A Língua Portuguesa e o Analfabetismo.

Cavindjirite é uma comuna do interior da província de Benguela que se localiza a alguns quilómetros do centro da cidade do município do Chongoroi. É uma daquelas localidades que quase permanece intacta, ou seja, vê-se poucas sequelas da influência colonial , parece que se conservou durante 198 anos a contar a partir do momento que Angola se tornou a principal joia da Coroa portuguesa com a independência do Brasil em 1822. A verdade é que o litoral nos dá a falsa ideia que a presença colonial é muito forte em todo território de 1 246 700km2 e esquecemo-nos que Angola como prioridade de povoação começa oficialmente no século XIX - com a política dos degredados e a perda do Brasil- ( cfr. YAKA) e, portanto, existem ainda aquelas regiões em que a presença colonial ou foi pouca, ou mesmo não chegou a estender-se a elas, acabando por ser indirecta.

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É com a povoação em massa dos portugueses, uma boa parte " degredados" que a língua portuguesa começa a ser mais viva/falada no nosso território e é com a presença destes que se institui a política dos assimilados em que os escravos eram obrigados a ser e sobretudo falar conforme português; como a presença europeia foi maior e mais duradoura no litoral ( daí as cidades mais antigas são as que estão no litoral ), isto contribuiu para que houvesse maior concentração de utentes do português no litoral e consequentemente um meio dialogante forte que se opõe a pouca utilidade ( no sentido de falantes) do português no interior pesembora haja um convívio de línguas, permitindo que haja facilidade ao recém-nascido do litoral a aprender o português como língua primeira e o do interior a aprender primeiro as línguas nacionais, neste caso específico o Umbundu. Isto leva-nos a deduzir que enquanto a língua mais falada no litoral é o português, no interior são as ditas línguas nacionais. Línguas estas que possuem os seus falantes que as usam nos seus dia-a-dia. O que significa que o litoral nos dá a falsa ideia de que o português é falado com a mesma intensidade em todas a regiões do país, facto que nos parece ser pouco crível na medida que acreditamos que há muitos Cavindjirite(s) nas outras províncias. Estas línguas que nestas localidades se sobrepõem ao português, muitas delas não possuem o estatuto de oficiais, o que obriga o falante a aprender o português- ensino da gramática e, portanto, da norma de Portugal-, já que é a usada em âmbitos formais como é o caso da escola que é a entidade do ensino forma, o delimitado, moldado, segundo os ideais do Governo e aquilo que este quer. O facto do indivíduo ser obrigado a sair do seu conforto para se aventurar em uma outra maré que possui ondas diferentes, cores distintas , uma quantidade de água maior ou menor , pode levá-lo a ter aquilo que muitos preferem chamar de "dificuldades de aprendizagem". Mas será mesmo certo afirmar que estes possuem " dificuldades de aprendizagem"? É, a nosso ver, uma precipitação tal afirmação, talvez a forma mais correcta seria asseverar que estes falantes têm dificuldade na aprendizagem, porque a deficiência não está, em muitos casos, nas suas estruturas cognitivas, mas sim em aprender essa língua , ou seja, ele possui dificuldade em aprender a língua oficial( língua segunda neste caso) que é completamente diferente da sua . Neste caso, um nato do Cavindjirite onde a língua que se fala/usa com maior frequência é o umbundu , quando é movido para aprender a língua segunda, no caso o português, pode ter variadíssimas dificuldades por razões várias:

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■ quer pelo facto de a preocupação daquele que ensina o português esteja cingido mais em passar a norma ignorando aspectos linguísticos que são essenciais no processo de aprendizagem de uma língua;

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■ quer pela razão fundamentada no facto de que o Português é uma língua diferente da língua primeira do falante em distintos níveis: fonológico, Morfológico, sintático. Aliás, são línguas de famílias totalmente diferentes, uma indo-europeia e outra nígero-congolesa, proto-bantu;

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■ quer pelo facto de haver discriminação aquando da execução do português no campo da oralidade, uma vez que o falante leva nesta execução a sua Gramática interna;

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Não aprendendo o português, o indivíduo é considerado como analfabeto, porque se não aprender a língua de ensino, não poderá saber nem escrever e ler nem chegar a um conhecimento sistemático e sistematizado mais complexo e , assim, terá possibilidades ínfimas/nenhuma de ser tido como culto, ou seja, aquele que apenas fala uma das línguas nacionais é inculto, analfabeto , não é intelectual . Este pensamento dá-nos a ideia que a concepção de analfabetismo em Angola refere-se simplesmente em " não aprender a escrever ou a ler em português", ou seja, a nosso ver, pensa-se em Angola que o letrado deve ser apenas aquele que aprende a ler e a escrever em português o que acaba por ser quer uma discriminação para aquele que tem como língua1 o Umbundu, quer o próprio Umbundu, tendo a sensação que é o português que favorece o cultismo, a intelectualidade enquanto que o Umbundu a inferioridade, o que carreta consequências aterrorizantes porque o indivíduo fica numa condição delicada, isto é, " não fala o Umbundu por ser a língua da inferioridade, da pobreza e sente-se mal ao falar português, porque é discriminado, porque fala mal , não sabe falar português(se é verdade!?)". Essa visão que corre rapidamente para a sua fossilização não acontece apenas com a língua, mas sim com outros elementos da cultura. A dança que vale é a ocidental, a melhor roupa é a de França, a melhor música é dos Países Baixos , ou seja, o que é do Ocidente é superior ao africano; a melhor língua é a portuguesa, afirmações sem fundamentos, porque não há culturas superiores apenas culturas, não há línguas superiores apenas línguas.

Uma situação que pode ser invertida se os indivíduos de Cavindjirite ou de uma região semelhante aprendessem no sistema escolar na sua língua, isto é, a alfabetização deve ser na língua primeira falada por este o que se resolve oficializando as línguas nacionais para o ensino. Com as línguas nacionais sendo usadas no ensino diminuiriamos grandemente o nível de analfabetismo. O que falta é vontade do Estado, porque a melhor alfabetização é aquela que é feita na língua do aluno/indivíduo. Anda-se a obrigar as pessoas a falarem português.

Fernando Tchacupomba
Enviado por Fernando Tchacupomba em 11/01/2020
Código do texto: T6839197
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