A última Carta
"Puxou o catarro amargo
Cuspiu a vida azeda
Num canto sujo do quarto
A mão tremendo na mesa
Ascendeu mais um cigarro
Olhou o baralho sem pressa
Beijou seu escapulário e,
Reforçou a promessa;
Talvez a última carta
Talvez os anjos me levem
Talvez me cure numa lágrima
Talvez o jogo se encerra
Bebeu a alma gelada
Num pequeno copo
Tossiu dores arranhadas
Em seu pequeno corpo
Gritou saudades forjadas
Em soluços fingidos
Disse que não dava nada
Pra mudar seu destino
É que o sol cantou
Antes do galo nascer
E o rei só lhe respeitou
Quando ele botou pra foder
Então foi dando porrada
E foi pagando pra ver
Cortando elos na faca
Laços e crivos, feitos pra lhe prender
E se seu carro não cabe mais
Nessa garagem
Se seu corpo já sobra
Naquela cama
Não tem sentido resistir
Negando essa passagem
Não lhe interessa encerrar
Essa vida com drama
Se existir
Já lhe parece estranho
Quem está sóbrio
Nesse chão de aflitos?
Quem lhe condena
Esquece seu próprio tamanho e,
Quem lhe absolve
Dorme em seus conflitos
São tantas as grades meu filho
São tantas as celas
Somos só um descarte e digo;
Deus não se interessa!
Tocou em ouro em delírio
Sentiu a forçada pedra
Sonhou com o abraço dos filhos
E agonizou, entalado na reza!"