Nosso mundo, nossa casa*

A palavra oikos, em grego, quer dizer exatamente isto: casa. Daí o termo ecologia (oikos + logia). Pensar sobre ecologia é semelhante ao pensar a própria casa. Por isso, no Dia Internacional do Meio Ambiente (05.06.2009), desejo firmar a idéia de que nosso mundo é o nosso grande lar. E, em homenagem a esta data, proponho relembrar aqui o discurso de Severn Cullis-Suzuki, feito na ECO 1992, no Rio de Janeiro.

“Olá, eu sou Severn Suzuki

Represento, aqui na ECO, a Organização das Crianças em Defesa do Meio Ambiente. Somos um grupo de crianças canadenses, de 12 e 13 anos, tentando fazer a nossa parte: contribuir. Vanessa Sultie, Morgan Geisler, Michelle Quigg e eu. Foi por meio de muito empenho e dedicação que conseguimos o dinheiro necessário para virmos de tão longe, para dizer a vocês, adultos, que têm que mudar o seu modo de agir.

Ao vir aqui, hoje, não preciso disfarçar meu objetivo: estou lutando pelo meu futuro. Não ter garantia quanto ao meu futuro não é o mesmo que perder uma eleição ou alguns pontos na bolsa de valores. Estou aqui para falar em nome das gerações que estão por vir. Eu estou aqui para defender as crianças que passam fome pelo mundo e cujos apelos não são ouvidos. Estou aqui para falar em nome das incontáveis espécies de animais que estão morrendo em todo o Planeta, porque já não têm mais aonde ir. Não podemos mais permanecer ignorados.

Eu tenho medo de tomar sol, por causa dos buracos na camada de ozônio. Eu tenho medo de respirar este ar, porque não sei que substâncias químicas o estão contaminando. Eu costumava pescar em Vancouver, com meu pai, até que recentemente pescamos um peixe com câncer... e agora temos o conhecimento que animais e plantas estão sendo destruídos e extintos dia após dia... Eu sempre sonhei em ver grandes manadas de animais selvagens, selvas e florestas tropicais repletas de pássaros e borboletas, e hoje eu me pergunto se meus filhos vão poder ver tudo isso...

Vocês se preocuparam com essas coisas quando tinham a minha idade? Tudo isso acontece bem diante dos nossos olhos e mesmo assim continuamos agindo como se tivéssemos todo o tempo do mundo e todas as soluções.

Sou apenas uma criança e não tenho todas as soluções, mas quero que saibam, que vocês também não têm... Vocês não sabem como reparar os buracos na camada de ozônio... Vocês não sabem como salvar os peixes das águas poluídas... Vocês não podem ressuscitar os animais extintos... E vocês não podem recuperar as florestas que um dia existiram e onde hoje é um deserto... Se vocês não podem recuperar tudo isso, por favor, parem de destruir!

Aqui vocês são os representantes de seus governos, homens de negócios, administradores, jornalistas ou políticos, mas, na verdade, vocês são mães e pais, irmãos e irmãs, tias e tios e todos também são filhos...

Sou apenas uma criança, mas sei que todos nós pertencemos a uma sólida família de 5 bilhões de pessoas [em 1992] e, ao todo, somos 30 milhões de espécies compartilhando o mesmo ar, a mesma água e o mesmo solo. Nenhum governo, nenhuma fronteira poderá mudar esta realidade.

Sou apenas uma criança, mas sei que esses problemas atingem a todos nós e deveríamos agir como se fôssemos um único mundo rumo a um único objetivo. Eu estou com raiva, eu não estou cega, e eu não tenho medo de dizer ao mundo como me sinto.

No meu país geramos tanto desperdício, compramos e jogamos fora, compramos e jogamos fora, compramos e jogamos fora... E nós, países do norte, não compartilhamos com os que precisam. Mesmo quando temos mais que o suficiente, temos medo de perder nossas riquezas, medo de compartilhá-las.

No Canadá, temos uma vida privilegiada, com fartura de alimentos, água e moradia. Temos relógios, bicicletas, computadores e aparelhos de TV. Há dois dias aqui no Brasil, ficamos chocados quando estivemos com crianças que moram nas ruas. Ouçam o que uma delas nos contou: ‘Eu gostaria de ser rica, e, se fosse, daria a todas as crianças de rua alimentos, roupas, remédios, moradia, amor e carinho...’

Se uma criança de rua, que não tem nada, ainda deseja compartilhar, por que nós, que temos tudo, somos tão mesquinhos?

Não posso deixar de pensar que essas crianças têm a minha idade e que o lugar onde nascemos faz uma grande diferença. Eu poderia ser uma daquelas crianças que vivem nas favelas do Rio, eu poderia ser uma criança faminta da Somália, ou uma vítima da guerra no Oriente Médio, ou, ainda, uma mendiga na Índia...

Sou apenas uma criança, mas sei que se todo o dinheiro gasto nas guerras fosse utilizado para acabar com a pobreza, para achar soluções para os problemas ambientais, que lugar maravilhoso seria a Terra!

Na escola, desde o jardim da infância, vocês nos ensinaram a sermos bem comportados. Vocês nos ensinaram a não brigarmos com as outras crianças, resolvermos as coisas da melhor maneira, respeitar os outros, arrumar nossas bagunças, não maltratar outras criaturas, dividir e não ser mesquinhos... Então, por que vocês fazem justamente o que nos ensinaram a não fazer?

Não esqueçam o motivo de estarem assistindo a essas conferências e para quem vocês estão fazendo isso. Vejam-nos como seus próprios filhos. Vocês estão decidindo em que tipo de mundo nós iremos crescer. Os pais devem ser capazes de confortar seus filhos, dizendo-lhes ‘Tudo vai ficar bem, estamos fazendo o melhor que podemos, não é o fim do mundo...’, mas não acredito que possam nos dizer isso: ‘Nós estamos em suas listas de prioridades’.

Meu pai sempre diz: ‘Você é aquilo que faz, não o que você diz’. Bem, o que vocês fazem, nos faz chorar à noite... Vocês adultos dizem que nos amam... eu desafio vocês: por favor, façam com que suas ações reflitam as suas palavras. Obrigada!”

Que as palavras ditas por essa que, à época, era apenas uma criança, abra-nos os olhos e nos ajudem a pensar e a agir para superar nossas limitações no trato das coisas do meio ambiente. Nosso mundo, a nossa casa, merece. A bem da verdade, nós é que merecemos a manutenção da promessa da vida, abundante, bela e à altura de nossa dignidade.

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* Publicado pelo Diário da Manhã, dia 13.06.2009, p. 12.