E ele se foi

Ele ainda não havia entendido como poderia ser simples ter sido esquecido tão rapidamente depois de tudo que haviam vivido. Em sua mente, aqueles anos eram como uma eternidade e não como um piscar de olhos, que fora o que parecera durante aquelas duas horas de conversa que tiveram antes do tão árduo término. O que feria seu coração não era o fim, mas a forma com que fora feito, como se fossem duas crianças a se despedir, depois de terem brincado por uma tarde toda, juntos.

Ele conseguia ouvir o barulho das juntas dos dedos a estalarem por debaixo da mesa, enquanto de continha para não desabar em agonia, em gritos e em lágrimas que saiam de suas memórias. Sabia no fundo que aquilo seria um ato de franqueza, uma forma de demonstrar que estava desmoronando enquanto via seu mundo desabar diante de sua face. Foram anos de amor, dedicação, envolvimento, cumplicidade. Haviam passado por momentos em que achavam que não conseguiriam, em que o mundo estava contra eles e que nada os abalaria.

Afinal, os abalou. E não fora preciso muito, muito menos do que traição que um deles cometera. O motivo alegado foi que os mundos dos dois já não se encaixavam. Como assim? Como pode que todo aquele tempo não serviu de nada para que aprendessem uma lição tão importante? Mas sim, em meio a choro reprimido, meias palavras e poucos argumentos que o outro se levantou, pegou suas poucas coisas, deixou pra trás meia dúzia de lembranças e decidiu que era hora de ir embora.

Mas quem ficou, sentiu na pele o fogo da paixão se esvair, sentiu um frio toque de tristeza sobre a pele. Sabia que as noites já não mais seriam calorosas, devido ao calor do corpo que se encaixava enlaçado ao seu. Sabia que já não precisaria se preocupar em fazer as compras das bolachas favoritas ou de coisas que tampouco gostava e achava desperdício de dinheiro. Já não precisava acordar cantando para que a casa se enchesse de alegria, pois a alegria resolvera tirar uma pequena folga. Entendia que não iria morrer pela ausência, mas por algumas vezes desejara, mesmo sabendo que a vida continuaria em frente. Sim, eles tinham uma frase para descrever situações como essa e, quando ele lembrava, sorria e logo começava a chorar, pois doía.

Não foi sua primeira desilusão amorosa, foi a mais dolorida, a que mais feriu sua alma e o fez descreditar do amor. Por que devo amar alguém se, no final, sei que vou sofrer de novo? Ele desistiu de tentar, serei melhor apenas brincar com as pessoas, se divertir, jogar tudo para o alto e desentender o que fora aprendido. Mas ainda doía muito, toda vez que pensava em se deitar em outros braços, ao fechar os olhos, sentia o toque suave, tão habituado ao seu paladar. Sentia o gosto do beijo e os cabelos a deslizarem por seus dedos. Não estava a ser feito entender e aceitar.

E, talvez suas preces foram atendidas, por sentir aos poucos aquela dor a sumir. Era a primeira vez que iria beijar outra pessoa, encostar seu corpo nu em outro corpo. Era a primeira vez, depois de sua dolorosa pseudomorte, que sentiria vida de novo, dentro de si. A ansiedade estava a tomar conta, estava a tentar tomar as rédeas. Mas ele disse não, e decidiu, finalmente que viveria de novo, se encontraria mais uma vez. E percebeu, de uma vez por todas, que iria caminhar, mesmo com dor, pois nada além dele mesmo, seria capaz de o matar.