O tempo não para - Cazuza

Há tempos não escrevo algo por aqui. Então, vamos lá! Hoje eu gostaria de compartilhar uma reflexão acerca dessa espetacular obra de arte musical, gravada no final dos anos 80. É incrível como a letra dessa canção nos remete à dramática realidade atemporal, cuja repugnante angústia é expressa pelo eu poético em afirmação como "sobrevivemos sem nenhum arranhão" em meio às mazelas, às dificuldades e aos perigos, ironicamente, dependente "da caridade de quem nos detesta”. Trata-se de uma ótima oportunidade de reflexão a respeito da identidade de um povo, constantemente reprimido e sem esperança no futuro, em todos os segmentos: social, moral, cultural, ético, religioso ou político. A canção alerta-nos sobre os tempos que se repetem, não apenas o "tempo que não para", mas o sofrimento temporal incessante. Cazuza deixa claro que há uma "nova roupagem" embaralhada ao passar do tempo, ou seja, nada é novo, as práticas nefastas de antes continuam as mesmas, daí o verso: “um museu de grandes novidades”.

Nos versos: “Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro... Transformam o país inteiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro”, é possível observar a triste realidade de um país ainda ancorado ao preconceito, não somente para com o fundamento LGBT, mas com tudo e todos, um árduo "braço de ferro" de uma minoria predominante, que se põe acima da verdade, que julga pelas aparências e que, dificilmente, aceitará o diferente, também, jamais entenderá sua própria insignificância diante à grandeza do Universo.

Cazuza versa sobre um país edificado em torno de uma elite social ambiciosa, prepotente e ignorante, cuja bandeira está hasteada em meio ao caos, lamentavelmente, a conduzir toda uma nação à lama e à submissão social. O combustível da corrupção mantém a sua chama evidente, No verso “a tua piscina está cheia de ratos”, observarmos, primeiramente, que a palavra "piscina" traz um valor simbólico, cuja representação expressa uma marca de "ostentação social", talvez não seja tanto para os dias atuais, mas naquela época, certamente seria. O poeta cria estereótipos, metaforicamente, por meio do termo "ratos", sem dúvidas, uma crítica aos oportunistas de plantão, que eram/são os de sempre (não necessariamente todos os representantes da elite), mas de parte significativa, a circular pelos bastidores da política, da sociedade e da economia, gente que sustenta o poder, que poderia fazer a diferença, mas só pensa em si e leva suas convicções à risca, passando por cima de que for para manter os seus interesses, pouco se importando com o valor moral ou ético de suas ações.

Em “tuas ideias não correspondem aos fatos” o eu lírico expressa a hipocrisia generalizada, seja por meio da ostentação, dos falsos moralistas, dos falsos religiosos, também traduzida num amontoado de ódio e preconceitos presentes numa camada social que pensa raso e ofusca a luz do toda a nação. A reflexão em torno de "ideias que não correspondentes aos fatos" também pode estar endereçada a quem está "no andar de baixo" e reproduz o mesmo barulho que se reverbera pelo "andar de cima", os que reproduzem ações e ideias sem se questionarem a respeito de sua própria identidade ou origem.

Pode-se concluir que Cazuza tinha plena noção do seu tempo, da sua realidade, da sua exata situação naquele momento. Estava "cansado de correr na direção contrária", cansou-se das mágoas e das frustrações, observava o tempo a passar e via que tudo ficava, cada vez, mais distante... Era tempo de agir, a seu tempo e a seu modo, de expor visão crítica ao mundo, pois não havia um só minuto a perder... Claro, a poesia é subjetiva, nela, cada um ver o que o seu senso crítico expressa. A esse humilde interprete, é exatamente isso, por essa razão considero Cazuza um cara fora da curva.

Se leu até aqui, obrigado pela atenção e sigamos em frente, porque o tempo não para!

Edilson Neres
Enviado por Edilson Neres em 26/06/2021
Reeditado em 21/04/2024
Código do texto: T7287446
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.