UM SONHO DE NATAL

Eu tive um sonho a noite passada. Um sonho que jamais esquecerei!

Eu terminava de acordar, e após lavar o rosto, me colocava frente ao espelho.

De repente, o que deveria refletir tão somente a minha imagem, tornou-se um desfile de cenas da vida humana, e como se fora uma odisséia exibida em tela de cinema, entendi que eu assistia ao próprio mundo.

O mundo que vi era repleto de enigmas, incógnitas e contradições; era o berço de espetáculos encantadores, mas também era o leito mórbido dos acontecimentos mais odiosos. O mundo que eu vi me intrigou!

Era um mundo dividido em muitos pequenos outros mundos, todos, porém, sob o governo de um ser vivo, que se chamava: homem.

Como tudo que respira, o homem era dividido em dois gêneros: macho e fêmea, e foram seus atos, intuições, caráter e modo de pensar, o que mais me impressionou, e que por isso mesmo, me dedico a descrever aqui.

Apesar de ser macho e fêmea, vi machos efeminados e fêmeas masculinizadas. Nenhum ser vivo repetia tal proceder, e a isso, esse mesmo homem, chamava de amor.

Nesse mundo, a vida dependia do sol, do oxigênio e da água, mas ainda que ciente de sua plena e vital dependência, o homem aqueceu sobremaneira a temperatura de seu mundo, tornando o sol insuportável. Ele desmatou milhões de hectares e perdeu a qualidade do ar que respirava, desperdiçou irresponsavelmente sua água e não cuidou de sua renovação. E o mais incrível: tudo isso ele fez em nome de suas ambições por poder e riquezas.

Nesse mundo, havia uma linda forma de associação, que se chamava família. Sem ela, sociedades inteiras poderiam ruir. Mesmo assim, o homem criou substâncias que ele mesmo chamava de "drogas", sob as mais diversas formas e com os mais devastadores efeitos, as quais dizimaram milhões, estimularam violências animalescas e pulverizaram toda a estrutura familiar.

Nesse mundo, as pessoas podiam ir livremente e sob o amparo da lei, aos estabelecimentos comerciais com o fim de adquirirem dois lastimáveis produtos. Um deles se chamava álcool e o outro cigarro. O primeiro é a principal causa da violência doméstica e de mortes no trânsito. O outro, possui mais de 4.700 substâncias tóxicas, causando dependência física e psíquica, e matando mais gente por ano do que todas as guerras reunidas. Vi pessoas ostentando esses produtos como símbolo de alegria e charme e vi também até propagandas estimulando o crescimento de seu consumo.

Nesse mundo eu vi pais violentando suas próprias filhas, vi maridos agredindo as mães de seus filhos.

Eu vi mães gerando filhos como fazem os cães, e como nem os cães o fariam, eu as vi abandonando seus recém-nascidos em lixões ou nas águas poluídas de córregos de esgoto.

Eu vi adultos usando criminosamente crianças para ganhar dinheiro sujo, e nesse mesmo mundo, os pequeninos e os velhos são espancados pelas mesmas pessoas que deveriam lhes proteger.

Eu vi governos investindo bilhões para fabricação de armas mortais ou para a investigação de outros planetas, preferindo permitir que a fome matasse milhões de semelhantes do seu próprio planeta.

Nesse mundo, honestidade simboliza falta de inteligência; governar, julgar e legislar sintetizam saquear riquezas e sonhos de gente comum; mata-se pessoas com armas de fogo e com canetas de ouro; julga-se o valor humano pela robustez de sua conta bancária; brincar com sentimentos alheios é diversão; presídios são prerrogativas de negros e pobres; não há leis que alcancem os abastados; o tratamento se baseia na cor da pele; as boas escolas só abrem os portões para a legitima nata burguesa; somente as elites dominantes têm direito a uma mesa farta; pais de família humildes não são dignos de um teto decente para abrigar os seus; crianças pobres não têm direito a brinquedos, pois papai noel não visita barracões de favelas.

Nesse mundo que vi, os prazeres podem ser comprados, assim como a dignidade humana; alguns lançam seu luxo no lixo e outros disputam com ratos o resto; ricos adoecem e vão para hospitais e pobres caem em balcões de açougue; novelas ditam posturas comportamentais e a mais triste de todas as cenas da vida real se repete sem último capítulo, a saber, a miséria.

Eu jamais vou esquecer esse sonho. Prefiro me manter acordado e não voltar a dormir, pois corro o risco de sonhá-lo novamente. Mas ainda bem que esse mundo não existe...não é mesmo?

Agora preciso encerrar, papai noel está chegando...

Reinaldo Ribeiro
Enviado por Reinaldo Ribeiro em 24/12/2007
Reeditado em 26/08/2008
Código do texto: T790683
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.