Ouro de Tolo

Eu devia estar contente

Porque tenho um sub emprego,

Sou dito cidadão de bem respeitável

E não ganho dois mil reais por mês.

Eu devia agradecer ao Senhor,

Pois não fiz sucesso na vida como artista,

Mas devia estar feliz,

Pois a minha condução é um busão 93.

Eu devia estar alegre e satisfeito

Por morar em Guaianazes

Depois de passar fome desde os dois anos

No País de Alice das Maravilhas.

Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso

Por ter sobrevivido na vida,

Mas eu acho isso uma piada sem graça

E um tanto quanto preconceituosa.

Eu devia estar contente

Por não ter conseguido nada do que quis,

Mas confesso decepcionado

Que eu estou abestalhado.

Porque foi tão difícil conseguir

E agora me pergunto: “E aí?”

Eu tenho uma porção

De contas grandes pra pagar

E não posso ficar de papo furado.

Eu devia estar feliz pelo Patrão

Ter me dado um domingo

Para ficar com a família confinado

E comer pipoca com a criançada.

Ah! Mas que sujeito chato sou eu

Que ainda acha tudo engraçado:

Praia lotada, carro, fake News, tobogã,

Tudo farinha do mesmo saco.

É você olhar-se no espelho

Se sentir um grandessíssimo idiota,

Saber que é humano, usado, manipulado

E não usa seu cérebro animal.

E você ainda nem acredita

Que um doutor, pastor ou general

Está destruindo com sua arte

O nosso mundo sensacional.

Eu é que não me sento

Na cadeira do parlamento

Com o bolso escancarado cheio de sede

Esperando a propina chegar.

Porque longe das divisas embandeiradas

Que separam nações,

No fundo calmo do meu olho que vê

Grande sombra sonora de um tempo de horror.

Aberio Christe

Adaptado do poema “Oro de Tolo” de Raul Seixas