Moro onde não mora ninguém
Onde não passa ninguém
Onde não vive ninguém
É lá onde moro
E eu me sinto bem
Moro onde moro...
 
Não tem bloco na rua
Não tem carnaval
Mas não saio de lá
Meu passarinho me canta a mais linda
Cantiga que há
Coisa linda vem do lado de lá
Coisa linda vem do lado de lá
Moro onde moro... (eu também moro...)
 
Uma casinha branca
No alto da serra
Um coqueiro do lado
Um cachorro magro amarrado
Um fogão de lenha, todo enfumaçado
É lá onde moro
Aonde não passa ninguém
É lá que eu vivo sem guerra
É lá que eu me sinto bem
 
*
 
Os dias atuais, trazendo tantas inquietações e grande ansiedade, levam o ser humano a almejar a paz.
Fugir da cidade grande, evitar a poluição dos carros, rejeitar os vizinhos barulhentos parece uma utopia necessária.
A música acima, composta em 1975, interpretada por Agepê, oferece um grito que muitos querem dar.
 
Ilmar, se o eu-poético mora lá, onde não mora ninguém, considerando que ele é alguém, não é incoerente dizer que, nesse local, não mora ninguém?
Alguém morar significa habitar, que implica em conviver, estar ao lado de outras pessoas. Apenas um indivíduo, optando por um gigantesco isolamento, não pode ser considerado um habitante ou um morador.
 
* Quantas vezes não desejamos a quietude profunda?
Não seria bom conseguir ouvir a suave brisa ou o canto espontâneo dos pássaros?
Coisa linda vem do lado de lá, pois, do lado de lá, o silêncio sussurra um convite que faz a alma viajar e desejar penetrar a beleza da criação.
A alma não prova desassossego nem inquietação.
Será?
Percebam que a serenidade do local inspirando uma vida muito simples (fogão de lenha, uma casinha branca) não evitou a ação egoísta e cruel.
Por que o cachorro está amarrado?
Antes a canção cita “meu passarinho”. O passarinho parece estar numa gaiola, preso, pois alguém imaginou que ele pediu um proprietário.
 
Nesse local não tem ninguém, lá somente o dono do cachorro mora.
Por que prender o coitado? Provavelmente, se o animal não permanecer amarrado, ele vai fugir, pois os cachorros não curtem a solidão.
Ele emagreceu porque deve ser bem triste curtir a paisagem vazia sem a esperança de ter um colega da mesma espécie ou encontrar o grande amor o qual o faria esquecer todas as amarguras do mundo canino e os bondosos donos que o destino inventa.
Assim não dá para cultivar o entusiasmo nem revelar saúde.
Afinal de contas, lá não mora ninguém, nem sequer cachorros.
 
* O eu-poético garante que se sente bem.
Também diz que vive sem guerra.
Com quem ele poderia fazer guerra?
Notem que, na falta de inimigos e desafetos, ele decidiu tornar a vida do cachorro uma porcaria.
É uma forma de treinar a maldade guardada no coração. Se ele decidir, mais tarde, morar onde mora alguém, jamais vai desconhecer como incomodar, brigar e perturbar os outros.
Quanta sabedoria, não?
 
* Cá, onde os cachorros gordos ficam soltos, passam diversas pessoas.
Algumas delas são legais, mas outras precisam ser evitadas. 
De repente pode aparecer a necessidade de tirar a alegria dos animais livres ou encarar firme uma descontraída briga com um humano, talvez fazendo o conflito virar uma terrível batalha.
 
Sem dúvida vale a pena prevenir!
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 21/03/2015
Reeditado em 21/03/2015
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