SER NEGRO

SER NEGRO.

Realmente é um assunto delicado, complexo, desconcertante, cheios de tabus, mal compreendido, muito explorado, mas sem duvida alguma muito interessante; pois qualquer que seja a definição ou colocação dada seja: Preto, crioulo, negro, mulato, negão ou afrodescendente, a cor escura da pele em uma pessoa faz muita diferença em todos os aspectos, sem ser exagerado, não apenas pelo fator racismo, mas pela notória percepção da diferença, histórica, geográfica, cultural, entre outras; a questão racial é a mais agressiva e isto sem sobra de duvidas para os negros.

Eu sou negro nascido pouco depois dos meados do século vinte no ano de 1968, ano complicado em vários sentidos, filho único de minha mãe, em minha infância e juventude estive cercado de discriminações, diretas e indiretas, os meios de comunicações em geral traziam de programas infantis a propagandas, sempre o branco como protagonista e o negro como um ser inferior, não podemos deixar de mencionar os orientais, índios, hispânicos e outros cuja cultura e raça são diferentes, que são e sempre foram agredidos gratuitamente por suas diferenças ou aparências exóticas, aos olhos de um sistema preconceituoso e covarde, estabelecido, cultivado, imposto e mantido por uma elite desumana e ignorante aos reais valores humanos.

Dizer que isso seja exagero é o mesmo que querer tampar o sol com a peneira; as discriminações sociais e raciais permeiam o cerne da natureza humana em todos os lugares e épocas, desde os mais primórdios e selvagens aos mais modernos e refinados grupos, destes certamente os que mais sofrem são os negros; sim, ser negro é, foi e sempre será uma condição delicada e desafiadora na sociedade em seu todo.

Procurarei neste não ser tecnicamente correto, mas simples e direto dentro das minhas limitações acadêmicas, apenas expondo sentimentos causados pela realidade explicita e comum dentro do geral ; nem espero convencer a quem quer que seja, com minhas ideias, apenas poder de maneira sincera e clara expressar o que sinto mesmo que uns e outros compartilhei ou não, procurarei falar do que tenho aprendido, vivido, recebido, oprimido, sentido, comovido dentre outras coisas simplesmente por ser negro; não intenciono ser visto como vitima, nem quero parecer estar movido pelo racismo, como que odiando aqueles que tem em sua pele a cor diferente da minha, mas com certeza e muita propriedade experiência, ter familiar este sentimento com meus iguais ou muitos humanos diferentes, cônscios das diferenças e não dos equívocos que elas tem causado no decorrer da existência humana, o simples fato de ser negro.

Ser preto, pobre e iletrado é sem duvida alguma uma tríplice coluna de areia tentando sustentar uma vida de êxito, cujo fracasso é eminente, convenhamos; mas também por outro lado é um desafio estimulante que pode gerar uma garra e fome de superação, levando-nos ao um esforço sobre humano para ultrapassar e vencer barreiras aparentemente intransponíveis, mas sem utopias ou ilusões, é realmente árdua e até sangrenta a busca de um lugar ao sol nestas condições; é como disse alguém: não há comparação e nem chances em uma disputa entre alguém ou um grupo, que uns saem quilômetros de vantagens a frente, enquanto os outros ainda nem se posicionaram para a competição, sim em um mundo competitivo, para os pobres, pretos e limitados academicamente está disputa é totalmente desproporcional e com chances nítidas de derrotas na certa, há muito poucas exceções que acabam quando alcançadas, trazendo mais humilhação a classe, por expor ainda mais explicitamente a realidade dos fatos.

Podemos até reiterar: pobre e iletrado, mesmo sendo negro, há como superar, mas o simples fato da cor negra já é motivo de maiores e claras dificuldades, mesmo não sendo justificativas, e sim estimulo maior para deixar de lado a baixa autoestima por causa da questão racial, mesmo que soframos a realidade nua e crua da rejeição, temos com muito, mais muito mesmo com honestidade superarmos estas duas frágeis colunas; educação e condições, física, cultural, financeira em geral, mesmo sendo negros mas seres humanos, a condição independente das desigualdades tantas e grandes possibilidades para vencer, conquistarmos, mas sejamos honestos a está dura realidade, que vou colocar aqui e podem serem acrescentada na medida do possível sobre o fato de ser negro.

Ser negro pode parecer para muitos, ser inferior, menor, impossibilitado; mas é apenas um ser humano de cor mais escura cujo potencial e condições são s mesmas.

