ODE AOS POETAS DO MUNDO

«À RECONQUISTA DO MUNDO»

I – DIAGNÓSTICO

Palavras e palavras, vagas de palavras

Enredam e obscurecem o genuíno Mundo

Que ano após ano agravam o seu mal profundo

Tornando as puras almas em banais escravas.

É inútil recordar as intempéries bravas

Que ameaçam torná-lo ainda mais imundo

Cavando à sua roda um abismo sem fundo

De infaustas sombras e de esperanças cavas.

É urgente e é a hora, sem tirar nem pôr,

Dum são aprontamento, em coração-magia,

Que lavre a terra com palavras de Poesia

Vestidas de paixão, de sonho e de vigor.

Sabemos, todavia, qu´ é dura esta viagem

“Muitos são os chamados, poucos os escolhidos”

E também muitos os segredos escondidos

P´ lo que se impõe a ousadia e a coragem.

O mundo-Éden transformou-se em aridez

E os chacais sobrevivem por aí a esmo

Importa, outrossim, reconquistá-lo mesmo

À sombra poética da humana honradez!

*

II – MAR BRAVIO

Eia, às armas! Mas onde é que estão as armas?

Nos navios que partiram, de Argos, de Jasão,

No velo de ouro defendido pelo dragão

Urgindo arrostar num mar de vivas calmas?

Eia, ó espadas! Mas onde é que estais espadas?

Nos bravos esquadrões de Coração-de-Leão,

Naquele Graal sagrado de Excalibur na mão

Urgindo cavalgar no dorso d´ éguas aladas?

Ó mar bravio, ó armas, ó espadas doentias,

Que afrontais um combate de aguerridas fúrias,

Abandonai de vez vossas tristes lamúrias

E trazei até mim mais versos e poesias.

Velo de ouro, graal sagrado, meus dilemas

E dentro deles, porém, um coração bravio,

Quero fazer de vós o mais nobre desafio

E que esta espada-pena escreva bons poemas.

E se para tanto eu não tiver engenho e arte

E não puder cantar o meu discreto fado

Trazei-me, ó Musas, um talento renovado

Pra fazer da Poesia um eterno baluarte!

*

III – DOS INIMIGOS

Onde é que estão os teus inimigos, ó Poesia?

Onde é que está a máscara da tua inconstância,

E onde se esconde a razão da tua ignorância:

Nas cavas emoções dum´ alma em fantasia?

Teus inimigos são horrores de ventania,

Que sopram pelas brechas desta minha errância,

Triturando, nos mares da dura militância,

O ignóbil Adamastor da loucura e d´ apatia.

Teus inimigos, senhores da abjecta guerra,

Nunca hesitam em incendiar pela violência

E tenaz raiva contra a cultura e a decência,

Favorecendo o miserabilismo pela terra…

Há ventos de ódio, de invejas e alçapões,

Há armadilhas traiçoeiras e repelentes,

Que não s´ inibem de coroar as suas mentes

De versos engendrados pelos vendilhões.

Ó casta e inocente Poesia, que vagueias

Desde há muito pelos inóspitos desertos,

Não te deleites p´ las lentilhas dos espertos

E colhe decidida os frutos que semeias!

*

IV – DOS FACTOS

Se um verso, quando só, azeda muita gente

Mais que um verso, por certo, azeda muito mais;

E se uma quadra, para alguém, já é demais

Que fará um poema qu´ o é mais abrangente?

Se um só “soneto acrescentado” é delinquente

Por ter catorze versos ou um pouco mais;

E se houver outros poemas ditos “informais”

Rasgam-se impropérios à poesia irreverente…

Se um epigrama ou uma ode já é uma seca

E uma perda de tempo, além dum desconcerto;

Que fará uma elegia ou qualquer excerto

Que conduza a Epopeia entre Ceca e Meca?

Se um verso é solto ou branco – o que tanto faz –

Ou s´ é um dístico ou trístico, ou sei lá o quê;

Que fará um haicai, que em poema se não revê,

Crescendo ao deus d´ Ará rebelde e contumaz…

Poeta que te crês, vai por aí de rua em rua,

Leva a tua bandeira, leva o teu troféu;

Percorre todo esse mundo, desde a terra ao céu,

E terás, como triunfo, a «glória» sempre tua!

*

V – SOLAR DOS AMORES

Depois do bom combate é a hora do descanso:

Curar feridas é uma tarefa crucial,

Harmonizar as emoções é fundamental

Retemperando forças em edílico remanso.

Depois do bom combate há que fazer balanço

Num equilíbrio justo entre o bem e o mal;

Limpar a alma de algum erro acidental

E preparar o espírito na gesta a que me lanço…

Despido o bom herói de todas estas dores,

Curadas as esperas, agrestes e confusas,

P´ la convivência pura co´ as divinas Musas,

Ouvir-se-ão cânticos neste Solar d´ Amores.

À conquista do Mundo com poesia nova,

Aquela Poesia repleta de esperança

Num horizonte de liberdade e confiança,

Eis o maior prazer e gozo a toda a prova.

Calem-se de Virgílio – os seus poemas sãos –

De Dante e de Camões e tudo o que deixaram;

E, porque outros ditosos cantos se recriaram…

Eia, ó Poetas, o Mundo está em vossas mãos!

*

VI – AVÉ, POESIA-MUNDO»

E tu, Poesia minha, qu´ és fiel contraforte

Para este Mundo que hoje enferma de doença –

Sem ter, para ela, uma mezinha que a vença –

Não permitas dos loucos o seu vil recorte.

Jamais te deixes embalar p´ la ignóbil sorte

Das palavras amorfas, sem vida e sem crença,

E voa nas asas da alma com tenaz presença

À luz perene duma fé e de um seguro Norte…

Tu, ó Poesia, estás em tudo o que nos rodeia,

Desde as ínfimas ervas até aos arvoredos,

Desde as planícies até às serras e aos rochedos,

Desde as orlas do mar… aos ares da minha aldeia.

Tu, ó Poesia, habitas na alma do Povo,

Desde as cabanas até aos palácios da Cidade,

E passeias, de rua em rua, em liberdade

Anunciando a esperança de um Mundo Novo…

Sim, ó Poesia, só tu tens o condão profundo

Para seres o farol, a claridade e o guia

Dos seres humanos, tão carentes de harmonia…

Avé, ó Poesia! Só tu és a Poesia-Mundo!

Frassino Machado

In INSTÂNCIAS DE MIM

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 03/09/2020
Reeditado em 03/09/2022
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