Os Últimos Dias - Ato V - Guerra e Morte

O cemitério e a pira mortuária ficavam em uma colina próxima, ao lado de um templo erguido em honra a Othen, o deus da guerra. Hector aproximou-se lentamente observando as imagens sacras do Grande Guerreiro que mostravam um homem enorme em uma armadura vermelha completa lutando contra dragões. Apesar de não ser ligado a religião, Taylor podia sentir a energia de combate pulsando naquelas paredes e seus ideais foram renovados com uma nova carga de ânimo.

- O que veio fazer aqui? - Perguntou um clérigo vestindo a manta rubra cerimonial de Othen quando avistou o visitante.

- Estou procurando uma pessoa - foi a resposta de Hector.

- Perdeu seu tempo. Só estou eu aqui.

- Na verdade quem estou procurando já morreu. Deveria ser cremado hoje.

- Ninguém foi cremado hoje. - tornou secamente o clérigo preparando as oferendas sobre o altar sem ligar para Taylor. Na verdade ele estava muito incomodado com a presença de um soldado de baixo escalão plantado no meio do templo daquela forma, mas acreditou que se ficasse quieto e o ignorasse, ele logo partiria.

- Era um soldado, como eu. Ele foi envenenado ontem. Só pode ter sido cremado aqui. Hoje.

Após alguns segundos de silêncio e um profundo suspiro, o clérigo se virou novamente em direção a Hector olhando-o nos olhos. Ele sentiu uma inocência incomum naquele homem. Apesar dos trajes de soldado ele não tinha a garra de um verdadeiro guerreiro. Provavelmente sucumbiria no primeiro combate em que fosse convocado. De forma vergonhosa e sem honra, talvez de costas para o inimigo, ou enfiado de cara num buraco.

- O nome dele era Ivan. - respondeu enfim - Como não teve uma morte honrosa em combate, não merece ser cremado junto com os Guerreiros da Nação. Seu corpo foi enterrado junto aos civis no cemitério da Vila Mortuária, ao leste daqui.

- Entendo e a mulher A viúva você a viu?

- Acabei de dizer que ele não foi cremado aqui. Não participei dos ritos, portanto não vi ninguém que possa estar procurando. E mesmo que tivesse visto, não me importa seus assuntos com mulheres.

- Você não está entendendo. É importante que eu encontre essa moça.

- Ora essa! – irritou-se o sacerdote avançando em direção ao Hector com passadas largas, marchando de forma cadenciada com uma espécie de raiva contida brilhando em seus olhos, e o dedo em riste ameaçadoramente apontado para a face do guerreiro - Quem não está entendendo nada aqui é você! Já disse que eu não a vi!

- Algum problema, Zael? O interlocutor era um homem na casa dos trinta anos, de cabelos de um tom muito claro de loiro pendendo-lhe sobre os ombros. Vestia roupas negras e um chapéu que lhe encobria parte do rosto, trazendo nas mãos uma pá suja de terra. Ele exalava um ar sinistro, de certa forma até mesmo fúnebre, que preenchia o ar, rastejando pesado através do templo e invadindo as narinas.

- Apenas um soldado – respondeu Zael empurrando Taylor em direção a porta - Que inclusive já estava de saída.

- Está procurando pelo companheiro morto ontem?- tornou a perguntar o estranho rente à porta com um brilho morto de curiosidade se perdendo em seus olhos vítreos.

- Sim eu preciso saber onde ele vivia.

- Algum motivo em especial?

- Não. Apenas queria prestar meus pêsames a viúva.

- Sei - Respondeu ele sorrindo, mostrando um conjunto de dentes bastante amarelados presos frouxamente em uma gengiva enegrecida - É perto daqui. Basta seguir a rua principal descendo a primeira colina. É a casa de numero seis. Está no registro.

- Obrigado! Muito obrigado, senhor! – agradeceu Hector cumprimentando-o energicamente. Não conseguiu ou sequer tentou disfarçar como se sentia. Ele estava completamente feliz com seus progressos quando saiu do templo. Levava no rosto o sorriso bobo que muito lembrava o de um homem que ganhara um beijo de uma bela mulher. Agradeceu novamente. E se foi.

- Era o filho do general Taylor não era? - perguntou Zael surpreso, observando pela porta larga do templo enquanto Hector desaparecia em meio às casas lá embaixo na cidade.

- Se não me engano, era o próprio sim.

- Porque o ajudou Arthur? Não passava de um idiota.

- Noror às vezes é sutil reverendo. – respondeu o homem ajeitando o chapéu um pouco mais sobre o rosto, deixando que profundas chagas já supuradas em suas mãos ficassem a mostra sob a manga do pesado capote que vestia - Suas obras não se dão alardeadas por fogos de artifício e chuvas de sangue como um certo deus da guerra adora agir. Sutilezas. Sâo quase tão silenciosas como a morte.

- Se refere à morte de Ivan? – perguntou Zael encarando-o com um misto de curiosidade e nojo.

- Sim e não. Pode ter sido apenas mais um crime, e apenas outra morte. Mas eu creio que há mais por de trás desta história. Muito mais. E acho que dentro em breve, serei agraciado com uma boa quantidade de trabalho lá na Colina dos Mortos, da mesma forma que a chama rubra irá arder com vontade na câmara dos guerreiros.

- Então você acha que a guerra novamente irá recair sobreas muralhas de Narun? – perguntou Zael satisfeito.

Arthur apenas deu de ombros, e arrastando a velha pá atrás de si, partiu.

Armageddon
Enviado por Armageddon em 22/02/2008
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