Malditos
 
 
 

Não vou dar uma aula a respeito da Poesia Maldita, se é o que você estava buscando. Tampouco vou dar uma lista daqueles que ficaram conhecidos, dentre os Românticos, como Poetas Malditos. Qualquer um pode pesquisar a respeito no Google, se bem que eu aconselharia você a evitar a Wikipédia.
 
E a que me proponho, então? Eu me proponho a mostrar de onde vem a Arte Maldita. Que o  conceito “Maldito” na verdade não se restringe àquela lista de poetas românticos dos anos 1800. Alguns autores foram esclarecidos o suficiente para perceber isto, ou seja, que o termo é atemporal, e se estende a todas as manifestações artísticas além da poesia, como a prosa, o romance, a pintura, escultura, cinema, dança, música – de ontem e de hoje.
 
Mas o que faz um artista receber o epíteto de Maldito?

Para começar, sua obra sai do seu turbilhão perante um mundo que lhe é inaceitável, seja esse mundo um pós-guerra, uma sociedade acomodada, vazia e superficial, um sufocante governo totalitário, a inexistência de relacionamentos significativos.
 
Frente a tal pano-de-fundo, contudo, o Artista Maldito se levanta não como um revolucionário, um ativista esclarecido e esclarecedor.
 
Não. O Maldito não é um guia de cegos, um corajoso porta-voz de uma nova realidade, um inovador. Ele é aquele a quem a sociedade considera um ser “fraco”, “covarde”, “escapista”. Muitos cometem suicídio. A esmagadora maioria se afoga em bebida e drogas. Seus relacionamentos são todos destrutivos – geralmente com pessoas psicopatas, egocêntricas e de comportamento criminoso, e terminam invariavelmente em rejeição.
 
E por que seria isso? Talvez porque o Maldito não se considere merecedor de algo melhor, e tenha uma necessidade mórbida de autoflagelação. Ou talvez porque secretamente inveje as personalidades fortes e dominadoras.
 
Na verdade, a única coisa que redime o Maldito é sua Arte. A pessoa por detrás dela é desprezível, execrável, vil, e o mundo os aceita apenas porque não consegue negar o seu talento – se bem que, muitas vezes, venha a aceitar sua obra apenas post-mortem.
 
Não há palavras mais perfeitas que descrevam o Maldito do que o “Poema em Linha Reta”, de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa (o Maldito por excelência):


“Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida
(...)
Ó príncipes, meus irmãos,
- Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Seja como for, se você for estudar a vida dos Malditos, verá que todos eles se consumiram, buscando por meios de calar dentro de si a voz do tormento - inclusive Fernando Pessoa.
 
Na verdade, obra alguma sai de um espírito despreocupado e feliz.  Todo artista é atormentado. A diferença entre todos eles e o Maldito, entretanto, é que o Maldito não encontra escopo para esse tormento, mesmo em sua arte. E por que seria isso?
 
Porque o Maldito é, acima de todas as coisas, um solitário, mesmo quando cercado de gente, de admiração, de bajulação.
 
Talvez o Eterno tenha separado esses seres para que eles mostrassem ao mundo, como em um espelho, o fruto do egoísmo, do separatismo e da ignorância.
 
O mundo, contudo, não quer ver a própria face. Assim, os homens rejeitam o espelho Maldito, e revestem a obra de respeitabilidade...
 


 

 
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 17/10/2016
Reeditado em 09/02/2020
Código do texto: T5794272
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