Mel e Dona Helena

Hoje no metro, sentei à frente de uma senhora, que logo me despertou alguma curiosidade, pensei comigo: “Lá está, a ler a bíblia logo de manhã, deve ta a passar por alguma dificuldade, não sei. Mas ainda hei-de ler, um dia, a bíblia por inteiro.”

Quando na estação seguinte, como um furacão, sem eira e nem beira, entrar uma senhora morena, baixa, magra, no máximo 40 anos. Acho eu que eram 40, ou menos e as mazelas da vida eram muitas.

Moça dona de uma voz rouca, nem sequer ouvia-se, pareciam sussurros. Põe-se em pé ao meu lado, e pouco que percebi ela dizia:

- Ajuda-me, ajuda-me que sou doente mental.

Com o vestido rosa enrolado entre as pernas, mangas enroladas ao deixar o sutiã a mostra. Continuava:

- Ajuda-me...

A senhora à minha frente, dá um sorriso, quase materno, como alguém realmente a queria bem. Quando a moça repara na bíblia aberta com a imagem de uma santa e logo diz:

-Olha que linda imagem a senhora tem aqui. Dá-me? Vou para França amanhã, posso levar a imagem? Sabe, pode dar também uma moeda, tenho fome. Quero moedas, não quero notas.

A senhora começa a revirar a bolsa atrás da moeda, e quando acha diz:

- Dou a moeda, mas a menina tem de baixar o vestido.

Acho tão bonito como aquela senhora quis dar alguma dignidade mesmo que momentânea à aquela moça. A moça abaixou o vestido prontamente, uma outra senhora sentada ao meu lado levantou-se, logo diz a moça:

- Deixa eu sentar, estou cansada, sou doente mental e estou cansada…

Nesse momento diz que é de família rica, mas a família não quer mais vê-la, que lhe roubaram 600 Euros e bateram, arrancaram-lhe um dente. Quando subitamente levanta, denovo como um furacão e diz:

- Tenho de sair, vou descer aqui.

Outra senhora nos bancos da frente, quer lhe oferecer algumas moedas também, mas ela, muita agitada não se dá conta disso, quando eu lhe chamo atenção. Ela pega as moedas, agradece, diz denovo que é doente mental e precisa de ajuda. Senta-se denovo ao meu lado. A senhora logo questiona:

- A menina sabe rezar?

- Sei sim! – Exclama com energia e continua – Pai Nosso que estais no céu…

- Não – diz a senhora – tem de rezar para Nossa Senhora. É ela quem cuida da família.

A moça levanta-se novamente, volta a sentar-se, diz: “Vou largar essa vida hoje. Hoje não, agora! Pronto, larguei!”. Que não vai mais ficar na rua. Vai para Coimbra, e depois para França. E a senhora, só abana a cabeça e olha, como se pudesse ver além do que eu via. Confesso que quando entrou, com uma flor em uma mão e uma sacola na outra, soltou a sacola no chão, e começou a dizer qualquer coisa que não entendia, logo pensei: “Lá vem mais um a chatear logo cedo.”

Então a senhora pergunta-lhe o nome e assim diz ela:

- Sou Mel, como mel da flor, como mel da abelha, M-E-L. E a senhora?

- Sou Helena.

Então, enquanto Mel levanta para sair, diz:

- Helena, também é o nome da minha irmã. – Até tive a impressão de que ela, naquele segundo foi levada para um tempo longínquo, onde pode ser que tenha tudo começado.

Então saí em disparada, diz que tem sair e se vai.

Olho para frente, quando dou conta, Dª Helena, tem uma lágrima já correr pelo rosto. Levanta-se para sair na estação seguinte, e a senhora a frente que também dado moedas diz qualquer coisa que não entendo e emenda:

- Eu sei como é, meu marido ontem também já não dizia nada com nada.

- Eles precisam de ajuda – Diz Dª Helena – Qual o nome do seu marido que vou rezar por ele também.

E saem as duas, e eu sigo meu caminho a pensar. Que um dia quero ser como a Dº Helena, e realmente compadecer com a dor do mundo e dos outros. Chatear-me menos com coisas que tem solução, e que tenho saúde e lucidez o suficiente para mudar aquilo que não gosto. E que se calhar, o mundo seria mais tranquilo, e mais justo, se houvessem mais “Donas Helenas” por ai. Que querem mesmo ajudar o próximo e sente suas dores como se fossem delas.