Senta que lá vem história...
Não é segredo para ninguém que meu percurso de ida e volta para o trabalho é a cracolândia.
Já me acostumei tanto a desviar de zumbis, que confesso que para mim eles também eram invisíveis...
Digo eram, porque hoje algo mudou.
Sempre paro na mesma banca de jornal e hoje não foi diferente... já fui abordada agressivamente por ali, mas nunca fui assaltada nem molestada.
Hoje eu ouço um grito: Moça, me dá licença por favor... e um jovem com uma pedra na mão... gelei...
O alvo não era eu, era um senhor que bateu ou esbarrou nele no caminho e derrubou seu bem mais precioso: Um livro.
Fiquei meio petrificada e tentei continuar sem me importar... mas confesso que parei e olhei... a discussão terminou, ele correu e me alcançou.
Não, ele não me pediu dinheiro, não me assaltou, mas pediu que eu o ouvisse um pouco e, nos 10 minutos até a estação Júlio Prestes me contou abreviadamente sua história.
Seu pai matou sua mãe na sua frente, quando ele tinha 9 anos... foi criado por uma vizinha, que morreu a um ano.
Homossexual, desde então vive nas ruas da cracolândia, e, pelas palavras dele: Nunca roubei par ao crack, eu me prostituo para manter meu vício.
Ouvi, e perguntei se ele não queria mudar de vida, no que ele me diz, pra que? Quem vai ajudar um viciado e viado?
Falei, e as igrejas? As que vejo sempre fazendo orações entre eles? Disse que é discriminado.
Eu tinha que ir, meu coração ficou apertado de angústia... pedi que, se aparecesse ajuda, que ele aceitasse, que era muito jovem e bonito e merecia uma vida melhor, uma oportunidade... que a vida dele já era triste antes, mas nas ruas, pior.
Em nenhum momento ele tocou em mim, não pediu nada, apenas um bom ouvido e foi o que eu pude oferecer...
Avisei que passo todos os dias por lá, e me despedi, com o coração ao mesmo tempo apertado e aliviado.
Agora, vou andar sempre com um bom livro a mais na bolsa, e assim que o encontrar, entregar a ele, pois toda a fúria de hoje foi por um livro.
O nome dele é Mateus. Se encontra-lo, não fique com medo.
Tem muitas pessoas como ele, perdidas nessa merda que é o crack.
As vezes, só ouvi-los, faz com que se sintam humanos novamente, não zumbis.
E eu fui embora chorando por ele...