.meus cabelos duros (crespos), minhas narinas achatadas, meus lábios carnudos, minhas nadegas salientes; quando no masculino me deixa ser parecido pra alguns como um primata evoluído. E quando feminino se torna objeto de desejo sensual e exótico; mas em minha saúde mental e psíquica, são apenas termos que os invejosos mencionam por causa do incomodo ao verem meus dotes diferenciados dados por Deus.

Ser negro é trazer a triste memoria da escravatura covarde e desumana, mas também é trazer às claras a exposição da mediocridade e pobreza de emoções de senhores doentes e derrotados pelo seu próprio medo e insegurança, limitadoras, deixando-os apenas a alternativa impostora para se relacionar com seus diferentes em cor mais iguais em natureza.

Ser negro é ser observado com certa cautela e suspeitas em vários lugares, chegando a ser desconcertantes, mas também é a clara demonstração de uma intrigante curiosidade usada para camuflar a admiração da beleza não reconhecida.

Ser negro é um grande paradoxo, entre a expectativa e desconfiança, nos dando maiores oportunidades de expor mais explicitamente nossos valores, que são exigidos por um sistema na maioria das vezes doentio.

Nos ditos populares maldosos e sem valores reais para existência: negro parado é suspeito, correndo é ladrão; ou, quando não faz o pior na entrada o faz na saída; algo ruim é sinônimo de serviço de preto, comentários estes feitos por seres que são fruto de um evolucionismo primitivo tal que nunca chegarão depois de séculos a perfeição humana.

Eu sou preto e tenho amigos brancos e conheço um monte de brancos que são amigos e negros, simplesmente por serem conscientes de sua humanidade.

Eu sou preto e não acho correto querer os presidentes ou qualquer outra liderança seja escolhida pelo fato de serem negros, mas sim seja preto ou qualquer outra cor, pelo valor e competência para o mesmo.

Eu sou preto e não me sinto inferior em nada por isso, mas deixo bem claro que no decorrer da minha vida recorro a terapias diversas para superar os maus tratos constantes este fato; terapias gratuitas e praticas, onde engolir o choro, levantar a cabeça, ouvir tudo reter o que é bom e ter coragem de recomeçar mesmo que contrariando alguns que vem em minha cor inferioridade, mas como humano não desisto e não permito sentir menos do que isso que me foi dado por Deus.

E por falar em Deus, qual será a sua cor favorita nos homens que ele criou? Se você não cré nele, então não se preocupe com isso, pois na sua mente foram obras do acaso não é mesmo?

Antes me sentia mal por ser tratado diferente ou até agressivamente por causa da minha cor, mas hoje sinto penalizado pelos que insistem em agira assim com os diferentes em cor ou raça, e até choro por eles e não por causa deles. Pois vejo uma pobreza emocional irrevogável os deixando na condição medíocres e carentes de coragem e equilíbrio para se livrarem deste mal tão destrutivo e toxico no contexto geral da existência a discriminação.

É claro que tenho algumas experiências que me são como golpes fulminantes no decorrer da minha existência, que quando foram dadas causaram feridas que ainda latejam mesmo que já tenham cicatrizado, quero compartilhar algumas, por mero e sincero pensar e dor.

Antes peço que não tenham dó ou se entristeçam, apenas entendam que elas me fizeram mais fortes e enfraqueceram aqueles que delas usaram como armas, talvez sejam para eles ainda mais doloridas e marcantes ou quem sabe lições para que tenham aprendido a lidar com as diferenças de que não somos melhores ou piores apenas diferentes, dentro de um proposito divino onde a diversidade livra-nos da mesmice.

Sem delongas: quando bem novo me contava minha querida vó materna, que ela ficava horas por dia apertando minhas narinas na intenção de afina-las, pois eram muito achatadas, mas não obteve êxito, ela me contava isto com um ar de comoção, que me deixava com um sentimento duplo, entre a pena dela por não conseguir sucesso em sua tentativa, e raiva por ela querer mudar minha caraterística de neguinho, mas sei que ela o fazia de forma impensada e influenciada pelos conceitos da maioria, querendo o melhor pra mim, vai entender?

Quando tinha uns dez anos me apaixonei por uma menina branquinha na escola, mas pelo fato de eu ser pretinho do nariz achatado, que minha vó tentou arrumar não conseguindo, vi nesta incompatibilidade a falta de coragem de me declarar para ela, me fazendo logo ali naquele momento de desenvolvimento um trauma por causa da minha cor, e o que é pior, pelo fato de minha querida vó ter me despertado para aquela realidade, que coisa.

