A leitura como uma questão social

Monografia apresentada, por mim, na conclusão do curso de pós-graduação em Metodologia do Ensino Fundamental e Médio no ano de 1998.

A LEITURA COMO UMA QUESTÃO SOCIAL

RESUMO

Esta monografia destaca a importância que a leitura possui, no âmbito da sociedade, tendo em vista ser a principal veiculadora de informações e a legitimadora de ideologias. O nosso objetivo norteador foi o de apresentar a leitura como elemento social, vindo ainda a destacar o grau de dificuldades evidentes no seio do processo de ensino-aprendizagem. Há na esfera geral do ensino da leitura um conjunto de preceitos que devem ser levados em conta antes de que se efetuem críticas e comentários. O processo de aprendizagem da leitura, na fase da infância, figura como um fator de expressivo valor, tendo em vista ser a partir desta que se pode vir a desenvolver o processo de aprendizagem do ser social, levando-o a adquirir conhecimentos e explicitar ideologias e formas de comportamento. As dificuldades evidentes no contexto da aprendizagem da leitura e escrita impedem o indivíduo de prosseguir seus estudos e, conseqüentemente, promovem o desinteresse e apatia pelos conteúdos trabalhados na esfera da educação formal. A fundamentação teórica do presente estudo se firmou a partir da leitura de estudiosos como: Abud (1987), Alliende e Condemarín (1980), Bacha (1980), Barbosa (1980), Bigge (1977), Freire (1998) e outros. Concluímos, com o estudo ora apresentado, que a leitura é o instrumento principal para a integração dos elementos que estruturam a sociedade.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................... 0 1

A LEITURA COMO UMA QUESTÃO SOCIAL........................... 04

2.1 Escrita e Leitura: uma aprendizagem..................................... 05

2.2 O papel do texto: visão micro.................................................... 07

2.3 O papel do texto: visão macro................................................... 09

2.4 O papel do leitor: visão compartilhada...................................10

2.5 O papel do leitor na pesquisa......................................................13

2.6 O papel do professor: visão pedagógica..................................15

2.7 Dificuldades na Aprendizagem da Leitura..............................16

2.8 O processo Fonológico e a Leitura.............................................27

2.9 Objetivos do Ensino da Leitura...................................................29

3 CONCLUSÃO......................................................................................... 42

BIBLIOGRAFIA........................................................................................ 45

1 INTRODUÇÃO

Partindo da ideia de que o ato de ler nos conduz a compreender melhor o mundo em que vivemos e a adquirir conhecimentos, podemos dizer que a leitura é um indicativo fundamental para o desenvolvimento de uma nação. Vista como um instrumento de poder, a leitura vem, através dos tempos, assumindo seu papel na sociedade, que é o de contribuir como decodificadora de signos, embora vá além deste nível. Freire (1996) comenta que os signos são os próprios fatos, acontecimentos, situações reais ou imaginárias em que os sons, paisagens, imagens tendem a melhorar a relação homem-meio-mundo.

Diante dos avanços tecnológicos, como por exemplo os meios de comunicação, essa relação tem se tornado cada vez mais prejudicada, pois a praticidade e versatilidade desses veículos de comunicação de massa têm conduzido à minimização, cada vez maior, do número de leitores. Conseqüentemente, a leitura perde seu espaço nesse meio e aqui tocamos num ponto crucial, que é a necessidade de criarmos uma sólida tradição científica na área da leitura, procurando superar o descaso na investigação.

A importância de trabalhar nesta investigação é por crer que o hábito de ler exerce uma grande força num contexto social, político, econômico e cultural, numa nova perspectiva de vida e visão de mundo. Corroborando esse entendimento, Kleiman (1989) aborda a leitura do mundo através da atuação do conhecimento prévio, essencial à compreensão, pois é o conhecimento que o leitor tem sobre do mundo, que lhe permite fazer as inferências necessárias para relacionar partes de um texto num todo coerente.

A realidade está aí para mostrar a problemática existente na sociedade onde o desinteresse pela leitura é um grave problema, pois a falta de informação leva à preguiça mental e conduz a humanidade ao caos social e cultural e, infelizmente, nos meios acadêmicos isso também ocorre. Ora, se o contingente universitário apresenta sérios problemas no que diz respeito à leitura, à linguagem e a tantas coisas mais, sendo ele considerado parte da elite pensante do país, podemos inferir que isso nada mais é do que o reflexo de uma organização desestruturada, em termos de formação de futuros leitores e incentivadores da leitura.

No ensino fundamental e médio as dificuldades que os alunos enfrentam com a leitura figura como um fator expressivo, ocasionando, assim, sérios prejuízos no que diz respeito à aprendizagem do conteúdo das disciplinas curriculares. A dificuldade que o aluno encontra em ler acarreta a dificuldade em escrever, pois estas duas habilidades estão diretamente entrelaçadas.

Portanto, propomos, com o presente trabalho, destacar o conceito de leitura e sua importância para a compreensão e desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. Para concretização do objetivo ora enunciado, fez-se necessário o levantamento de concepções e comentários dos autores citados ao longo dos itens que estruturam esta monografia.

Em sentido geral, o objetivo deste trabalho foi o de fazer um levantamento dos fatores que mais contribuem para a compreensão do texto, de acordo com pesquisas publicadas na última década. Na medida em que esse levantamento sugere uma divisão entre texto e leitor, partimos, para fins didáticos, dessa dicotomia, o que supomos facilitar significativamente a compreensão de nossas abordagens.

A leitura é uma questão pública, um direito do cidadão, portanto, um componente de um ato social, uma ação que, em princípio, visa ao benefício de todos e, nesse caso, é dever do Estado garantir que todos possam, se quiserem, usufruir da leitura e da escrita, como um benefício comunitário, direcionado para a informação, a comunicação e educação da sociedade.

A leitura também teve o seu lado particular e individual, como afirma Morais (1996) ao tentar mostrar que, além de pública, a leitura também se constitui em um deleite individual. É um bem adquirido pela sociedade, mas não exclui as condições do prazer particular, valorizado pela intimidade silenciosa que a mesma pode proporcionar.

A leitura, tomada como problema social, se relacionada com ‘maus’ leitores, raramente é vista como leitura de prazer. Aí, evidentemente, algumas perguntas surgem: é preciso ler? Por que? Para que? Muitas respostas existem, como por exemplo: para estudar; para instruir-se; para ser alguém na vida, enfim, uma série de respostas que têm como conseqüência uma ação que proporciona vantagens, não uma ação que resulte em prazer. Assim vista, a leitura se compara à alimentação conforme a disposição que o indivíduo apresenta.

2.1 Escrita e Leitura: uma aprendizagem

Não podemos nos omitir quanto à afirmação de que as diferenças de nível econômico acarretam, geralmente, diferenças de possibilidades educativas. Nesse sentido, a ação da leitura como prazer também é afetada por essa diferença, pois o acesso a instrumentos culturais e o tempo de lazer não são estimulados nem entendidos como lazer, hobby, e outras coisas mais, ou simplesmente ignorados como direito ou como necessidade.

A leitura é indiscutivelmente um problema da sociedade que não pode ser ignorado pelas autoridades, nem pelos responsáveis pelo desenvolvimento econômico e social do país. No Brasil, segundo pesquisa realizada pela Folha de São Paulo (1999), que teve como objetivo avaliar o hábito de leitura dos brasileiros, os índices de leitura variam de cidade para cidade; mas num contexto geral, 57% dos entrevistados não leram nenhum livro por prazer nos últimos 12 meses; a pesquisa demonstra, ainda, que 85% não leram nenhum livro para escola e 82% não o fizeram por motivo de trabalho.

Segundo a pesquisa, apesar das taxas de hábito de leitura serem baixas, 66% dos entrevistados gostariam de ler mais do que costumam fazer, contra 34% que não pretendem aumentar o número de livros que lêem. Este panorama se explica pelo fato de que a demanda social em matéria de capacidade de leitura e escrita aumenta ou diminui conforme se multiplicam as funções sociais e econômicas da leitura e escrita.

Nesse sentido, todo o ato de escrever implica o ler, desta forma, não se pode pensar a escrita separada da leitura, enquanto apropriações de um objeto. Neste caso, trabalha-se com a realidade, o conhecimento de mundo do homem, realidade concreta que é sempre uma produção humana.

É possível avançar nesses conceitos levando também em consideração algumas outras hipóteses a respeito da leitura e da escrita como, por exemplo, em esforços de pesquisa como ciência, através da análise e de filosofia, através da compreensão. Mas, não é proposta deste estudo entrar nessa linha de reflexão; apenas nos propomos apresentar hipóteses como essas que vêm sendo discutidas há muito tempo e ainda hoje são objeto de trabalhos de muitos pesquisadores. Contudo, torna-se necessário ressaltar o fato de que a leitura não é um produto acabado, pronto e fechado, mas é parte importante de todo um processo histórico-social (realidade) que está relacionado com a escrita.

