrentei o guerreiro que usou essa espada na batalha que deu a Endoro a vitória em nossa última guerra de independência. Infelizmente, eu perdi. Meu povo perdeu.

– Tenho certeza, bravo príncipe, que isso se deveu à vantagem que o guerreiro tinha de estar usando essa espada. Mais certeza tenho ainda de que a manuseará como ninguém.

Meliel entregou a Arma a Roguinil. Sua lâmina de mais de um metro e meio de comprimento era bastante fina, feita de um metal, tornando-a de fácil manuseio. O seu punho era de ouro, com muitos símbolos que, segundo o mago, eram mágicos. Um desses símbolos era um pequeno ‘Z’ em baixo relevo, marca presente em todas as Armas confeccionadas por Zilon.

– Um olhar distraído diria que é mais uma espada comum. – disse Roguinil com os olhos brilhando e fixos no artefato.

Cogles, após uma breve olhada para Tóro, entendeu que este lhe concedeu a vez na escolha de uma Arma. O guerreiro, líder militar da Federação de Povoados ao sul do Reino de Kan-Potras, não se demorou ao escolher um chicote prateado.

– Excelente escolha, senhor Cogles. O metal de que é feito esse chicote é curiosamente intrigante. É maleável o suficiente para dobrá-lo. E duro o bastante para ser indestrutível. Acho bom treinar um pouco antes de um combate de verdade. Os que o usaram antes se feriram muito até aprenderem a controlá-lo.

– Obrigado, feiticeiro. Treinarei, sim.

– Um arco, uma clava, duas adagas... Luvas?! Essa caixa de vidro está cheia de luvas! Isso é um salão de armas ou uma feira de peças femininas? – resmungou Tóro.

– Talvez queira usar estas aqui, bárbaro.

– Luvas pra mim, feiticeiro?! Isso é para quem não quer ferir ou sujar a mão! Quero algo que possa dividir ao meio o corpo de algum louco que se atreva a me atacar.

– Como eu disse, talvez o senhor queira essas aqui. Experimente.

Tóro colocou as luvas feitas de couro de leão.

– E agora?

– E agora... teste-as naquela pedra ali no canto.

Tóro aproximou-se de uma rocha. Com o punho fechado, empreendeu um murro na pedra. Uma rachadura se iniciou e o pedregulho partiu-se ao meio.

– Fabuloso!!! – exprimiu Tóro com um largo sorriso.

– Essas luvas aumentam em cinco vezes a força e a resistência. Creio que impedirão o senhor de ferir ou de sujar as suas mãos. – o mago deu um forçoso riso. – Imagino que estejam todos satisfeitos. Durante nossa viagem à cabana de Volano, terão a oportunidade de aprender mais sobre essas Armas.

– E qual será a Arma que entregará à caçadora de recompensas, feiticeiro?

– Nenhuma, príncipe.

– Mas... pelo que vocês nos contaram, precisaremos de toda ajuda possível! Acho que seria bastante sensato que todos do grupo estivessem muito bem armados, inclusive o senhor!

– Acredite, alteza, a caçadora de recompensas não precisa dessas Armas. E quanto a mim, sou um mago e, como tal, não sou muito habilidoso com esse tipo de artefato. – Meliel apreciou seu cajado por alguns instantes – A ordem do rei é que partamos o mais breve possível. Kalena, por favor, acompanhe-os ao Salão das Refeições para o banquete. Depois do almoço, alguns criados estarão à disposição para o que precisarem. Com a sua licença, preciso arrumar as minhas coisas rapidamente, já que foi uma surpresa a ordem de acompanhá-los nessa caçada.

Meliel dirigiu-se às escadas que o levariam aos andares superiores do castelo. Kalena conduziu os convidados ao Salão das Refeições, onde um banquete estava sendo servido.

O salão era o maior de todos do castelo. Grandes janelas nas quatro paredes eram responsáveis por toda a iluminação durante o dia. À noite, incontáveis candelabros substituíam a luz do sol. Na parede oposta pela qual os guerreiros entraram havia uma grande porta de onde entravam e saíam vários criados, carregando enormes bandejas com comida e levando-as até um canto com várias mesas.

No centro do salão, uma mesa maior também estava repleta com comida, mas apenas os pratos principais. Era nela que as pessoas se sentavam para banquetear. O piso do salão, bem como as mesas, cadeiras, toalhas, louças e talheres eram feitos do mais nobre material que poderiam ser feitos. Muitas outras pessoas circulavam pelo salão naquele momento, numa rotina palaciana, alheias ao perigo iminente.

Kalena conduziu os convidados até a mesa principal e deram início à sua refeição. Um grupo de música entretia os presentes. Tóro demonstrava atitudes à mesa bastante diferentes dos demais.

– O que foi? Nunca viram um xetriquênio comer antes? – falou quase sem poder pronunciar as palavras direito por causa da coxa de frango assado que havia colocado inteira em sua boca. Em uma das mãos, uma outra coxa de frango; essa, cozida. Na outra mão, um pedaço de pernil assado. À frente do prato, que parecia uma montanha de comida, sua taça transbordava vinho. Todo o espaço em sua volta estava sujo com pequenos pedaços de comida que caíam de sua boca.

Após quase duas horas de refeição, Tóro teve de ser retirado da mesa por seus companheiros, que já haviam terminado o almoço fazia mais de meia hora.

– Depois de todo esse vinho, como é que você ainda consegue se manter em pé?

– Nada derruba um xetriquênio, príncipe. Nada! – respondeu o bárbaro com uma estrondosa gargalhada.

– Então fico aliviada em saber que minha irmã contará com a sua companhia, bárbaro. A sua e a do príncipe Roguinil. Ouço muitas histórias a seu respeito, alteza.

A irmã mais velha de Kalena resolvera se despedir do grupo. Também era muito bela, com uma voz doce que parecia dançar quando saía de seus lábios finos e avermelhados.

– Mantenham Kalena a salvo e serão donos de minha profunda gratidão.

Roguinil fitava aqueles olhos como se estivesse enfeitiçado.

– Por quê não vem conosco? – perguntou, afinal.

Kalena olhou para o kan-potrense com uma expressão de quem estava confusa.

– Como? Há pouco você questionou a minha presença no grupo por eu ser mulher, despreparada... E agora está chamando Katrina para vir conosco?!

Os olhos de Roguinil se revezavam entre as duas irmãs.

– Bom... achei que se o rei fez tanta questão de que você fosse, talvez... quisesse também... que a sua irmã fosse...

– Obrigada pelo convite, príncipe. Sei que estaria segura na sua companhia e na de seus amigos. Mas com a ida de Kalena e de Meliel, meu pai precisará do meu total apoio. E, como você mesmo disse, não é aconselhável que alguém sem experiência participe dessa jornada.

Katrina virou-se de costas e começou a caminhar rumo a uma outra sala. Seu andar era lento, e todo o seu corpo parecia mover-se numa delicada sintonia. Suas vestes desenhavam toda a sua silhueta e incitavam os mais libidinosos desejos em Roguinil. Após alguns passos, voltou-se para ele.

– Mas estarei aqui esperando que volte. E não apareça sem a Arca e o Guardião. – finalizou com um leve sorriso e um olhar sedutor.

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