Criou-se em minha mente o fato de um preto nunca poder ter uma namorada branca e as vezes até as negrinhas preferiam os branquinhos, foi muito marcante em minha infância.

Houve uma outra experiência mais forte, foi quando estava com uns 15anos; minha mãe era domestica em um bairro de classe media no Rio de Janeiro e eu estava morando ali com ela, dividíamos um pequeno quarto de empregada, estuda a noite e ao dia era office boy de uma grande empresa na época a Mesbla, e os meus finais de semanas ia para praia do arpoador minha única diversão era curtir o mar, a natureza e é claro as curvas femininas aos montes naquele lugar uma maravilha, não me julguem era um adolescente, quem nunca pecou?

Mais em um domingo como de costume eu estava ali apreciando a beleza natural das coisas tantas, mas de repente fui surpreendido por um homem jovem e claro, parecendo ser de boa condição cultural e financeira pelo modo de se expressar ainda que muito agressivo algo que nunca mais me esqueço do tipo: aqui meu chapa estou de olho em você, por muito tempo estou vendo que você fica ai olhando minha família como que querendo roubar, aquelas palavras eram acompanhadas por um aperto pelo pescoço e uma sacudida frenética que me fazia chorar de medo e dor, sem conseguir falar coisa alguma, fazendo parecer ainda mais que ele estava certo em suas convicções, seus olhos estavam cheio de ódio e os meus de lagrimas e desespero, só notei uma senhora com algumas crianças ali perto por ele ter me mostrado aos trancos e barrancos, e ele mais e mais ficava irritado e me sacudia gritando palavras de ameaças as pessoas passavam e ao verem balançavam a cabeça como que dizendo: mais um ladrãozinho pego com a mão na botija, aquilo estava me deixando louco foram quase vinte minutos de agressão gratuita, simplesmente pelo fato de sua desconfiança, por causa da minha cor, depois de um tempo ele vendo que minha reação era passiva e desesperada, ele me jogou no chão daquela praia ainda me ameaçando com muita raiva, em minha cabeça, só passava a vontade de voltar para o pequeno quarto de empregada onde minha mãe trabalhava, horava muito, de vergonha, medo, ódio e um monte de sentimentos que nem sem expressar, fui embora arrasado não contei pra ninguém, fiquei muito tempo sem voltar a praia, minha sempre me perguntava por que eu não saia mais do quarto nos finais de semana, e por medo e vergonha nunca lhe disse, mas era simplesmente ser negro e ter medo que os brancos me confundissem com um ladrão; fiquei entre o medo e o ódio, hoje entendo o porque de muitos marginais negros, talvez alguns deles tiveram em experiências do tipo a iniciação de sua vida no crime, é claro que não seja justificativa, mas convenhamos não é uma dentre poucas alternativas, para um pobre, preto e em formação emocional?

Hoje ainda penso que aquele moço talvez por ter sido vitima de muitos ladrões negros, coitado só poderia ter feito aquilo mesmo, pois o sistema lhe moldou crendo junto com suas tristes experiências que negro é sinônimo de perigo, e infelizmente aquele dia eu estava ali aprendendo uma terrível e forte lição, hoje choro por ele, se pudesse apenas lhe diria: tudo bem meu caro, eu preto mas sou de paz, mais quem garante que ele iria querer escutar isso, é muito triste, ser negro em um mundo cujo as pessoas são preconceituosas e intolerantes as diferenças.

Cresci assim vendo e experimentando recusas, isolamentos, olhares cobranças e outras coisas tantas pelo fato da minha cor ser mais escura e chamativa aos olhos de muitos para o mal.

Criei uma frase que era tipo um meio de expressar minha dor assim: levando tudo na maciota, dando uma de esperto, para não mostra que somos idiotas ficamos sempre aqui por perto; sim isto se tornou como um mantra ou uma filosofia de vida, pois minha cor já expunha certo incomodo, então ficando por perto de gente violenta, louca, marginais, perigosos, ante sociais e por ai vai só gente difícil, eu me sentia seguro, pois nesse meio minha cor era o menos mal; mas não se pode esconder para sempre, e hoje através deste texto quero compartilhar uma realidade que pode e deve ser mudada, primeiro em nós os negros, sem esperar nada de ninguém apenas sermos o que somos, nem melhores nem piores apenas diferentes, em cor, condição social, cultural, religiosa, física, nacional em geral, mas convictos que podemos ser melhores não do que os outros mas, para os outros em nós mesmos.

Afrânio Barbosa
Enviado por Afrânio Barbosa em 28/04/2020
Reeditado em 28/04/2020
Código do texto: T6931423
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