O processo da leitura envolve vários aspectos, incluindo, não apenas características do texto e do momento histórico em que ele é produzido, mas também características do leitor e do momento histórico em que é lido. O resultado do encontro entre leitor e texto não pode ser descrito, portanto, a partir de um único enfoque. Uma descrição completa do processo da compreensão deve levar em conta, no mínimo, três aspectos essenciais: o texto, o leitor e as circunstâncias em que se dá o encontro.

Historicamente, no entanto, o estudo da compreensão de leitura tem se caracterizado pela predominância de um ou outro extremo do processo, enfatizando ora o texto ora o leitor, como fator essencial da compreensão. Cada um desses enfoques pressupõe uma explicação diferente para os fatores que intervêm na compreensão.

Quando privilegiamos o texto, por exemplo, pressupomos que a melhoria na compreensão depende de qualidades intrínsecas do texto e que, na medida em que modificamos essas qualidades, estamos modificando os níveis de compreensão do leitor. Quando privilegiamos o leitor, pressupomos que a compreensão do texto aumenta na medida em que se desenvolvem no leitor as habilidades gerais da leitura.

O pressuposto é de que, todas as demais variáveis sendo iguais, há textos mais e menos compreensíveis do que outros como há também leitores mais e menos proficientes do que outros. Isso se deve à presença ou ausência de certos atributos, considerados aqui como fatores de compreensão, tanto em textos como em leitores.

As implicações pedagógicas desse levantamento são óbvias. Na medida em que somos capazes de destacar os fatores mais e menos importantes para a compreensão de leitura, estamos dando pistas ao professor sobre como atuar com seus alunos leitores. Pretendemos, finalmente, não apenas dar essas pistas mas também sugerir algumas estratégias para sua implementação em sala de aula.

2.2 O papel do texto: visão micro

O enfoque no texto teve seu maior impacto nas décadas de 50 e 60 nos Estados Unidos. São, principalmente, dessa época as fórmulas de inteligibilidade, as antologias básicas e, no ensino da segunda língua, os livros de textos simplificados.

O texto inteligível era aquele que apresentava um vocabulário comum, medido pelo critério de extensão da palavra e uma estrutura simples, medida pelo critério do tamanho da frase. Como em inglês as palavras mais freqüentes e comuns da língua são geralmente monossilábicas, foi fácil criar fórmulas relativamente simples que eram capazes de avaliar sem grande esforço o grau de inteligibilidade de um texto. O pressuposto básico era de que mesmo conceitos complexos podiam ser expressos em linguagem simples, usando vocabulário comum, frases curtas e a voz ativa do verbo.

As fórmulas de leitura têm gerado divergências que permanecem até hoje entre os teóricos da leitura. O'Hear & Ramsey in Leffa (1991), por exemplo, mostraram que não há relação entre um texto avaliado como difícil pelos leitores e os resultados obtidos com fórmulas de inteligibilidade. Os autores argumentam que fatores não detectados pelas fórmulas, tais como localização do tópico frasal no texto, o uso de exemplos e a repetição de informação importante podem explicar essa falta de correlação.

As fórmulas de inteligibilidade, ainda que sob certas circunstâncias, podem prever o nível de dificuldade de um texto, contudo, não são as formas mais adequadas de avaliarmos a compreensão que leitores individuais podem ter de um determinado texto. As altas correlações encontradas com base na complexidade do vocabulário e da sintaxe são, segundo os autores aqui citados, um subproduto de modelos estatísticos inadequados que exageram o papel dos fatores lingüísticos na compreensão. Características do leitor e do texto que não podem ser medidas pelas fórmulas são mais importantes.

As críticas mais fortes contra as fórmulas argumentam que elas tornam os livros didáticos monótonos e tolhem a criatividade dos autores. Alguns até defendem que a própria clareza de estilo nem sempre é uma qualidade desejável. Assim, por exemplo, o burocrata que escreve uma carta de recomendação sem usar o jargão adequado ou o publicitário que prepara um anúncio sem dar duplo sentido ao texto pode acabar perdendo o emprego. O livro didático que pretende preparar para a vida pode estar fazendo o contrário quando insiste a simplicidade da linguagem, não só deixando o aluno despreparado, mas até, matando seu interesse.

É muito difícil rebater as críticas feitas às fórmulas de inteligibilidade, principalmente do ponto de vista teórico. Sabemos que qualquer pessoa pode escrever um texto totalmente ininteligível, mas com alto grau de compreensão segundo as estatísticas; basta alinhar palavras simples em frases curtas ainda que completamente desconexas. Mesmo assim, existem vários defensores das fórmulas. Há autores que rebatem as críticas feitas às fórmulas, principalmente sob o argumento de que elas são amplamente usadas, produzindo livros, jornais, revistas e contratos mais legíveis. Tanto sucesso, durante tanto tempo deve ter uma explicação.

No Brasil, as fórmulas de inteligibilidade são inexistentes, provavelmente pelas características da língua portuguesa, que não se adaptam às normas estabelecidas para a língua inglesa, e, também, pela inexistência de estudos de freqüência de ocorrência de palavras. Isso parece ter levado a questão ao outro extremo.

2.3 O papel do texto: visão macro

A preocupação com o léxico e a estrutura sintática da frase continua nos estudos atuais, mas dentro de uma abordagem maior, em que se evoluiu da microestrutura para macroestrutura do texto. O texto passa a ser visto mais no seu todo do que nas suas partes e a compreensão não é apenas um processo linear, onde apreendemos, seqüencialmente, pequenas porções do texto, mas também um processo de visualização global, com apreensão não-linear de segmentos selecionados. Chegamos ao todo, não apenas através de um movimento uniforme pela página impressa, mas também através de saltos.

O uso de recursos tipográficos (negrito, itálico e outros mais), intertítulos, quadros, ilustrações, destaques dos principais pontos do texto, usados nos periódicos modernos, facilita essa abordagem não-linear do texto. Esses recursos envolvem, essencialmente, aspectos de apresentação gráfica.

Existem também recursos internos de estruturação dos textos, que independem de sua apresentação gráfica, mas que podem facilitar ou dificultar sua compreensão. Em termos de apresentação gráfica, estudos têm demonstrado, por exemplo, que o uso de intertítulos facilita a compreensão, principalmente quando os sujeitos não possuem conhecimento prévio do assunto.

As ilustrações, principalmente com textos complexos, aumentam não só a compreensão, mas também a retenção. O uso de determinados organizadores gráficos pode facilitar a compreensão de relações na leitura. De um modo geral, percebemos que o uso de recursos gráficos é mais importante quando o conteúdo do texto é de apreensão mais difícil pelo leitor, o que sugere a existência de um mecanismo de compensação entre formas de apresentação e conteúdo.

Em termos de estruturação de textos, notamos que, sob iguais condições, alguns tipos de textos proporcionam melhor compreensão do conteúdo do que outros. O texto narrativo produz escores mais altos em testes de compreensão do que o texto expositivo, por exemplo.

A organização interna do texto é outro fator significativo na compreensão. O uso de marcadores textuais que salientam o conteúdo e as relações entre as partes produzem textos mais compreensíveis, do mesmo modo que a organização discursiva do texto (ex.: ordem cronológica da narrativa versus ordem psicológica). O texto mais canônico (ordem cronológica), de um modo geral, tende a ser facilmente compreendido.

2.4 O papel do leitor: visão compartilhada

A leitura pode também ser vista como um processo de interação, quer seja entre o leitor e o texto, ou o leitor e o autor. Ao produzir o texto, o autor tem em mente um determinado leitor e escreve baseado nas pressuposições que faz desse leitor. O leitor, por sua vez, reage ao texto baseado na visualização que faz do autor. Autor e leitor ficam inseridos dentro de um mundo cultural e ideológico do qual podem ter uma consciência maior ou menor.

O pesquisador que faz o relato de sua experiência para uma comunidade restrita de colegas pode ter repetido o processo tantas vezes que já automatizou muitas das pressuposições que faz sobre seus leitores. O mesmo autor quando decide produzir um texto didático para alunos do segundo grau precisa estar mais consciente do mundo conceitual de seus novos leitores, fazendo adaptações para a apresentação do assunto, estruturação sintática das frases e definição da terminologia.

Dentro desta visão, a compreensão de um texto não depende das características intrínsecas do mesmo, mas do conhecimento prévio compartilhado entre autor e leitor. O texto será mais ou menos compreensível, não porque apresenta um vocabulário mais ou menos difícil, mas porque apresenta uma realidade que está mais ou menos próxima da realidade do leitor, constituindo-se numa representação dessa mesma realidade. Não entendemos um texto cujo assunto desconhecemos, ainda que escrito com palavras simples e de alta freqüência no quotidiano.

