Uma oração para os novos tempos

Que honremos o fato de ter nascido, e que saibamos que não

basta rezar um Pai Nosso para quitar as falhas que cometemos

diariamente. Essa é uma forma preguiçosa de ser bom. O sagrado está

na nossa essência, e se manifesta em nossos atos de boa fé e

generosidade, frutos de uma percepção profunda do Universo, e não

de ocasião. Se não estamos focados no bem, nossa aclamada

religiosidade perde o sentido.

Que se perceba que quando estamos dançando, festejando,

namorando, brindando, abraçando, sorrindo e fazendo graça, estamos

homenageando a vida, e não a maculando. Que sejam muitos esses

momentos de comemoração e alegria compartilhados, pois atraem a

melhor das energias. Sentir-se alegre não deveria causar

desconfiança, o espírito leve só enriquece o ser humano, pois é

condição primordial para fazer feliz a quem nos rodeia.

Que estejamos abertos, se não escancaradamente, ao menos

de forma a possibilitar uma entrada de luz pelas frestas; que nunca

estejamos lacrados para receber o que a vida traz. Novidade não é

sinônimo de invasão, deturpação ou violência. Acreditemos que o

novo é elemento de reflexão: merece ser avaliado sem preconceito

ou censura prévia.

Que tenhamos com a morte uma relação amistosa, já que ela

não é apenas portadora de más notícias. Ela também ensina que não

vale a pena se desgastar com pequenas coisas, pois no período de

mais alguns anos estaremos todos com o destino sacramentado,

invariavelmente. Perder tempo com picuinhas é só isso: perder tempo.

Que valorizemos nossos amigos mais íntimos, as verdadeiras

relações para sempre. Que sejamos bem-humorados, porque o

humor revela consciência da nossa insignificância; os que não sabem

brincar, se consideram superiores, porém não conquistam o respeito

alheio que tanto almejam. Ria de si mesmo, e engrandeça-se.

Que o mar esteja sempre azul, que o céu seja farto de

estrelas, que o vinho nunca seja proibido, que o amor seja

respeitado em todas as suas formas, que nossos sentimentos não

sejam em vão, que saibamos apreciar o belo, que percebamos o

ridículo das idéias estanques e inflexíveis, que leiamos muitos livros,

que escutemos muita música, que amemos de corpo e alma, que

sejamos mais práticos do que teóricos, mais fáceis do que difíceis,

mais saudáveis do que neurastênicos, e que não tenhamos tanto

medo da palavra felicidade, que designa apenas o conforto de estar

onde se está, de ser o que se é e de não ter medo, já que o medo

infecciona a mente.

Que o nosso Deus, seja qual for, não nos condene, não nos

exija penitências, seja um amigo para todas as horas, sem subtrair

nossa inteligência, prazer e entrega às emoções que nos fazem

sentir plenos.

A vida é um presente, e desfrutá-la com leveza, inteligência e

tolerância é a melhor forma de agradecer, aliás, é a única.