FLIN E A CIDADE FLUTUANTE PARTE 1

O badalar de um relógio em um centro urbano é inconfundível, ao mesmo tempo um norteador de nossos compromissos, nos leva inconfundivelmente a um momento assustador, quando nos deparamos com aquilo que deveríamos fazer ou ter feito e aquilo que estamos fazendo, e gostamos. Portanto, aquele badalar era intragável, pois simplesmente recaia como um balde de água congelante sobre meus compromissos.

Meu ceticismo perante aos acontecimentos, era um fator preponderante de sucesso. Sendo jornalistas de cobertura internacional, a imparcialidade sempre fora preponderante no meu empenho e para ser sincero, na minha personalidade. Opinar sobre os acontecimentos, não necessariamente, é se engajar nos fatos com a sua consciência própria. E o que eu fazia para diferenciar minhas reportagens ? Me mantinha a distância dos personagens e fazia peculiares registros baseados unicamente nas incidências dos fatos, e me orgulhava desta postura íntegra e profissional.

Mas naquele dia em especial.......

Petrópolis é uma cidade bucólica, rodeada de diferentes fragrâncias de suas surtidas Hortência coloridas , fazendo da cidade serrana uma magia em plena Primavera. O perfume incomum exalava uma harmônica sensação de torpor em meus sentidos, inebriante como um bom cálice de vinho. O som que repercutia atrás dos meus passos naquela noite de Setembro lembrava muito as gotas serenas do orvalho despejadas nas folhas secas do inverno. Com exatidão eu mantinha a minha caminhada, fixa na sombra dos altos muros da cidade Colonial. Mantinha a cadência de movimento a procura de abrigo, pois a chuva fina já começava a encharcar o casaco de camurça marrom.

O entardecer de uma cidade como a minha era algo meio sinistro. Tudo ficava repentinamente acinzentado, oferecendo um aspecto deprimente ao local. Uma sensação tênue póstuma de que ali já houvera seres vivos.

Minhas pernas estavam cansadas, mas a sensação nítida e inebriante de estar sendo observado e perseguido continuava por todo o percurso. Olhei de sorrateiro por entre as curvas das ruas a procura de alguma pista que justificasse aquela impressão clara de perseguição aguçada pelos meus sentidos. Um aroma forte entorpecia todo local, sentidos apurados pela fome e cansaço do dia.

Próximo à casa de Santos D’umont, parei por alguns segundos, recusei-me a me confrontar com aquela busca esquisita e sem qualquer explicação. Virar-me repentinamente seria tolice, crendice de coisas que eu não acreditava. A busca de alguma coerência para aquela sensação fora em vão, pois não reconhecera nada estranho a minha volta que merecesse atenção. Alguns jovens riam uns dos outros perto da Universidade e pessoas, como eu andavam rapidamente em busca de abrigo.

O badalar do relógio informava com exatidão 21:00 horas.

O vento cortante lançava das árvores as folhas que caíam. Um cântico lamento sobrepôs à alameda, um choro baixinho de bebê com fome adentrou aos meus ouvidos. Olhei ao redor mais uma vez. Estranho e enigmático as gotas da chuva aumentaram e os pequenos telhados não permitiam mais segurança. Corri mais uma vez, agora de encontro com um enorme carvalho, cujas folhas e galhos permitiam que me mantivesse seco. Não percebera, no entanto, que ao tomar esta atitude, a sensação de companhia aumentara. Algo sobrenatural me abraçara, envolvendo-me por completo. Braços contornavam o meu corpo, um afago e um sorriso. Dedos suaves pressionavam o meu braço, puxando-me para bem perto do tronco como uma corda. Apático aos olhos de outros, me dispus a crer que o dia fora imensamente cansativo e que não passara de uma alucinação. Agarrei-me a fé que nunca tivera. E só quando a chuva se conteve corri o mais longe possível daquele local. A sensação de arrepio ainda percorreu os meus dias por um longo tempo.

garota da encharpe verde
Enviado por garota da encharpe verde em 31/08/2020
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