O papel do leitor na compreensão do texto tem sido estudado por vários pesquisadores, de diferentes áreas de conhecimento. Três dessas áreas merecem ser destacadas: psicologia, educação e crítica literária

Na área da psicologia, o trabalho pioneiro de Bartlett sobre a lembrança, em 1932, mostrou que as pessoas não são capazes de recordar o que vêem, mas o que percebem e o que percebem está condicionado a aspectos culturais e ideológicos, que determinam uma visão pessoal da realidade. Ao ouvir, por exemplo, uma história tirada de uma cultura estranha a sua, o sujeito reconta a história adaptando-a à sua cultura, incorporando características ideológicas pertinentes a sua percepção da realidade, que não estavam na história original.

Na área da educação, as diferentes correntes pedagógicas, ainda que abordando o processo de aprendizagem de diferentes ângulos, sugerem para a leitura o mesmo ponto comum da necessidade de interação entre o leitor e o texto. Piaget (1978), por exemplo, enfatiza a importância do mecanismo de interação entre o indivíduo e o meio, que pode ocorrer, tanto pelo processo de assimilação (não há estranhamento entre sujeito e ambiente) como pelo processo de acomodação (há um pequeno estranhamento e o sujeito se adapta para poder interagir).

Brunner vê a interação através de categorias, que o indivíduo constrói para interpretar os dados da realidade. As categorias permitem não só reduzir a complexidade do ambiente (a categoria ‘casa’ engloba tudo que está contido no conceito que o indivíduo tem de casa), mas também facilita o reconhecimento de dados da realidade (quando temos um conceito de casa podemos mais facilmente distingui-la de uma cabana).

Na área da crítica literária, a Estética da Recepção, tem também enfatizado o papel do leitor como um dos pólos mais importantes da literatura. A literatura, para existir, deve acontecer no leitor e a própria história da literatura pode ser realizada, mais pelas leituras feitas pelos leitores, do que pelas obras produzidas pelos escritores.

A ênfase no leitor pressupõe o leitor de algum modo competente. Assim, para ler um texto literário, o leitor deve possuir competência linguística incluindo léxico, sintaxe e registros da língua e competência literária desde figuras de estilo até diferentes gêneros.

2.5 O papel do leitor na pesquisa

Os estudos publicados sobre a contribuição do leitor na compreensão do texto podem ser classificados em duas categorias: (1) trabalhos que enfatizam o domínio cognitivo e (2) trabalhos que enfatizam o domínio afetivo. No domínio cognitivo destacam-se aspectos como o conhecimento prévio do assunto, conhecimento da língua e capacidade de raciocínio. Entre os aspectos do domínio afetivo podem ser destacados o interesse pelo tópico, a atitude e o empenho.

No domínio cognitivo, tem recebido destaque especial a importância do conhecimento prévio. Esse conhecimento inclui dois aspectos importantes, conhecimento do assunto e conhecimento da língua.

O conhecimento prévio do assunto é geralmente visto como um fator decisivo na compreensão do texto, sendo importante, também, por facilitar o uso de estratégias adequadas, tais como prestar mais atenção nos segmentos mais importantes do texto. O conhecimento prévio pode também compensar deficiências em outras áreas do processo da compreensão.

Em termos de conhecimento linguístico, um aspecto importante para a compreensão é o domínio do vocabulário (Booth & Hall, 1994). A correlação entre escores de compreensão e extensão do vocabulário conhecido pelo leitor tem sido sempre altamente significativa. Estudos comparativos entre domínio da sintaxe e o domínio do léxico já, há muito, vêm demonstrado a superioridade do léxico na compreensão.

A questão do conhecimento prévio do assunto e do domínio da língua, desde as diferenças dialetais (alunos que falam um dialeto não-padrão, lendo um texto da língua padrão) até as diferenças de uma língua para outra (alunos lendo um texto numa língua estrangeira) está também relacionada à questão cultural, considerada um fator importante na compreensão do texto. Os resultados de vários estudos mostram que diferenças culturais incluindo dialeto, raça, sexo ou língua afetam a compreensão.

O interesse e a atitude são também fatores importantes na compreensão do texto. Uma atitude positiva em relação à leitura produz escores mais altos (Smith, 1991). O interesse, quando genuíno, é também um fator importante quando gerado artificialmente, no entanto, pode prejudicar a compreensão.

Leffa (1991) investigou a relação entre compreensão de leitura e habilidade de raciocínio definida como a capacidade de: (1) fazer inferências de situações e dados disponíveis, (2) estabelecer relações entre pessoas e objetos, (3) prever as conseqüências de um determinado conjunto de fatores. Os resultados mostraram que os sujeitos que possuíam maior capacidade de raciocínio compreendiam melhor os textos lidos do que aqueles que possuíam maior domínio da língua.

O empenho ou motivação para a realização também foi investigado por Leffa (1991). Os resultados sugerem que o empenho, na tentativa de entender o texto, já é um fator positivo para a compreensão.

Entre os fatores relacionados ao leitor e que parecem desempenhar um papel significativo na compreensão do texto estão, portanto, não apenas fatores do domínio cognitivo (conhecimento prévio do tópico, familiaridade com os aspectos culturais, conhecimento da língua, capacidade de raciocínio), mas, também, fatores do domínio afetivo (interesse, atitude, empenho).

2.6 O papel do professor: visão pedagógica

Um pressuposto básico na teoria da leitura é de que muitos dos processos da compreensão são, em maior ou menor grau, conscientemente executados pelos leitores proficientes, e que, portanto, podem ser explicitados aos leitores menos fluentes. Essa explicitação pode ser feita pelos leitores que dominam esses processos de compreensão, incluindo, obviamente o professor.

A importância do professor tem sido demonstrada em vários estudos que compararam a atividade do professor com as características do texto. Os resultados mostraram que os alunos compreenderam um texto considerado difícil, se lido com a ajuda do professor, melhor do que um texto considerado fácil, lido sem sua orientação.

A importância do professor é ainda maior com alunos que apresentam dificuldades na aprendizagem da leitura. Esses alunos para aprender a ler precisam de mais instrução do que os outros, com ênfase especial no processo (ex.: como achar a idéia central do parágrafo). Fatores críticos identificados por pesquisadores, nesses casos, incluem conhecer bem o aluno, desenvolver os aspectos socializadores da aprendizagem, relacionar a leitura com o mundo real e integrar a atividade da leitura com o resto das atividades curriculares.

A atividade de facilitação da leitura pode envolver várias estratégias, incluindo, entre as mais pesquisadas, o uso de perguntas. Essas perguntas podem ser feitas pelo professor, pelo texto que está sendo lido e pelo próprio leitor. Podem também ser feitas antes, durante ou após a leitura.

Schmidt (1989) estudou diferentes métodos de perguntas e concluiu que não só a maneira como é feita a pergunta, mas também sua localização durante a leitura, tem um efeito significativo sobre a compreensão. As perguntas podem também ajudar o leitor a acionar o conhecimento prévio adequado. Os próprios alunos podem ser treinados a fazer perguntas sobre o texto a ser lido com ganhos significativos para a compreensão.

Para leitores principiantes, o uso de indicações no texto para demarcar as unidades sintáticas e a apresentação de ilustrações em textos mais complexos são condições facilitadoras. O uso de mapas conceituais, pelo envolvimento que proporciona ao leitor, também é uma estratégia facilitadora da compreensão.

2.7 Dificuldades na Aprendizagem da Leitura

Com a constante necessidade de comunicação, cada vez mais exigente, o homem necessita aperfeiçoar a sua capacidade de leitura, tornando-se, neste sentido, um indivíduo consciente do seu valor e importância como sujeito do processo histórico, político e social.

No convívio social o ser humano impulsiona a comunicação, trava contatos com seus semelhantes, vindo, desta forma, a sentir a necessidade de aperfeiçoar a linguagem. Na escola é que o aprendiz pode vir a aperfeiçoar sua linguagem e, conseqüentemente, a impulsionar sua capacidade de comunicação.

A importância e complexidade que apresenta a questão: processo de linguagem e desenvolvimento comunicativo entre os diferentes indivíduos que compõe a sociedade firmada no avanço científico e na tecnologia de qualidade, justifica o interesse em se desenvolver um estudo alusivo a significação da leitura no processo da aprendizagem.

A aquisição da leitura não pode ser relacionada simplesmente com decodificação de símbolos e sons, sendo necessário considerá-la como forma de adquirir a compreensão do verdadeiro conteúdo que se faz implícito no conjunto de letras que representam sons e palavras, as quais, por sua vez, na composição, dentro de um contexto, formam frases e expressam mensagens.

A eficiência da comunicação entre os seres humanos está diretamente ligada à tomada de consciência do indivíduo em relação ao que se encontra ao seu redor. Sem leitura é praticamente impossível, ou senão difícil, efetivar o processo de comunicação. A leitura, tanto quanto a tradição oral, é responsável pela divulgação dos valores, conceitos e culturas populares.

