PÉS EMPOEIRADOS

“Pés empoeirados é conquista de uma chegada estreitada nos quilômetros desafiadores da existência”. JM

A estrada a que fomos indicados para a competição do viver, é percurso desconhecido contendo surpreendentes descobertas. Conduzem nossos passos encarregando-se para que todos sobre si deixem suas marcas e levem consigo uma prova de que por ali passaram. Não importa se asfaltadas ou de barro batido, existirá poeira sufocante ou meros cristais que ferirão o pisar. O surgir da poeira se dá ao primeiro impacto do calcanhar na ânsia de devorar a extensão confiada. Ao toque com a terra a liberdade dos pés é exercida com serventia.

Não havendo mapas topográficos, setas ou placas instrutivas. A jornada simplesmente se conduz no andar moldada a paciência para o final de essa estrada alcançar. Nesse palmilhar os músculos enrije-se por lei natural para receber os ventos tempestuosos.

É nas subidas em busca das montanhas, é nas descidas em busca dos vales ou mesmo no plano sinuoso, que o vácuo estonteador permite ao vento travar através da velocidade excessiva, os pés do andarilho. E nessa sua impetuosidade, são eles tatuados com o pó do temor, mas, os braços quais pêndulos equilibram os passos, ainda que resvalados nas areias, nas pedras pontiagudas ou nos declives do caminho. E assim, a caminhada prossegue nesses pés contaminados das indagações, vias que os espreitam ante a sombra absorvida de sua marcha. Mal se apercebendo que os minúsculos cristais contidos na poeira, multiplicam-se formando lençol infinito na trilha a vencer. São dunas que se avultam na cumplicidade com o vento, cansando-os, calejando-os sob o sol escaldante das incertezas. É nessa poeira aderente aos pés do andarilho, que se deflagra a fé e a coragem do prosseguir na jornada.

As pegadas marcadas nesse mundo areal flagram personagens emigrantes de uma pátria desestabilizada no seu limite; o nosso próprio íntimo. Atordoados, a bipolaridade invisível torna-se visível nas horas que consomem o corpo cansado. O humor é uma variável nas margens já sem graça. Pensamos ver miragens. Tornamo-nos gangorras de vales, campinas e montes. Com passos pesados, os pés empoeirados se veem inchados. Os quilômetros percorridos retiram-lhe as forças na subida íngreme. Não mais andam, arrastam-se, deixando rastros deformados de passos antes firmes.

A via crucis nesse deserto, força risos debochados e os pés empoeirados ardem. A troca do chegar ao propósito, pelo caminho das areias. (E existe outro?) fomenta a prudência. Os passos em ritmo originam sons que unidos com as batidas do coração e sem maestria, vibram o frio da certeza de estarem sozinhos.

Há um silêncio forçado por não haver com quem dialogar. O caminho é solitário. O alvo é o porto seguro com rota passando pelo poço.

Olhar para trás, nunca. Passos dados não são mais recuperados. Agora, a poeira em espessura, forma camada escudo contra os insetos. Porém, a marcha agora é lenta. O peso das areias não permite agilidade. O olhar não mais fixa a direção final da estrada, fixa a imensidão do céu procurando uma nuvem protetora. Uma brisa sopra. O vento voltou. Desta vez trás a chuva. Encharcados, os pés empoeirados, agora vislumbra refrescante alivio nas águas mornas aquecidas pelo sol que se pôs. Na espera da alvorada, os pés são enxutos sem de a poeira despir-se. Debilitada a resistência, falta-lhe a visibilidade. A estrada terminou.

É assim o ponto final de toda a caminhada nesta existência, pés empoeirados dos vestígios da estrada.

Água Fria, 18 de janeiro de 2015 – 00h27.