O conceito de “erro” em diferentes perspectivas linguísticas: uma discussão que se impõe

Nem sempre é fácil encontrar pessoas “comuns” e autores que tenham a mesma visão sobre o que vem a ser “erro” na língua, uma vez que, tal como os grupos sociais, as visões parecem cada vez mais dividir-se e, em outros casos, divergir-se também.

Uns, apegando-se ao que a escola dita como “erro”, o que entra sempre em sintonia com as prescrições gramaticais, definem-no duma maneira que nem sempre chega a ser o mesmo em comparação ao conceito emitido por aqueles que, longe da gramática normativa, preferem estudar a língua numa perspectiva “social” e “linguística”, isto é, sociolinguística e há ainda outros que não se posicionam a respeito, ou seja, negam a existência do ‘erro’ e ‘correcto’.

O conceito de erro nem sempre é merecedor de consenso, a ver-se pelas divergências conceptuais e ideológicas e níveis de análises existentes. Cada autor, com base nalguma perspectiva, tem a sua visão do que é erro, onde alguns definem como sendo “uma tentativa de acerto”, uns como sendo “desvio das regras gramaticais impostas pelo uso culto da língua” e para outros ainda tal erro não existe.

O erro ao nível da Sociolinguística

Para a Sociolinguística, ciência responsável pelo estudo da relação complexa existente entre “língua” e “sociedade”, o “erro” surge quando um falante se torna num incompetente comunicativo, ou seja, quando não consegue adequar o que fala à circunstância sociocomunicativa. Vejamos: para esta ciência, o indivíduo deve adequar o que fala consoante o meio social no qual se encontra. Assim sendo, por mais que este seja culto, vezes há que terá de utilizar um nível de língua que se adapte a um cidadão inculto. Por exemplo, um indivíduo letrado, ao dirigir-se a uma comunidade quase ou nada instruída, deverá fazer recurso a palavras que possam facilitar a comunicação entre o letrado e o não letrado. Assim, palavras como “perplexo”, “tubérculo”, enfim, devem ser evitadas, porque a comunidade na qual se encontra não faz alguma ideia das palavras ora supraditas, passando a ser substituídas por aquelas que mais se aproximam da realidade deles, no caso de “admirado”, “batata-doce”, sob pena de não haver comunicação entre estes dois grupos sociais. O contrário, para esta ciência, é onde reside o erro.

Reforçando o que acima dissemos, sociolinguisticamente, “pode-se afirmar que […] o que se pressupõe ser erro […] é, de fato, uma inadequação da forma utilizada pelo falante relativamente ao que o seu interlocutor esperava ouvir. (Da Silva (s.d.:s.p.). Conforme conclui o autor, de forma inadequada “esta decorre do que os interlocutores imaginam uns dos outros e dos papéis sociais que estejam desempenhando e das normas e crenças vigentes na comunidade de fala” (s.p).

Às vezes também chegámos a concluir que o erro na língua é uma questão política e social, mas nada a ver com o factor linguístico. Política, pela escolha de uma variedade padrão, de prestígio, em detrimento das outras; e social, porque há sempre um grupo que passa a ser superior ao outro, sendo o reflexo quase perfeito da norma de prestígio que, por sinal, se encontra mais próxima da realidade desse grupo. E numa sociedade como a nossa, onde poucos têm acesso ao poder, à informação, à formação e à educação, é impossível que todos os cidadãos se possam rever na variedade politizada, daí que o que falam começa a ser sujeito à avaliação por parte daqueles que se consideram instruídos e que dominam quase perfeitamente a norma referente ao seu status social.

Peres e Móia (1995:12) apud Calossa (2016:19), concordando com Barbosa, ao definirem erro como sendo “uma dada realização linguística que não está plenamente integrada na variedade que se deveria utilizar na situação (quer por ser uma ruptura relativamente a esse subsistema da língua, quer por não ser plenamente aceite pela comunidade de falantes dessa variedade)”.

Nesta linhagem, torna-se erro o que é utilizado sem ter em conta o factor situacional de comunicação. Tal conceito aproxima-se mais ao adoptado pela Sociolinguística, que defende sempre a adequação do que falamos em relação ao meio social.

Parafraseando Peres e Móia (idem), Calossa (ibidem) salienta que os mesmos autores recordam que, quando “uma realização linguística em ruptura com o subsistema começa a ser integrada pela comunidade de falantes, essa realização pode dar origem a uma reestruturação da variedade, isto é, pode levar a uma mudança linguística na variedade”.

