HÁ SE O DEFUNTO FALASSE.

HÁ SE O DEFUNTO FALASSE..

De: João Batista de Paula- Escritor e Jornalista.

Palavra do Profeta:

Não tenho mais como me materializar.

Não tenho mais como sair deste buraco.

Quando eu era vivo sabia que do fundo do poço a única saída era para cima; e hoje, neste buraco, que foi tão bem medido, num espaço tão limitado, que coube a mim, não tenho como subir ou descer.

A sorte é que cheguei a seguinte conclusão: Para que passar a vida fazendo dieta, se você vai ter a eternidade para ser só osso.

- Não tem como renascer das cinzas.

-Não tem como emagrecer e nem engordar.

-Não tem como sair do buraco e voar.

O meu destino é mesmo esse buraco.

Aí de mim, que buraco apertado.

Aí de mim, que nem pensei que viraria pó.

Aí de mim, que nem pensei que terminaria só.

Aproveite o máximo da vida, tire as minhocas da cabeça, porque seu fim será também um buraco.

A entrada e a saída da vida é igual para todos: num buraco.

Com todo respeito aos mortos, mas vamos imaginar o que um mortinho da silva, se pudesse falar, o que ele falaria. Embora, minha mãe tenha dito: Que morto não fala, porque já perdeu a língua, a língua já endureceu e já criou formigas.

Se defunto falasse eu acho que ele dizia o seguinte: Se quiser chorar, podem chorar, porque vou deixar saudade, muita saudade. E é mentira que o homem é descendente de Macaco, se não eu estaria de galho em galho. O homem é descendente do Tatu, que adora um buraco, foi onde eu vim parar.

- Não se matem por causa da herança, logo vocês serão iguais a mim.

- Se eu pudesse falar ou gritaria em voz alta; estaria reclamando do serviço mal feito dos coveiros, porque fizeram um buraco muito apertado para mim. E olha que sempre olhei a vida por um buraco, um orifício pequeno, achando que o universo era tão grande.

- Reclamaria dos que estão rindo ao invés de dançar, cantar, em meu funeral. Eu só queria alegria!

- Deixo minha dentadura para a vovó, deixo meus óculos para o vovô, deixo meu sapato para o titio, deixo minha camisinha para o primo e a bengala para quem quiser.

- Meu povo viva mais, aqui tudo fica frio, escuro, inércia, em calada podridão.

- Eu poderia ter amado mais, dado mais, ter dado em casa, ter brincado de esconde e esconde, troca -troca, pois até meu anel se foi nesta escuridão; imagine, meu carretel. Hoje estou aqui e ninguém me acha.

Ele diria: Esqueci de trazer a extensão da luz do fim do túnel para cá.

Se defunto falasse, ele diria: “Bonfim” teria sido meu nome; “ boamorte” ; e “Vai e não volta” os meus apelidos.

E, minha cidade predileta, teria sido: A Cidade dos Pés Juntos.

Aqui, neste buraco, que não é tão grande e nem tão profundo, acabam-se: a vaidade, o orgulho, a arrogância, a ambição, o autoritarismo, a opulência, a raiva, a ostentação, o poder, a aparência, o modismo.

João de Paula
Enviado por João de Paula em 21/07/2014
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