Enfim, dentro da extensão significativa que a leitura possui, esta não pode ser vista como algo isolado, limitado, mas sim como um todo possuidor de uma dimensão histórica e cultural, compreendendo sua dinamicidade de troca de experiências. A leitura é, então, um dos processos de significação entre os membros da sociedade. Não pode ser apenas algo que se impõe a ler por necessidade da lógica dos períodos, frases, ou ortografia.

Através da leitura crítica, explorada e criadora de imaginação é possível passar conhecimentos e, posteriormente, construir a aprendizagem em todas as áreas que abrangem o conhecimento. Neste sentido, podemos dizer que a leitura figura como elemento de expressiva importância para a aquisição da aprendizagem., visto que é por meio dela que o educando passa a obter informações sobre as estratégias de ensino e aprendizagem, vindo, assim, a articular os diferentes enfoques de uma aprendizagem qualitativa.

A leitura, assim como a escrita, constitui a base de todas as aprendizagens escolares e, por isso, é objeto de estudo e de revisões constantes, tanto do ponto de vista conceitual como da análise das variáveis implicadas, processos subjacentes, e o mais. A Psicologia Cognitiva, dentro da qual se situa a psicolingüística tem sido uma das abordagens que mais tem contribuído para a compreensão da natureza do ato de ler.

Um dos temas que mais tem sido debatido nos últimos anos insere-se na área do processamento fonológico, o qual se refere ao uso da informação fonológica (isto é, dos sons de uma dada língua) no processamento da linguagem oral e escrita (Wagner e Torgesen, 1987: 35). Com efeito, nas últimas duas décadas a investigação realizada no domínio da leitura tem acentuado a importância das competências de processamento fonológico na aquisição das competências de leitura.

Segundo Feil (1987), os diversos conceitos de leitura existentes atualmente podem ser agrupados em duas grandes concepções, geralmente vistas como antagônicas: leitura como decodificação e leitura como construção de significado. A preferência por uma ou outra concepção depende do que se deseja incluir ou excluir quando se procura limitar o que é específico da leitura, separando-o do que deve pertencer ao domínio da lingüística, da pedagogia, da psicologia ou de ciências afins.

A definição de leitura como decodificação restringe seu conceito a uma simples transposição do código oral para o código escrito. A aprendizagem da leitura se encerrará com a alfabetização, se o sujeito, partindo do código escrito da língua, for capaz de chegar ao sistema fonológico, vencendo uma etapa essencial e única que o torna capaz de ir adiante e chegar ao significado, percorrendo aí um caminho que não pertence mais ao domínio da leitura.

O que distingue, portanto, o sujeito letrado do analfabeto é a capacidade do primeiro em transformar o código escrito em código oral. Feita essa decodificação, os dois percorrem o mesmo caminho. A leitura, conseqüentemente, envolve apenas a fase inicial da decodificação. O que acontece depois, pode e deve ser estudado, mas já pertence a outras áreas de conhecimento, que não a da leitura, no sentido rigoroso da palavra.

Feil (1987) acredita que, a concepção anteriormente evidenciada, na medida em que pressupõe a passagem pelo sistema sonoro da língua como condição essencial para a obtenção do significado, apresenta sérios problemas de sustentação. Um exemplo está na questão da velocidade de leitura. Se a passagem pelo sistema sonoro da língua fosse realmente condição necessária para a compreensão, ninguém conseguiria ler um texto mais rápido do que consegue pronunciá-lo, quando a prática mostra que é justamente isso o que faz o leitor fluente.

A leitura não parece, assim, ser apenas decodificação. É até possível que a decodificação seja um componente marginal, dispensável e talvez até complicador do processo. Muitos pesquisadores modernos, mesmo os que se concentram na fase inicial da apropriação da escrita (Ferreiro e Teberosky, 1991; Moreira, 1988) tendem a descrever a alfabetização como um processo de construção de significado, que não passa pela decodificação.

A principal conseqüência de se incluir a construção do significado na concepção de leitura é que essa inclusão amplia a abrangência do termo, que não se encerra mais com a alfabetização. O processo de desenvolvimento da leitura tem, nessa perspectiva, um longo caminho a percorrer depois da alfabetização até chegar ao nível de proficiência do leitor fluente.

No entanto, apesar do consenso geral da necessidade de estudos sobre a aprendizagem da leitura após a alfabetização Condemarín (1989) enfatiza que poucas são as investigações realizadas nos estágios mais avançados. Ainda assim, os poucos trabalhos existentes parecem concentrar-se nos aspectos metacognitivos, com ênfase no monitoramento da compreensão Wagner & Torgesen (1987).

Na concepção de Condemarín (1989), o tempo despendido na alfabetização do leitor, ainda que essencial para sua formação, é bem menor que o período investido no seu aperfeiçoamento até chegar à leitura proficiente. É de se esperar que, no período que segue à alfabetização, a percepção que o leitor tem do processo de leitura sofra uma série de alterações.

Condemarín (1989) chama a atenção para o fato de que, em termos discretos, independentes um do outro, o conceito básico de leitura deve evoluir de alguma maneira, os objetivos do leitor devem ser ampliados e as estratégias de compreensão devem, não só aumentar quantitativamente, mas também, passar por um processo de refinamento. Em termos de conjunto, é provável que haja uma interação crescente entre um elemento e outro, de modo que, por exemplo, um determinado objetivo num dado momento possa determinar o uso da estratégia que seja considerada a mais adequada.

A hipótese principal é de que os elementos que compõem a leitura aumentam seu nível de interação, à medida em que o leitor avança para a proficiência, tornando-se mais dependentes uns dos outros. A hipótese secundária é de que cada um desses elementos (o conceito, as estratégias e os objetivos) podem perder e ganhar componentes no processo de evolução, alterando substancialmente a própria percepção de leitura.

Para Smith (1990), a leitura e a aprendizagem são atividades essencialmente significativas não passivas ou mecânicas, mas dirigidas ao objetivo, e racionais, dependendo do conhecimento anterior e expectativas do leitor (aprendiz). A leitura é uma forma de dar sentido à palavra, a partir da linguagem escrita, em vez de se decodificar a palavra impressa em sons. A partir do ponto de vista da decodificação, o leitor está sob o controle do texto e deve identificar, mecanicamente, todas as letras e palavras que se posicionem a sua frente. A leitura é vista como uma atividade construtiva e criativa, tendo quatro características distintas e fundamentais: é objetiva, seletiva, antecipatória e baseada na compreensão.

Ressalta Smith (1990) que, devido a certas características fundamentais do sistema visual humano e da linguagem, a leitura fluente depende da habilidade de utilizar os olhos. Tal habilidade não é ensinada, mas sim adquirida pelas crianças, à medida que empregam suas habilidades preceptivas e cognitivas comuns a muitos aspectos do dia-a-dia, para extraírem um senso do mundo visual.

Podemos dizer que, à proporção em que a criança aprende tudo o que está a sua volta, ela passa a criar estratégias de leitura de palavras ou símbolos visualmente conhecidos para ela. Com isso, a criança passa a procurar, dentro de um texto, as palavras que possam lhe dar pistas para o entendimento do mesmo, adquirindo, assim, a experiência necessária de como utilizar os olhos no ato da leitura.

Conforme Smith (1990), não há nada de especial na leitura, a não ser tudo o que possibilita ao indivíduo desenvolvé-la. O entendimento, ou compreensão, é a base da leitura e do seu aprendizado e este pode ser considerado como a modificação do que já se sabe, como uma conseqüência do processo interativo travado entre o indivíduo e o mundo do qual é parte integrante.

Em Psicogênese da Língua Escrita, Ferreiro e Teberosky (1991) retratam a leitura partindo do fracasso escolar nas séries de alfabetização entre crianças de 4 a 6 anos. As autoras chamam à atenção para o fato de que, apesar da variedade de métodos utilizados para ensinar a ler, existe um grande número de crianças que não aprende. Esta questão também figura como um problema digno de atenção, já que os fracassos nesse campo, geralmente, são acompanhados pelo abandono à escola, impedindo que se alcancem os objetivos mínimos de instrução.

Na concepção de Ferreiro e Teberosky (1991), existem fatores que contribuem para que a criança chegue a esse fracasso na lectoescrita em si, como por exemplo: ausência, por longo período, da sala de aula, porque moram longe demais da escola, ou pelas condições climáticas, ou porque têm que trabalhar para ajudar em casa, ou outros fatores mais. Estas são, pois, condições sociais, e não de responsabilidades pessoais. Assim, a repetência nas séries iniciais é dada como um dos maiores problemas da educação primária, conseqüentemente provocando a evasão escolar.

Segundo Smith (1990), romper o círculo vicioso da (re)produção escolar do analfabetismo com crianças e adolescentes tem sido uma preocupação constante de pesquisadores brasileiros nas últimas quatro décadas.