Por outras palavras, os famosos erros podem levar com que dentro da variedade aceite política e socialmente haja uma mudança no seu sistema, introduzindo entradas gramaticais novas. Entretanto, de acordo com Cardoso (2007:3) apud Calossa (idem), por não ser algo para tanta preocupação, “os erros não devem ser encarados como um problema, mas sim como um indicador importante do estágio de aprendizagem de uma língua”. Ou seja, os famosos erros indicam em que estado ou nível de aprendizagem se encontra o falante em relação ao aprendizado de uma língua. Com o erro, o professor poderá medir o índice de aproveitameno dos seus educandos, cabendo-lhe assim atacar nas áreas que careçam de algum subsídio a mais.

O erro ao nível da gramática

Na perspectiva gramatical, o erro passa a ser quando desrespeitamos o que a gramática ditou como sendo a única forma de falar e escrever.

Nas palavras de Barbosa (s.d.:2), o “erro é tudo aquilo que venha contrariar a variedade de prestígio, o português padrão”. Assim sendo, frase como “a menino foi na escola”, quer no plano gráfico, quer no plano oral, revela o que é realmente considerado erro nesta vertente, pois a norma recomenda a concordância do determinante com o substantivo, ou seja, por iniciar com um determinante feminino, o nome que se lhe segue tem de ser também feminino, para que a famosa concordância em género seja respeitada; por a norma orientar que, no sentido de se deslocar de um lado para o outro, por uma questão de curto tempo, deve-se “ir a”, isto é, o verbo em referência, pelo contexto, pede a preposição “a”, e não “em”. Por se denotar tal incumprimento, a questão de erro gramatical vem à tona. Como vimos, tais erros não são de português, mas sim de regência e concordância em género.

O erro na língua

Enquanto os autores acima definem o erro numa perspectiva gramatical e sociolinguística, em termos linguísticos e segundo Bagno (2006), o que é tido como “erro” ou “certo” não existe. Para este, o que existe na verdade são variedades que, a cada dia que passa, são consideradas pelos grupos sociais de prestígio como sendo inferiores e erradas.

Ainda segundo Bagno (2002) apud Da Silva (s.d.:s.p.), “tudo aquilo que é classificado tradicionalmente de ‘erro’ tem uma explicação científica perfeitamente demonstrável. A noção de erro em língua não é aceitável dentro de uma abordagem científica dos fenómenos da linguagem. Afinal, nenhuma ciência pode considerar a existência de erros em seu objecto de estudo”.

Nos dias de hoje, o conceito que mais se conhece sobre o erro na nossa sociedade pensamos que seja aquele que é estipulado pela escola, mas apoiando-se sempre na visão que a gramática tem da língua. Sendo a escola a difusora da norma-padrão, norma esta que se consubstancia na gramática normativa, talvez esta seja a razão por que o erro é conceptualizado daquela forma.

À luz das avaliações sociais, “é erro tudo aquilo que foge à variedade que foi eleita como exemplo de boa linguagem” (Possenti, 1999:76).

Ao nível da gramática normativa, os fazedores dela apropriaram-se da metonímia para classificar, de qualquer modo, todo e qualquer tipo de erro registado ao nível do incumprimento das normas ideiais da língua portuguesa como sendo erro de português. Numa análise mais séria, é fácil concluirmos então que a língua portuguesa como tal não possui erro, e que o erro que os guardiões da língua chamam de português não passa nada menos nada mais do que um simples erro de ortografia, de acentuação, de semântica, de pontuação, de sintaxe, entre outros, que é diferente de erro “de” português. Porém, os normativistas tendem a classificar estas partes como um todo, passando a ser assim vistas como erros de português, o que, para nós, não há razões para tal.

Em suma, o erro na língua depende muito da perspectiva de análise. Em termos didácticos/gramaticais, ele surge quando não se regista um cumprimento das regras impostas pela gramática normativa. Em termos sociolinguísticos, o erro surge por intermédio da inadequação do que falamos à circunstância sociocomunicativa. O que é considerado erro pela ciência, para a disciplina gramatical pode não sê-lo, e vice-versa.

Para a Linguística propriamente dita, o erro como tal não existe. É simplesmente uma avaliação/julgamento social. O que a disciplina gramatical considera erro, esta chama de “desvio”, que para alguns autores não passa de um “eufemismo” do disfemismo “erro”.