E POR FALAR EM LEMBRANÇAS

E POR FALAR EM LEMBRANÇAS

Meus olhos vão e voltam num compasso de música. Por vezes calma. Por vezes agitada.

Olhos feito mãos súbitas que repousam pálidas nas lembranças dos ontens. Virando páginas numa busca por eternidade.

Como posso me emocionar ainda hoje por pedacinhos de coisas vividas tão integralmente?

Grandes alegrias são trazidas de volta em pequenos relâmpagos no céu da memória. E passam logo. São brilhos fugazes. É isto que busco eternizar. Nada pode voltar do antes. E viver no agora.

Naquela época em que as coisas aconteciam. Mais vivas. Mais atuantes. Havia o composto da vida e da eternidade. Aquela em que a vida se perpetua em sonhos. Desejos e buscas.

Um dia era apenas um dia. Nem me dava conta que poderia ser um dia a menos. O eterno habitava meu universo existencial.

Trabalho a ser conquistado.

Escola. Escolhas profissionais.

Encontrar o par que estava perdido na multidão.

Ajeitar a festa do casamento convidando todo mundo. Por que não o mundo todo? Viajar em lua de mel.

E olha que tudo isso ocupava um espaço gigante do meu tempo!

Viriam das estrelas siderais os filhos que traziam a eternidade da palavra mãe. E isso. Ainda sou.

Corria em paralelo, o tempo. Mas disso eu não me dava conta. Nem um pouco. Tanta vida correndo solta.

Apesar das partidas várias, os que foram ainda estão vivos naqueles pedacinhos eternizados. Mas são apenas partes voláteis de mim. E a vivência se torna uma comunidade. Onde todos os que foram vivem um pouco juntos. Em mim.

É isso que emociona.

Quando olho aquele retrato onde ficou registrado um momento qualquer. A vida ali. Volta. E permanece feito tempo repetível. Uma eternidade antes indetectável.

Assim é quando ouço uma música já ouvida. Consigo trazer para o presente um passado alegre ou triste. Depende. E independe do que estou vivendo no momento. Ou quase.

A memória tem dessas coisas... E tem tantas coisas que doeram. Que alegraram. Que tiraram o fôlego. Que adormeceram.

Percebi que a lembrança tem uma companheira fiel. A memória afetiva.

Conforme o encontro nas épocas, as distâncias são diminuídas. Não há veículo físico que me leve até ele. O encontro é sempre aquele encontro. Naquele momento. E só ele, conta.

Outro dia, encontrei uma amiga de infância. E nos vimos encurtadas pelos anos que passaram por nós. E ficamos admiradas uma com a outra.

Não lembrávamos que nossas peles eram enrugadas.

Nem que em nossos cabelos haviam fios embranquecidos.

Muito menos que nossos olhos precisavam de lentes sobrepostas. Penduradas em nossos narizes.

Foi aí que percebi que ela e eu, estávamos tão distantes. Mas não na lembrança. Uma olhou para a outra. E nossos olhares fecharam nossas bocas. Não havia espanto. Havia um tanto considerável de eternidade. Em nós.

Tudo o que amo. Eternizo. Tudo que me faz chorar. Seco.

São atitudes que me ajudam a acalmar os momentos muito bons e menos bons.

Colocar um perfume nas flores que teimam em não serem efêmeras.

Assoprar um machucado que ainda dói. Vai passar. Tudo. Vai passar.

Biguleto

Biguleto
Enviado por Biguleto em 22/02/2024
Código do texto: T8004381
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