2.8 O Processamento Fonológico e a Leitura

A fala é representada por um conjunto limitado de sons ou fonemas, visto que toda a palavra falada é gerada pela combinação desses sons básicos. Muito embora, teoricamente, sejam inúmeras as possibilidades de combinação desses sons, só um número relativamente pequeno dessas combinações é usado e muitas delas são comuns a mais do que uma palavra. Por exemplo, dos 3 sons contidos nas palavras faladas ‘pai’ e ‘vai’, dois são partilhados, isto é, na soletração dessas palavras os sons básicos em comum são representados pelas letras ‘a’ e ‘i’. Provavelmente, algum conhecimento da estrutura fonológica das palavras tal como ‘pai’ e ‘vai’ ajudará a criança a aprender um sistema alfabético escrito em que as letras ou grupo de letras correspondem, salvo exceções, a fonemas.

Nas duas últimas décadas, a investigação realizada no domínio da aprendizagem da leitura tem acentuado a importância das habilidades de processamento fonológico, na aquisição inicial das competências de leitura. O termo processamento fonológico, tal como é usado por autores especializados em investigações fonológicas, refere-se ao tipo de operações mentais em que o indivíduo faz uso da estrutura fonológica ou de sons de uma dada língua ao nível oral para aprender agora a descodificar a língua no plano escrito.

Wagner e Torgesen (1987), numa revisão da literatura sobre o tema, identificam, pelo menos, 3 tipos de processos fonológico que estarão positivamente relacionados com o grau de aquisição das competências iniciais da leitura: a consciência fonológica, isto é, a consciência da estrutura dos sons da língua; a recodificação fonológica no acesso ao léxico, isto é, a recodificação de símbolos escritos num sistema representacional baseado em sons para, a partir da palavra escrita, chegar ao seu referente lexical; a recodificação fonética na memória de trabalho, isto é, a recodificação de símbolos escritos num sistema representacional baseado em sons para os manter eficientemente na memória de trabalho.

Assim, segundo esses estudiosos, quando às crianças não leitoras do pré-escolar são dadas tarefas de processamento fonológico, tal como a tarefa de juntar segmentos da fala apresentados isoladamente, a sua realização é fortemente preditiva de como ela irá ler anos mais tarde. Esta relação será mantida, mesmo que o QI permaneça constante (Wagner e Torgesen, 1987).

O mais interessante acerca desta relação é que, ao contrário da leitura, muitas das tarefas do processamento fonológico não envolvem letras ou símbolos visuais de qualquer espécie, mas apenas alguma manipulação de segmentos da fala apresentados oralmente.

Muito embora os estudos desenvolvidos venham sugerindo que as habilidades de processamento fonológico possam estar relacionadas com a normal aquisição das competências iniciais de leitura, pouco é ainda conhecido sobre as relações causais específicas e os mecanismos que podem operar (Wagner, Torgesen, 1987). Os estudos nesta área sugerem também que uma das potenciais causas de certo tipo de dificuldades na leitura, como é o caso da dislexia, seja um défict, talvez adquirido, em alguns aspectos do processamento fonológico.

Ferreiro e Teberosky (1991) consideram que certos aspectos lingüísticos, como a correta articulação e outros não-lingüísticos, como a percepção visual e motricidade manual da conduta infantil, estão relacionados com a capacidade para ler e escrever. Portanto, qualquer desvio entre o nível de leitura e outros aspectos, tais como esquema corporal, orientação espacial e temporal, lateralizarão, quociente intelectual, e outros, acarreta dificuldades na aquisição da leitura.

No desenvolver de suas pesquisas, as autoras supracitadas falam das dificuldades encontradas por crianças de classes populares que, devido ao baixo poder aquisitivo, ficam sem acesso a material escrito. Isso dificulta o ato de leitura em si e conseqüentemente à sua aquisição.

Barbosa (1980), em seus estudos, aborda a questão sobre os processos descendentes baseados em fatores tais como objetivo do leitor ao ler, seu conhecimento do mundo e dos esquemas que estruturam o texto. A natureza interativa do processo da leitura e a capacidade limitada da memória fazem com que o leitor use todos os recursos que tem à mão, quer dizer, que programe seu processamento. Isso inclui a utilização de estratégias particulares. Desse modo, um problema de leitura pode ser o resultado do uso de uma estratégia inadequada em uma tarefa particular de leitura.

Smith (1990) chama a atenção para o fato de que, as crianças, freqüentemente, aprendem antes de ingressarem na escola e de que as influências culturais são por demais importantes para que estas possam vir a desenvolver a sua aprendizagem nos mais diferentes aspectos e áreas do processo de ensino.

Alliende e Condemarín (1987) consideram que toda primeira aprendizagem implica em uma etapa longa e enfadonha que, geralmente, se esquece uma vez dominada. O processo de aprender (memorizar) uma tarefa ou série de tarefas é sempre deliberada e consciente numa primeira etapa. Uma vez que os dados informativos são pouco a pouco registrados na memória a longo prazo, o seu reconhecimento ou reprodução chega a se transformar numa operação cada vez mais automática.

Na concepção de Alliende e Condemarín (1987), a leitura inicial significa aprender a ler. O leitor tem que aprender a identificar uma palavra pela percepção de todas ou de algumas letras que a compõem, relacionando-as ao som, mediante a aplicação de diversas técnicas de reconhecimento de palavras: regras fônicas, análise estrutural, chaves contextuais, e outras coisas mais.

Do ponto de vista das autoras anteriormente citadas, os fatores sócio-econômico e culturais representam um condicionante constante que afeta a aprendizagem da leitura e a aprendizagem em geral, nas etapas iniciais e ao longo de toda a escolaridade. Na etapa inicial de aprendizagem da leitura, estes fatores afetam os interesses, a motivação e a familiarização com a linguagem escrita, ao passo que, nas etapas mais avançadas do processo, afetam o nível de experiência que o leitor evidencia ao decodificar o material impresso.

Tomando por base as considerações de Alliende e Condemarín (1987), podemos dizer que o lar e a comunidade determinam o nível de estímulo lingüístico, assim como, os sentimentos de auto-estima e segurança. As atitudes diante da leitura, os modelos para imitação das condutas de leituras, os sistemas de prêmio ou reprovação pelos resultados obtidos também são de competência do lar.

As crianças com maior disposição à leitura são aquelas provenientes de lares onde os pais estão sempre folheando jornais ou revistas, comentando alguma notícia ou algum livro que tenham lido e que têm em casa um lugar tranqüilo e adequado para ler.

Braggio (1992) relaciona a temática da dificuldade da criança em adquirir a leitura com a forma como esta é trabalhada nas escolas, onde, em grande parte, ainda persiste a aplicação de técnicas de ler, como um fim em si mesma, circunscrita às quatro paredes da sala de aula, ou seja, há uma excessiva preocupação com a decodificação mecânica da escrita, com perda quase que total do significado no processo de aprendizagem.

A palavra dislexia etimologicamente provém da composição de dois vocábulos gregos dis (mal) e lexia (frase). Dislexia, de acordo com Barbosa (1980) significa, em sentido amplo, qualquer dificuldade que se verifica no aprendizado da leitura e da escrita, não importando qual a sua causa. A dislexia, geralmente, é acompanhada de transtornos na aprendizagem escrita, gramática e redação.

Conforme Barbosa (1980), a dislexia constitui uma perturbação de origem neurológica, psíquica ou educativa que perturba o processo de alfabetização. A criança disléxica apresenta distúrbios na audição ou na visão, tendo dificuldade para memorizar e distinguir as letras e seus sons. O que se passa com o indivíduo disléxico é que o mesmo não consegue relacionar a capacidade visual com a capacidade auditiva, assim sendo, não capta o sentido do que lê.

Barbosa (1980), através de estudos e pesquisas, mostra que a criança que chega à fase de escolarização e ainda não possui definida a sua dominância lateral, se encontrará em grande confusão e passará a inverter as letras, apresentando, neste sentido, uma expressiva dificuldade em desenvolver sua capacidade de leitura.

A inversão de letras, relatada por Barbosa (1980), ocasiona, por conseguinte, uma aprendizagem deficitária, tendo em vista que, a leitura do disléxico é silábica, hesitante, monótona, lenta, não se mostrando capaz de desenvolver uma leitura silenciosa, pois só consegue ler movimentando os lábios e a glote.

2.9 Objetivos do Ensino da Leitura

Refletir acerca da importância da leitura no contexto político-social do educando proporciona a qualquer estudioso da linguagem, um complexo campo de investigação. Para que ler? O que a leitura pode proporcionar ao homem no âmbito de um grupo? A questão ora levantada constitui ponto fundamental na esfera da análise do processo de ensino da leitura na fase escolar.

