O Despertar Da Tragédia

Naquela manhã, um sol alaranjado me acordou,

batendo nas cortinas floridas da janela.

Os pássaros cantavam, fazia um leve frio,

e eu estava deitado na cama,

de pijama, ao lado da minha mãe.

Achei estranho ela ainda estar dormindo,

pois era dia de semana, ela tinha que trabalhar.

Geralmente, quando eu acordava, ela já tinha ido,

e o aroma de café reinava pela casa.

Mas não naquele dia. Fiquei preocupado,

chamei-a três vezes: "mãe, Mãe, MÃE, acorda!

A senhora precisa ir trabalhar!"

Chacoalhei, chamei novamente, mas... nada.

Então, a empregada abriu a porta e disse:

"Sua mãe está cansada; ela não vai trabalhar hoje.

Deixa ela dormir! Vem pra sala!"

Espreguicei e fui.

Joguei-me no sofá, liguei a TV,

e comecei a assistir desenhos animados.

Após um tempo, a empregada disse: "Nelsinho,

vem comer pão e tomar sua mamadeira."

Enrolei, mas fui.

Sentei em cima da mesa da cozinha

e fiquei balançando meus pés ao vento.

Comi pão caseiro com margarina,

tomando a mamadeira de achocolatado morno.

A empregada trouxe um par de meias e de tênis,

ajudou-me a calçá-los e amarrou os cadarços.

Após amarrá-los, me olhou seriamente,

mas disse: "Você não vai pra escola hoje.

Vai brincar com seu amiguinho na casa dele;

eu já falei com a mãe dele, e ela deixou."

Não entendi por que ela tinha uma cara tão séria

ao me dar essa notícia tão maravilhosa.

Corri e fui.

Pulei o muro da separação,

e fiquei brincando com meu amigo,

com um jogo de tabuleiro,

na área da frente da casa dele.

Mas ele estava diferente,

parecia distante dali.

Alguns curiosos paravam na rua e cochichavam,

alguns me olhavam com dó.

Uma viatura encostou, dois policiais desceram

e falaram com a empregada na calçada.

Ela chorava, e algumas pessoas na rua também.

Minha tia chegou num fusca cor de creme,

e disse para eu ir com ela à casa da minha avó.

Estranhei, mas fui.

Abri a porta do fusca, entrei, fechei a porta,

e minha tia me disse:

"Coloca o cinto de segurança, menino;

o trânsito é perigoso, imagina se... Deus me livre!"

Coloquei, ela ligou o carro, e nós fomos.

Eu fui admirando a paisagem, olhando para o céu.

Ela foi agitada, tremendo,

roendo o esmalte pink das unhas,

remoendo não sei o quê.

Quando chegamos, minha tia disse para eu entrar,

pois ela precisava fazer umas coisas,

mas depois voltaria.

Obedeci e fui.

Minha avó sempre me tratou com carinho,

mas naquele dia, ela me tratou igual um anjo.

Ela perguntou qual era o meu prato preferido,

e eu respondi: "Seu macarrão com carne moída, vó."

Ela fez, eu almocei e repeti, tomando suco de limão.

Depois, colocou filmes infantis para eu assistir,

mas nenhum deles despertou o meu interesse,

pois eu só pensava no que estava acontecendo;

parecia um sonho, mas só eu estava acordado.

À noite, minha tia voltou e disse: "Vem com a tia,

menino, vamos tomar sorvete, de carro."

Sorri e fui.

Pensei no meu sabor favorito daquela época:

chocolate branco com cobertura de morango.

Fui tomando em pensamento até o carro parar,

e eu pensei comigo: "Oba! Finalmente!"

Mas, para minha surpresa, não era uma sorveteria,

pelo menos não parecia em nada com uma.

Descemos do carro, mas pensei que já voltaríamos

e continuaríamos indo para a bendita sorveteria.

Portanto, sentei-me no meio-fio do local,

esperando minha tia voltar, mas ela me chamou:

"Vem, menino."

Levantei e fui.

Nisso, reparei no letreiro do lugar, que dizia:

"Funerária Jesus Salvador - Serviços Póstumos

e Assistência Funeral - Telefone: 2424-4990".

Foi a coisa mais surreal que aconteceu na minha vida!

Eu pensei exatamente assim:

"Tomar sorvete na funerária??? Que idéia é essa???

Minha tia só pode estar ficando louca!!!"

Fiquei ali parado, mas minha tia veio,

pegou minha mão esquerda,

e me conduziu para dentro; lá estavam presentes

parentes, amigos e desconhecidos.

Minha tia me soltou, sentou-se numa cadeira,

tirou um lenço da bolsa e enxugou sua dor.

Numa bóia de flores, uma foto de minha mãe sorria,

com seu nome todo escrito em letras elegantes.

Meu pai e minha irmã estavam de pé

no meio do cômodo, chorando muito,

ao lado de um caixão.

Criei coragem e fui.

Fui chegando mais perto, mais perto, mais perto...

e vi que era minha mãe deitada nele!

Olhei bem para ela, ambos dormíamos

em total silêncio, nuvens brancas num céu azul.

A palidez, o algodão nas narinas, os lábios roxos,

os olhos trancados com cadeados pesados...

De repente, o perfume das flores que a cobriam

me abraçou; eram muitas, coloridas e bonitas.

Fiquei pensando nelas por um tempo,

analisando as mãos da minha mãe

juntas sobre o tórax.

A fumaça preta das velas amarelas,

em longos castiçais prateados,

chamou o meu olhar aguçado.

Então, a grande mão do meu pai,

em choque,

segurou meu bracinho direito, e,

chacoalhando com força

para me despertar da Comédia, disse:

"Sua mãe morreu! Ela não vai acordar!

Ela não vai voltar nunca mais!

chora! Chora!! CHORA!!!"

Foi aí que o punhal cravou

no meu coraçãozinho,

girou três vezes,

deixou um vazio IMENSO... e chorei.