Dores morais

Há algum tempo, venho observando mudanças, um tanto radicais, no meu modo de ser. Passei a me observar com mais atenção, passei a vigiar minhas atitudes e reações, diante de certas situações. Procurei esclarecimentos através da leitura.

Não gosto de chavões. É comum rotular-se pessoas que mudam hábitos e atitudes costumeiras, de desequilibradas, depressivas, influenciadas.

Pregamos a necessidade da Reforma Íntima. Pensamos que existe uma fórmula mágica para que isso aconteça? Pensamos que ela virá, assim, pelo simples desejo que isso se realize? Doce engano.

O primeiro passo para iniciarmos essa longa viagem, é o mergulho para dentro de nossa intimidade mais profunda, é o rasgar de véus, é o arrancar de máscaras. É necessário enchermos bem os pulmões, porque o mergulho é profundo. Não somos capazes de imaginar o tamanho da bagagem que guardamos, quantas fantasias carregamos, desde a criação de nosso espírito.

Essa viagem acarreta dores. E isso não é doentio. No livro “Reforma Íntima sem Martírio”, a autora espiritual Ermance Dufaux afirma que não há reforma íntima sem dores. Isso me aliviou, diante do que venho sentindo.

A primeira dor é provocada pela descoberta de nossas imperfeições, que guardamos sob as máscaras mais diversas e, como Fernando Pessoa diz em sua poesia “Tabacaria”, “Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara”. Descobrirmos o eu real, descobrirmos que não somos aquela que pensávamos ser, é doloroso.

A segunda dor sentimos, quando iniciamos essa jornada em busca do nosso eu real, do auto-conhecimento e as pessoas com quem convivemos, passam a nos ver com olhos estranhos, desconfiados. Como não somos quem pensamos ser, nem quem os outros pensam que somos, descobrem em nós, um desconhecido e se afastam, assustados.

É o momento em que mais necessitamos dos amigos. Quando nos fragilizamos diante da descoberta de que nosso eu ideal é uma criação da nossa necessidade de conviver em uma sociedade, que tem dificuldade de aceitar as pessoas autênticas.

Quando começamos a rasgar nossas máscaras, a assumirmos nossa real personalidade, a não aceitarmos mais papéis impostos, passamos a ser incômodos. Criamos situações que contrariam as regras pré-estabelecidas.

Estou abandonando a postura passiva de criadora-expectadora, de armar o espetáculo e, quando da estréia do mesmo, perambular pelos corredores e camarins, verificando se está tudo no lugar, se está tudo correndo da melhor maneira, para que o espetáculo seja um sucesso e os atores recebam o aplauso, como se só deles dependesse.

Decidi fazer me respeitar, respeitando-me, tendo consciência de meu valor, de minha competência, saindo da sombra sem, no entanto, desejar fazer sombra a ninguém. Desejo apenas meu espaço, aquele a que tenho direito, tanto quanto qualquer pessoa o tem. E isso significa que talvez, agora eu esteja despertando para o equilíbrio da minha auto-estima, ao contrário do que possa parecer. Preciso sentir-me segura de mim. Apesar dos outros. Não são os elogios que preencherão minhas necessidades de afirmação, mas sim, a certeza de que sei fazer e farei, esperando apenas a minha oportunidade.

Prossigo minha jornada em busca de mim, do meu eu real, sem medo do que encontrarei, porque sei que conseguirei administrar a retirada, lenta e gradual das máscaras de proteção que criei através de inúmeras reencarnações.

Meu conselho a quem ainda não despertou, é que comece a se preparar o quanto antes. Quanto mais exitamos em aceitar nossas imperfeições, mais dolorosamente se farão as descobertas. Prestar atenção às críticas e reprovações que recebemos, é uma forma de começarmos o mergulho inicial.

26/04/2007