Antes de qualquer explicitação em relação aos objetivos e aspectos do ensino da leitura, vale definir o que seja a linguagem, pois todo e qualquer método que possamos conhecer, vincula-se ao processo de ensino e à prática da leitura, conectando-se a uma linguagem, por mais simples que pareça. Lima (1991: 6) define linguagem como: (...) todo sistema de sinais usados para comunicação entre os seres. É o meio de expressão das diferentes formas comunicativas.

Há, na definição anteriormente citada, um explicitar da importância que a leitura possui para o desenvolvimento da comunicação entre os seres. Bacha (1980: 32-33) tem como proposta de estudo destacar os tipos de leituras e os respectivos objetivos que estão interligados a esta. Neste sentido, enfatiza que:

(...) o primeiro tipo, chamado leitura fundamental ou básica, é quase sempre dada diariamente, em período especial. Tem como finalidade primordial o ensino sistematizado das habilidades básicas de leitura e é o organizado de modo que elas possam desenvolver-se em seqüência lógica e de maneira gradual (...) O segundo tipo de experiência de leitura inclui atividades que visem dar ao aluno oportunidades para usar as habilidades e técnicas recentemente aprendidas – ler para aprender (...) Um terceiro tipo de experiência de leitura dá-lhe tais oportunidades: a leitura independente recreativa, dedicada ao desenvolvimento pessoal do aluno e o seu entretimento (...) Um quarto tipo seria a leitura corretiva, que apresenta atividades para corrigir falhas antes que estas influenciem desfavoravelmente o ajustamento pessoal e social da criança, bem como seu desenvolvimento educacional.

Detalhando os tipos de leituras enfatizados na citação destacada, podemos dizer que, no primeiro tipo de leitura, o professor prima pela capacidade da criança ler para aprender. O segundo tipo é denominada funcional, tendo sua origem nas pesquisas de Estudos Sociais, Ciências, Aritmética entre outras disciplinas.

A leitura independente, recreativa se dedica ao desenvolvimento pessoal do aluno, assim como, à sua satisfação subjetiva, pois a criança precisa de oportunidades para satisfazer seus interesses enquanto indivíduo. A leitura corretiva constitui o quarto tipo de leitura que, por sua vez, dever incluir um período de avaliação e de ensino corretivo, tendo como propósito atender à criança de modo individualizado ou a pequenos grupos.

No que diz respeito aos objetivos da leitura Lima (1991: 16-7) apresenta os seguintes:

a) desenvolver habilidades de compreensão, identificar a ideia principal, perceber detalhes e pormenores, interpretar a seqüência lógica dos fatos, seguir direções e instruções, avaliar o material de leitura, ler antecipando idéias, tirar conclusões; desenvolver habilidades de leitura para fins de estudo: selecionar fontes de informações, localizar informações, saber utilizar variadas fontes de informações, organizar e usar informações fazendo anotações, esquemas, sínteses;leitura oral: usar bons padrões linguísticos (entonações, articulação, timbre de voz), dar expressão à leitura, adaptar a velocidade da leitura ao objeto desejado, comunicar-se com o auditório; de vocabulário: localização, pronuncia e significado.

Verificamos que, em cada um dos objetivos anteriormente mencionados, em relação ao processo de ensino da leitura, há uma proposta de desenvolver habilidades de compreensão e leitura, proporcionando ao educando um grau superior na escala de aprendizagem que é notificado com uma certa sistemática.

A leitura na escola é possuidora de uma carga de significação marcante, tendo, assim, a formulação de vários comentários e críticas por parte de linguistas ou professores de Língua Portuguesa em exercício de suas funções, enquanto alfabetizadores.

Cagliari (1990: 167), tece considerações acerca do processo de leitura quando diz que:

Escrever e ler são duas atividades da alfabetização conduzidas mais ou menos paralelamente. Ensina-se a ler e escrever letras, famílias silábicas, palavras, frases e textos. Na prática, ao longo do ano escolar, se dá muito mais ênfase à escrita do que a leitura.

Abud (1987: 35-6) acrescenta:

A leitura e a escrita são desenvolvidas paralelamente, porém de modo geral a leitura vai a frente. Assim a criança, no princípio, é capaz de ler maior número de palavras do que pode escrever sozinha, isto é, sem copiar e sem o auxílio da professora.

Para os autores supra citados, o fato de se exigir muito mais do aluno uma perfeita escrita se deve ao fato de que, por meio da grafia de palavras que é bem mais fácil detectar e corrigir erros do que na leitura. Cagliari (1990) acredita que, a prática da leitura, principalmente nos primeiros anos da escola, é uma atividade constituída de uma significação semelhante a produção de textos.

A leitura na escola, tomando por base o que fora dito pelos estudiosos anteriormente ressaltados, deve ser redimensionada passando a expressar todo o valor que esta possui no âmbito de um processo político-social. No mundo em que vivemos a leitura ocupa um espaço significativo, pois, constantemente, o ser racional precisa ler para se deslocar num mundo onde a tecnologia transcende aos próprio valores humanos. Ler é poder viver num mundo onde tudo precisa ser compreendido.

Cagliari (1990: 169) deixa clara a importância que a leitura possui para a formação social e intelectual do indivíduo, ao explicitar o seguinte comentário: (...) além de ter um valor técnico para a alfabetização, a leitura é ainda uma fonte de prazer, de satisfação pessoal, de conquista, de realização, que serve de grande estímulo e motivação para que a criança goste da escola e de estudar.

A diferença básica existente entre a instituição escola e a família, assim como de outras instituições é que, a escola realiza um trabalho educacional sistemático, ou seja, planejado e organizado, tomando como fundamentação as bases científicas.

Pode-se dizer que o indivíduo que ler possui condições satisfatórias para o convívio em grupo, possui maiores condições sociais e política, pois o mesmo passa a buscar nos seus conhecimentos, fazendo uso da leitura, os subsídios básicos para a satisfação das suas necessidades.

Para Zilberman (1991: 25), a atividade do professor deve tender a promover a prática da leitura entre os alunos, tomando por base o currículo escolar. Enfim:

Uma visão ampla de currículo deve prever a ação do professor como desencadeadora do desenvolvimento do pensamento, da reflexão e da crítica. O trabalho escolar, que tem preferencialmente se realizado através da língua escrita, privilegia, automaticamente, a leitura.

A aprendizagem da leitura na fase infantil requer um conjunto de fatores que, por certo, contribuirão para o rendimento do processo de formulação de silabas e frase. Neste sentido, podemos dizer que, para se ensinar algo a alguém é necessário saber como este alguém aprende.

Em relação à criança, ela aprende a ler melhor quando é motivada. A motivação constitui um tema significativo para a Psicologia e, particularmente, para as teorias de aprendizagem e ensino. Normalmente, atribuímos à motivação a capacidade maior de facilitar a aprendizagem, ou mesmo, de dificultá-la dependendo do grau de motivação do indivíduo.

Bigge (1977) defende a ideia de que, a leitura é melhor captada e melhor compreendida quando o leitor dispõe de um ambiente favorável para a prática desta. Aprender a ler, portanto, passa a ser visto como uma prática que só poderá se tornar real quando dispõe-se de todo um meio favorável para esta atividade, pois a leitura será bem mais eficiente quando o leitor se encontra num estágio emocional estável.

Experiências adquiridas por pedagogos em diferentes contextos sociais e políticos, permitem aos mesmos tomarem consciência de que, a capacidade mental de um aluno que chega à escola não é igual a de nenhum de seus colegas, pois há uma evidente diferença entre as crianças, no que se refere à capacidade cognitiva e reflexiva, assim como ao grau perceptivo da criança. Destacamos, neste instante, a percepção como um conjunto de ordens psíquicas que leva o indivíduo a um estágio de conhecimento.

Temos, portanto, neste momento, expresso o valor que a leitura enuncia no âmbito da formação do cidadão para a compreensão do mundo e, conseqüentemente, para a sua própria formação, enquanto indivíduo racional possuidor da capacidade de transformar o mundo que o cerca.

A linguagem é de importância fundamental para toda e qualquer aprendizagem (regras de segurança, de cortesia, Matemática, Ciências, e outras coisas mais), e seu desenvolvimento envolve todas as formas de aprendizagem entre as quais podemos citados o condicionamento, ensaio e erro, repetição, e outros, assim como todos os princípios da percepção como atenção, conhecimentos anteriores, interesses, e tantas coisas mais.

Podemos dizer, portanto, que linguagem e aprendizagem estão intimamente relacionadas e são interdependentes. O desenvolvimento da linguagem condiciona, não só o desenvolvimento do indivíduo, como também sua integração social, uma vez que a linguagem é, no seu mais amplo sentido, qualquer meio de comunicação.

Segundo Grosso e Bellotti (1990), no currículo do pré-escolar a criança tem oportunidade de comunicar-se, através de diferentes formas de linguagem, como desenho, canto, dança, modelagem, dramatização, mímica e, também, linguagem verbal.

