Capítulo 8 – A tal da projeção emocional e o encontro no supermercado



- Eu não sei do que você está rindo, Lexi! – Afastei o celular da orelha, bravo. – Para de rir garota, que inferno!

“Ai... Eu... Estou sem ar!”

- Você é ridícula, sério!

“Como é que você caiu nessa de amigos, Ander? Vocês se amam!”

- Ela vai se casar, Lexi. Vai casar e não será comigo. Não adianta tentar fazê-la entender as coisas. A Lana é dona das razões dela, cara!

“Você ainda acha que ela não sente nada?”

- Não sei... – Estiquei as pernas na mesa. – Eu realmente não sei. As vezes sinto isso, mas não parece o bastante, entende? Tem hora que acho que é apego ao que tivemos. Ontem no metrô ela admitiu que tem uma obsessão por mim.

“Sim, escorpiana e obsessiva. Sem surpresas até aí.”

- Lexi, você sabe que não sou eu o problema. Eu infelizmente admito que largaria tudo para ficar com ela. O problema é a Lana. Ela que não sabe o que sente ou o que realmente quer de mim.

“Sim, eu sei. Liguei para ela antes de ligar para você.”

- E aí?

“Bem... Ela é a minha melhor amiga, não posso contar os segredos dela.”

- Alexia...

“Certo, eu conto. Ela disse que vocês têm algo inevitável, mas que há muita coisa que os separa e não há chance de mudar, mas...”

A pausa dramática dela me deixou completamente irritado.

- Continua, garota!

“Ai, foi só uma pausa pra criar um clima dramático.” – Bufei, bravo. “Continuando... Eu não entendo direito, mas Lana parece ter sido muito magoada por alguém depois daquele término de vocês na adolescência. Acho que é projeção, sabe?”

- Como assim?

“Projeção emocional, Ander. Quando atribuímos um tipo de trauma ou dor a uma outra pessoa que não tem nada a ver com a história.”

- Então você acha que Lana não consegue me dizer o que sente por causa do passado dela?

“Sim. Provavelmente essa pessoa a magoou muito, a ponto de ter se fechado emocionalmente. Por isso que ela fugiu de você. Não foi por não sentir, mas sim, por ter medo de sentir.”

- Será que é o Bruno?

“O sonso do futuro marido? Não. Isso aconteceu depois que vocês se afastaram na adolescência.”

- E isso se resolve como?

“Pelo o que sei, enfrentando o que a magoou. E ai mora o problema!”

- Prossiga...

“Ela acha que é você ou o que tiveram, mas não é a verdade. Ela tem que enxergar o que a magoou, para então, aceitar o amor que você tem por ela.”

- Bem, isso me parece o tipo de coisa que demanda tempo.

“É! As vezes um tipo de choque facilita as coisas. E tenho a sensação que será você a pessoa a dar esse choque na Lana.”

- Isso é para me motivar a não desistir?

“Talvez. Eu dou menos de um mês para vocês acabarem tendo outra recaída.”

- Acho que não... Ela parece estar convicta do que fala. E tem o Bruno... Ele é uma realidade em nossas vidas.

“E pensar que se não fosse o mosca morta do Bruno vocês estariam namorando...”

- Você o conheceu pessoalmente?

“Não, mas ela me fala dele desde quando se conheceram numa social entre as empresas que trabalham. Ele é absolutamente certinho, tem família de comercial de margarina, fez catequese, faculdade, pós e agora mestrado. Já plantou uma árvore, faz um monte de boas ações... E nossa, se eu te contar a lista de coisas que o qualificam como um homem perfeito, você vai dormir tamanho o tédio que dá.”

- Você é uma pessoa terrível, Alexia.

“Boa sorte nessa nova caminhada ao lado da minha escorpiana preferida. Você vai precisar!”

- Obrigado, eu acho.

“Olha, preciso desligar. Se cuida, tá? Tchau, Ander!”

- Tchau, manda um beijo pra tia e diz que eu a amo muito.

“Pode deixar, beijo!”

Fiquei alguns dias sem ver Lana, mas conversávamos todos os dias pelas redes sociais ou por telefone. Ela não falava de Bruno, mas as vezes me perguntava sobre a Gabi. Eu não esticava muito o assunto, porém sentia a sua necessidade em ter essas informações de mim. Era como se o meu “envolvimento casual” com minha colega de trabalho não fosse o bastante para ela. Toda vez que eu terminava de falar com Lana por telefone me lembrava de Lexi me explicando sobre a projeção emocional. Fazia sentido. Na verdade, até demais. Lana sempre fugiu de mim. De início, por sua história familiar. A mãe de Lana foi uma mulher submissa ao pai, num nível de humilhação psicológica e agressão física.

