O SUJEITO

Relembro minha mãe há uns 05 anos atrás, estava sentada no sofá azul da sala, cabelos brancos como a nuvem, pele tenra, olhos ofuscando na vivacidade reluzente.

Assim que abri a porta da sala, seu coração se transbordou de felicidades, e a mesma fala se repetiu:

- Minha filha, mas que saudades!!!

E nesses instantes eu sentia sua saudade no meu ombro molhado que ela deixava.

Abracei-a, pedi a benção como sempre, e sentei-me ao seu lado, ficando a ouvir seus contentamentos e lamentações. Ela reclamava muito de dor na perna esquerda, insisti para leva-la ao médico, mas relutou.

Ficamos ali, conversando, sorrindo brincando. Voltei para casa no dia seguinte, pois tinha que retornar ao trabalho, quando então recebi um telefonema de que ela foi levada às pressas para o hospital. Larguei tudo e corri ao seu encontro, e foi quando me deparei com um quadro de início de um derrame, inesquecível.

Ela se contorcia facialmente, e daí começou a minha saga.

Por várias e várias vezes retornamos com ela para o hospital, e eu via seu quadro a cada semana, se agravar, e eu assistia a tudo, impassível e impotente. Nesses momentos passava o quadro em minha mente como um filme, de quando ela saía de sua cidade, viajava uns 350 km para nos levar uma sacola cheia e pesada de verduras, para mim, meu marido e meus filhos. Senti naquele instante a alegria em seus olhos de poder rever seus entes queridos, e era desta forma que ela demonstrava seu imenso amor por nós .

Certa feita, fui visita-la em sua casa e a vi descompensada, xingando todo mundo ( coisas que ela nunca fez ), a vi esquecendo o nome das pessoas, das que lá estiveram, do que havia comido...Estarrecedor!

De uma outra vez, a encontrei na porta de sua casa, aos prantos, porque sua mãe havia morrido e ninguém lhe avisou...

Fui ao seu quarto ela estava deitada e me perguntava por que eu nunca ia visita-la.

Olhei para o lado e dei de cara com o sujeito que decidiu por conta própria ir morar com minha mãe, não bateu na porta, não perguntou se podia, se devia, absolutamente nada.

Simplesmente adentrou sorrateiramente em nossas vidas, e por certo para nunca mais sair.

Hoje quando a visito, fico a me perguntar o que foi feito da mulher daquelas verduras? O que foi feito daquela mulher, batalhadora, de garra? Por que ela permitiu uma invasão tão avassaladora? Cadê a minha mãe?

De que me adianta gritar hoje a este sujeito que eu preciso da minha mãe de volta?

Em vão... Ela se foi sem nenhum murmúrio... Sem nenhum adeus... Simplesmente se foi...

Esse sujeito não me deu tempo de agradecer a minha mãe por tudo, e nem ao menos dizer ,o quanto eu a amo, mesmo sabendo que ela nunca mais voltará...

Hoje a encontro de fraldas, com um saco de supermercado cheio de bagulhos e sua coberta, perambulando a procura de sua casa onde ela afirma que sua mãe que morreu há 50 anos, está a sua espera.

Olho para minha mãe, olho para o invasor... Quem pode mais?

Assim o tempo vai passando, e da última vez que a vi não senti seu coração saltitar de contentamento com a minha presença, mas senti o invasor delirante de felicidades.

Minha mãe chama-se Josina, o sujeito chama-se Alzheimer.