Sendo a linguagem verbal, indiscutivelmente, a forma mais utilizada para a comunicação e, por conseqüência, veículo de socialização, precisa ser bem explorada e desenvolvida na fase pré-escolar. Ela é constituída de linguagem oral, leitura e escrita (linguagem escrita), que são manifestações de um mesmo sistema – sistema funcional de linguagem.

O desenvolvimento da linguagem oral vai interferir, diretamente, na futura aprendizagem da leitura e da escrita. Os três tipos de linguagem verbal – linguagem oral, leitura e escrita – são interdependentes e se desenvolvem de modo contínuo e progressivo.

Vale enfatizar que a linguagem oral compreende dois aspectos – ouvir e falar. As atividades que envolvem audição devem ter como objetivo transformar a função mais complexa de escutar, que resulta de uma reação não só fisiológica como também mental e emocional.

Cagliari (1990: 148), considera que a atividade fundamental desenvolvida pela escola, visando a formação do aluno é a leitura. O grau de importância que o autor atribui a esta função que se atribui à escola permite o entusiasmo do mesmo ao enfatizar a leitura como um fator mais importante que a escrita. Neste sentido é que diz o seguinte:

(...) É muito mais importante saber ler do que saber escrever. O melhor que a escola pode oferecer aos alunos deve estar voltado para a leitura. Se um aluno não se sair muito bem nas outras atividades, mas for um bom leitor, penso que a escola cumpriu em grande parte sua tarefa. Se porém, outro aluno tiver notas excelentes em tudo, mas não se tornar um bom leitor, sua formação será profundamente defeituosa e ele terá menos chances no futuro do que aquele que, apesar das reprovações, se tornou um bom leitor.

Freire (1996) também ressalta a importância que a leitura possui na efetivação do homem como ser comunicativo, no entanto, ele chama a atenção para o fato de que o ato de ler não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita. A leitura, para Freire, se estende além do simples ato de observar palavras e decodificá-las, pois esta traz, no seu contexto, um conjunto de significados e significantes que precisam ser compreendidos pelo leitor.

Na concepção de Freire (1996: 11):

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançado por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto.

Observamos, portanto, que Freire evidencia em sua concepção sobre a importância da leitura o significado que possui a prática do diálogo ente os seres sociais. A linguagem constitui o elemento chave para que o processo de comunicação possa vir a desenvolver de modo a integrar os indivíduos em um processo de construção efetiva do seu todo social.

Conforme Freire (1998), para que haja o desenvolvimento do diálogo entre os homens é necessário que as palavras não sejam ocas, que não escondam com o verbalismo, o vazio do pensamento, com o formalismo, a mentira da incompetência e com o ensino da descrença tão característico das elites do poder. A autenticidade na fala implica a crítica. A palavra, em vez de ser veículo das ideologias alienantes e/ou de uma cultura ociosa, tornar-se-á geradora, isto é, o instrumento de uma transformação global do homem e da sociedade.

A segunda condição que Freire propõe para o diálogo é que ninguém, numa democracia, seja excluído ou posto à margem da vida nacional. O duplo processo de revalorização das palavras e da criação das condições para uma real participação de todos os membros da comunidade nacional obriga o educador autêntico a refletir sobre as condições que a sociedade lhe oferece de realizar plenamente o seu projeto.

Uma educação como prática da liberdade só poderá se realizar plenamente numa sociedade onde existam as condições econômicas, sociais e políticas de uma existência em liberdade. Conseqüentemente, e porque não pode haver renovação pedagógica sem uma renovação da sociedade global, as exigências pedagógicas de Paulo Freire o levaram, também, a assumir uma posição política, a partir do momento em que ele estimula o desenvolvimento da consciência crítica do alfabetizando, ao buscar compreender o sentido que as palavras possuem.

Paulo Freire, através do seu método de alfabetização, apresenta como proposta básica o desenvolvimento de uma estratégia pedagógica que se firme num ideal de conscientização, favorecendo, assim, a valorização do indivíduo como ser histórico, político e social. Assim, o ato de alfabetizar toma uma nova conotação a partir de Paulo Freire que, na sua concepção de educação, vislumbra a leitura do mundo e a conscientização do homem.

Trabalhando a temática da leitura, discutindo sua importância, explicitando a compreensão crítica da alfabetização e do papel de uma biblioteca popular, relatando e documentando suas experiências de alfabetização e de educação política, produz sua obra, pensando e repensando sua própria prática, sua vivência pessoal. Isto porque, como afirma Freire, a leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo (Freire, 1996).

Aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade. Ademais, a aprendizagem da leitura e a alfabetização são atos de educação e educação é um ato fundamentalmente político.

Também reafirma a necessidade de que educadores e educando se posicionem criticamente ao vivenciarem a educação, superando as posturas ingênuas ou ‘astutas’, negando de vez a pretensa neutralidade da educação. Projeto comum e tarefa solidária de educandos e educadores, a educação deve ser vivenciada como uma prática concreta de libertação e de construção da história. Enfim: (...) devemos ser todos sujeitos solidários nesta tarefa conjunta, único caminho para a construção de uma sociedade na qual não existirão mais exploradores e explorados, dominantes, doando sua palavra opressora a dominados (Severino, In: Freire, 1996).

A importância do ato de ler, no contexto do que fora evidenciado, ao longo das pesquisas de estudiosos da linguagem, destaca a leitura da palavra escrita como um ato que reúne a tomada de consciência do leitor em relação à significação que os termos possuem e na sua relação com o homem em sociedade.

Através das concepções de Freire (1996), sobre o processo de alfabetização, podemos dizer que estar alfabetizado ultrapassa o domínio do código da escrita, do conhecimento do alfabeto, da combinação das letras e sílabas. Estar alfabetizado pressupõe reconhecer e relacionar informações variadas e organizadas nos diferentes tipos de textos presentes nas diversas práticas sociais ligadas à escrita.

A aquisição da linguagem oral é um processo complexo que depende de fatores físicos, emocionais, intelectuais e sociais, intimamente relacionados, dos quais, apenas para fins de estudo, alguns aspectos serão focalizados neste estudo, separadamente.

Os aspectos anteriormente enfatizados são: formação de esquema corporal e desenvolvimento da orientação têmporo-espacial; desenvolvimento da percepção auditiva; desenvolvimento da tenção e da memória auditiva; desenvolvimento da percepção visual; desenvolvimento de outras percepções; enriquecimento da base de experiências; enriquecimento do vocabulário; desenvolvimento da habilidade de formular frases; correção da prolação; desenvolvimento da coordenação motora e ajustamento sócio-emocional.

Conforme Grosso e Bellotti (1990: 30):

O professor deve ajudar a criança a observar-se, aprendendo a nomear e dizer para que servem as mãos, os dedos, as unhas, os pulsos, os cotovelos, os ombros, os pés, os joelhos, os tornozelos, os olhos, as pálpebras, as pernas, a boca, os dentes, a língua, os lábios, o nariz, as orelhas, o ouvido, o coração (sentir-lhe as pulsações quando em repouso e depois de uma corrida), os pulmões (sentir, com as mãos no tórax, os movimentos de encher e esvaziar os pulmões de ar), alguns ossos do corpo (do crânio, dos dedos, as costelas).

Podemos dizer que a boa formação de esquema corporal assegura, entre outras coisas, possibilidades de orientação no espaço e no tempo. Considerando seu próprio corpo, em relação ao mundo que a cerca, a criança é capaz de dar significado e uso adequado a expressões como: em cima, embaixo, para cima, para baixo, de um lado, do outro, e outras mais.

Para que haja o desenvolvimento da percepção auditiva, é mister que o professor trabalhe os sons com as crianças tais como os sons não vocais, os timbres e suas respectivas qualidades, assim como tonalidade e altura destes.

Quanto ao desenvolvimento da atenção e da memória auditiva é possível a sua articulação quando o professor promove conversa com a criança, vindo, assim, a ajudá-la a formar atitudes semelhantes com seus amigos. Escolher histórias tendo em vista os interesses da criança, isto é, os temas devem estar relacionados àquilo de que a criança gosta e entende. O número de fatos deve ser aumentado, gradativamente, partindo da história de dois fatos, até atingir cerca de cinco ou seis. Quanto às técnicas, é recomendável que o professor utilize diferentes meios, na arte de contar histórias tais como teatro de sombra, fantoches, teatro de varas, livros, flanelogravuras e outros.

O desenvolvimento da atenção e da memória auditiva pode ser viabilizado, ainda, através da música. Assim, o professor deve proporcionar atividades musicais como cantar, participar de bandinhas rítmicas, ouvir e apreciar músicas populares e eruditas.