Ela cresceu com a ideia de que tinha que ser diferente, uma mulher melhor e mais forte, porém, os traumas a tornaram emocionalmente insegura e fechada. A primeira fuga foi por esse motivo, mas e a segunda vez? Tudo bem que a situação era favorável a Lana não acreditar em mim, mas será que eu não merecia ao menos ser ouvido?

- E mesmo com tudo isso, eu aceitei essa ideia absurda de sermos “amigos”.

Com raiva e fome, resolvi ir no mercado comprar mantimentos para preparar o jantar. Era só uma ida ao supermercado, nada mais do que isso. Era impossível acontecer qualquer coisa anormal numa ida ao mercado, mas aconteceu. Sinceramente, São Paulo é uma cidade pequena demais.

Passei pelo corredor de massas quando deparei com um homem parado analisando com todo cuidado uma embalagem de macarrão tipo “Parafuso”. Ele tinha o cabelo encaracolado e muito cheio. Usava óculos, camisa estampada, calça jeans, tênis e tinha aquela coisa meio nerd e alternativo. Me aproximei, para pegar uma embalagem do tipo “Penne”.

- Velho, isso é muito difícil. Minha namorada pediu para que eu escolhesse um tipo de macarrão para comermos com peixe. Eu não tenho ideia, pois pra mim é tudo é a mesma coisa!

Concordei, sorrindo e enquanto ia em direção a embalagem de massa tipo “Tortiglioni”.

- Essa massa aqui com molho de cogumelo e peixe fica perfeita! Não sei se sua namorada gosta, mas um vinho branco pra acompanhar... Olha, é sucesso!

- Isso aí é difícil de te dizer, cara! Ela já teve um porre de champagne, mas acho que curte um vinho sim!

- Putz, conheço alguém igual.

Aquele foi o primeiro sinal para eu simplesmente sair correndo dali, mas ignorando minha intuição continuei conversando com o estranho e agradável rapaz.

- Ela está meio distante, sabe? Eu ando trabalhando pra caralho. Uma eterna viagem Rio-São Paulo, é difícil vê-la, mas eu tento, sério!

- E há quanto tempo vocês estão juntos?

- Quase três anos. Eu amo demais minha pequenininha.
Segundo sinal. Ignorei o aumento do desconforto e continuamos conversando. Nem sei quem é ele, mas tudo isso está extremamente incômodo.

- Pô, velho, que legal! Será que uma conversa não ajuda? De repente um chocolate para acalmar, se ela for das mais bravas.

- Ela é meio caladona, poucas vezes se abre comigo mesmo... Só me disse uma vez que gostava de mim, acredita?

E surgiu aquela voz melodiosa e impossível de não reconhecer vinda do outro corredor e parando ao lado do rapaz. Agora tudo fazia sentido.

- Quem, Bru? – Perguntou, olhando para ele e depois para mim.

O verde oliva denunciava horror, o meu, desgosto. E não era pela situação em si, mas por não ter entendido melhor os sinais que praticamente gritavam na minha cara. Bruno deu um beijo no rosto dela, completamente amoroso. Lana não conseguia parar de me olhar.

- Quem será? – Perguntou, como se fosse óbvio demais. - Mas não tem problema, eu gosto de você desse jeitinho meio fechadona mesmo! - Minha nossa, como eu queria ser atropelado por um caminhão nesse momento. – A gente trocou um papo bem bacana e nem perguntei seu nome!

Um gigantesco caminhão. Por favor, meu Deus.

Lana levou a mão a boca, parecendo assim como eu, não acreditar que São Paulo fora tão pequena a ponto de colocar nós três num simplório supermercado.

- Ander! E o seu?

- Bruno! Essa aqui é a Lana. – Ele apontou para a figura feminina que me implorava com os olhos para ir embora. – Minha futura esposa e mulher da minha vida!

- Oi!

Nosso aperto de mão foi extremamente rápido. O pior é que atuávamos tão bem que Bruno não percebera nada.

- Bem, faz aquilo que eu te disse, Bruno! Certeza que você vai mandar muito bem! – Lembrei, fazendo-o sorrir enquanto abraçava Lana. – Boa noite para os dois.

No fim, não comprei absolutamente nada no mercado, voltei para casa sem fome e com um peso imenso na consciência.

Foi - de longe - a pior noite que já tive desde que passei a morar em São Paulo.

 

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 22/11/2020
Reeditado em 18/01/2024
Código do texto: T7118240
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