Eu nunca vi

Wilson Correia*

No voo da existência, não dá para não ter esperança quando a vida se renova com o nascimento do menino, da menina. Não dá para ignorar os porquês que esse menino e essa menina vão pronunciar para nos instigar a renovar a nossa sã sabedoria.

No voo da vida, não dá para não admirar, e mesmo se espantar, com as novidades que crianças realizam para nos mostrar que o novo pode ser uma forma de não deixar o mundo cair na mesmice. Não dá para não considerar o crisol por que passa a adolescência.

Voando vida afora, como fazer olhos furados para os arroubos da paixão, para o entreter-se com o ninar do amor, para as ciladas da rotina, para os cansaços do conviver, para as alegrias do compartilhar e para o plano de se estender no outro com o intuito de acolher?

No voo da vida, não dá para não se deixar tocar com a lucidez da loucura a rasgar a normalidade do “tudo igual”, com a beleza da diferença na igualdade e com a sabedoria curtida com que a velhice premia aqueles para os quais viver é mais do que respirar.

Não dá para não entender que a vida é uma escola, e que, nela, aprende-se pelo amor ou pela dor, quando possível, mediante escolha personalíssima de uma ou outra via. Sim, a vida é uma mestra implacável, e tudo o que não dá mesmo é para não tentar entender as lições que ela ministra.

Na esteira desse voo, não dá para não dizer “obrigado”, “parabéns”, “com licença” e “por favor”, entre tantas outras delicadezas que cimentam o agir em comum. Há uma sutileza da presença que constrói e não pesa em nossa bagagem, não cobra taxa ou imposto.

Não dá para não perceber que viver a vida em seus momentos oportunos é uma sábia decisão; como não dá para, nas aterrissagens inevitáveis no campo da existência, plantarmos limão onde queremos cultivar laranja. Nunca vi bananeira produzir maçã. Eu nunca vi!

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.