Vale ressaltar que todos os jogos, em que há instruções e regras a serem seguidas, promovem o desenvolvimento da atenção e da memória auditiva da criança. Através de jogos, o professor levará a criança a sentir que ouve melhor quando olhar para a pessoa que está falando. As expressões faciais, a gesticulação, a postura de quem fala, ajudam a criança a manter a atenção e a compreender melhor o que está sendo dito, mesmo quando não escuta, pormenorizadamente, todas as palavras.

Segundo Grosso e Bellotti (1990), dependendo da experiência anterior, algumas crianças são capazes de observar com atenção e perceber pequenas diferentes entre objetos ou figuras, outras só conseguem perceber diferenças bastante evidentes. Para que a criança possa desenvolver a sua capacidade visual é preciso que o professor viabilize instrumentos favoráveis para que a criança tome contato com elementos propiciadores para captar semelhanças e diferenças de aspectos que envolvam cores e dimensões de objetos.

Grosso e Bellotti (1990) propõe que o professor trabalhe, inicialmente, com cores básicas tais como o azul, o amarelo, o preto, o branco, o vermelho e o verde, levando a criança, posteriormente, a conhecer e nomear cores como roxo, laranja, marrom e cinzento. A seguir, poderá ser explorado todas as tonalidades como vermelho-escuro, rosa-claro, azul-marinho, azul-turquesa, verde-folha, verde-limão, amarelo-ouro, e outras.

De acordo com Grosso e Bellotti (1990), o desenvolvimento da linguagem verbal também está relacionada, de maneira direta, às percepções táteis, gustativas, olfativas e cinestésticas. É por meio delas que a criança adquire conhecimentos, formando conceitos e vocabulários referentes à caracterização dos objetos, de acordo com as definições de liso, áspero, rugoso, quente, frio, morno, e outras.

É oportuno, neste instante, frisar que o desenvolvimento do vocabulário ‘de uso’ e ‘de reconhecimento’ está intimamente relacionado ao enriquecimento da base de experiência. Saber dizer sem conhecer sua significação é atividade sem valor. Para que uma palavra ganhe significado e se integre no vocabulário, é necessário que corresponda a um conteúdo mental decorrente da vivência da criança.

Para que o desenvolvimento do vocabulário da criança se torne um fato real, compete ao professor auxiliá-la a formar conceitos, ampliando o seu vocabulário relativo a situações de vida como: conhecer e saber nomear (brinquedos, animais, plantas, cores, peças do vestuário, etc); conhecer os nomes de partes de um todo (bico do bule, tromba do elefante, alça da cesta, gema do ovo, etc); conhecer e nomear as partes do seu corpo (cintura, tornozelo, pestana, sobrancelha, etc); conhecer e saber usar nomes que indicam parentesco (pai, mãe, filho, fila, avô, neto, neta, etc). Todos estes conceitos, entre outros, devem ser formados no desenvolvimento de unidades de experiências.

É normal, portanto, que, nos primeiros contatos com a escola, a criança, tenha dificuldades de se fazer compreender e sinta embaraço e insegurança. Proporcionando um ambiente de camaradagem e alegria, em que a criança tenha oportunidade de exprimir-se com naturalidade, e sem saltar etapas do desenvolvimento da linguagem verbal, o professor pode ajudá-la a formular frases corretas.

Grosso e Bellotti (1990), no que diz respeito à habilidade de formar frases, enfatiza que devem ser considerados dois aspectos. Em primeiro lugar, o tamanho em que constituem as frases que, por conseguinte, não podem ser curtas, que não traduza idéias ou sentimentos, nem tão longa e complicada, que confunda em vez de explicar. Em segundo lugar, a correção gramatical, tendo a criança que se policiar no que diz respeito aos vícios de linguagem inaceitáveis, concordância, elementos de ligação, e outros.

Conhecendo o estágio em que a criança se encontra, o professor deve fazer perguntas para ajudá-la a falar com clareza. É importante lembrar que a correção da linguagem deve ser feita em situações de brincadeira. Expressões como ‘nós vai’, ‘a gente fomos’, ‘eu faz’, ‘dois lápis azul’, ‘p’ra mim comer’, ‘in p’ra casa’ e muitas outras podem ser corrigidas através de jogos em que a criança repete corretamente o que o professor diz.

Jamais, a criança deve ser interrompida quando fala espontaneamente, dando solução a um problema ou contando novidades, o que só iria inibi-la. O máximo que o professor pode fazer é dizer, discretamente, a forma correta.

Se uma criança comete um ou vários tipos de erros, o professor deve levá-la a tomar consciência disso e despertar-lhe o desejo de falar corretamente. Procurará corrigir, apenas, um erro de cada vez, sempre em situações agradáveis, propondo brincadeiras que estimule a criança a repetir a forma correta dita pelo professor.

Na pré-escola, além das atividades que propiciam o desenvolvimento da linguagem oral, o professor promoverá outras que preparem a criança para a futura aprendizagem de leitura e escrita. É importante ressaltar que esta preparação para a aprendizagem de leitura e da escrita deve ser feita em situação de jogo, individual ou com pequenos grupos (de 10 a 15 crianças), usando-se objetos, flanelogravuras, cartões com figuras, quadro de regas, jogos com cartões.

Grosso e Bellotti (1990) afirmam que, com o propósito de preparar as crianças para a futura aprendizagem de leitura e de escrita, o professor deve promover o desenvolvimento de habilidades visuais específicas, assim como o desenvolvimento da orientação espacial dos símbolos gráficos, além do desenvolvimento da localização dos símbolos gráficos, entre outros pontos.

CONCLUSÃO

A leitura é uma atividade que congrega os esforços direcionados à pesquisa, por parte de especialistas de várias áreas do conhecimento, o que resulta em um volume apreciável de estudos, os quais estimamos que sejam responsáveis pela duplicação do conhecimento na área, aproximadamente, a cada três ou quatro anos. Esta produtividade pede estudos de metaciência para avaliação da mesma e detectar tendências na área, nível de desenvolvimento e necessidades.

Sendo a leitura um processo complexo, com aspectos sociais e pessoais relevantes, não é de estranhar que as variáveis sociais tenham merecido a atenção de sociólogos, sociolinguistas e psicólogos. A leitura acaba por ser um instrumento propiciador da hegemonia. Na antiguidade, estabelecia-se uma típica relação entre alfabetização e poder.

As variáveis socioculturais têm impacto na leitura valorizando-a, tornando-a imprescindível no mundo do trabalho e do lazer, na propaganda, na indústria gráfica e em outras atividades. Estas variáveis também têm impacto sobre o comportamento do leitor, facilitando e estimulando a leitura ou dificultando-a. No primeiro caso, a problemática tem merecido a atenção de sociólogos da leitura, no segundo, tem merecido mais a atenção dos psicólogos.

O trabalho de alfabetização de crianças comporta considerações teórico-práticas que precisam ser objeto de discussão e análise. Já dissemos, inúmeras vezes, que alfabetizar é tarefa complexa que exige ação e reflexão. Nada mais correto, mas se o pesquisador for analisar a prática alfabetizadora, certamente constatará que a esmagadora maioria de professores e alfabetizadores atua sem conhecer os pressupostos teóricos que fundamentam a sua prática.

Embora a prática seja o grande ponto de referência do professor-alfabetizador, praticar sem pensar a prática é empobrecer a própria prática naquilo que ela possui de mais importante, o poder de transformar a realidade mediante o questionamento de si própria. Caminhará melhor o professor que refletir criticamente sobre a sua ação, que for capaz de ajuizar a sua prática e tomar consciência dos pressupostos teóricos que sustentam e informam a sua atuação.

Neste estudo exploratório, foi proposto evidenciar a dimensão do ensino da leitura, alertando sobre a prática educativa do professor-alfabetizador apontando para as diferentes facetas do trabalho docente, voltado para o ensino da leitura e da escrita. Para início de reflexão, podemos dizer que a prática alfabetizadora comporta, pelo menos, quatro dimensões relacionadas formando uma totalidade orgânica.

Em suma, numa visão quadridimensional do processo de alfabetização, o professor-alfabetizador terá que atentar para os seguintes aspectos: as finalidades e objetivos da alfabetização; os conteúdos da alfabetização; os métodos da alfabetização e o contexto econômico-social da alfabetização.

A importância que o processo de alfabetização possui se expressa a partir do instante em que o alfabetizando toma consciência do mundo que o cerca, tendo como instrumento de sua tomada de consciência a prática da leitura. Ao desenvolver a leitura, o educando passa a contar com este instrumento na conquista de elementos que propiciam a superação de dificuldades nas mais diferentes áreas de estudo.

No trabalho ora exposto, foram apresentadas algumas considerações sobre o sentido, assim como o conceito e extensão que a leitura possui, levando em conta aspectos socioculturais, tendo em vista o fato desta apresentar, na sua estrutura, os elementos mais comuns que se relacionam ao indivíduo em sociedade.

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Cláudia Coêlho
Enviado por Cláudia Coêlho em 21/08/2022
Reeditado em 25/09/2022
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