Viajante

De Natal F Cardoso

Nas estrelas, os espaços são contínuos eu sinto que estou viajando dia a dia, passo por vidas de pessoas que já foram belas e acabaram tristes e murchas.

Há tanta fumaça no ar, há tanto lixo nos muros, as abelhas estão morrendo, os sinais de vida estão gastos.

A cada dia me transformo num ponto na imensidão, talvez seja melhor.

Talvez os deuses sintam-se em paz por ter-me jogado na terra, esperando que eu me multiplicasse e meus frutos podres destruísse a terra, não sei se viajo por não ter cumprido o prometido.

Vejo os homens que lançam gritos desesperados no ar, sinto medo de tornar-me um deles, escravos de desejos.

Prefiro ver os garotos tocarem fogo em seus lençóis, a se transformarem em cobaias numa cidade em expansão.

Prefiro que ratos os comam, a vê-los na porta de orfanatos aprendendo a lição dos tolos.

No espaço, tudo era limpo como no deserto, como o seio de uma mãe. Mais além, vi bobos sendo libertos e os estéreis sendo férteis, e quando o caos se aproximou ele apareceu tentando iluminar os corações, mas sua palavra roeu centenas de alimentos, seus gestos libertaram o ódio do capricho e foi impossível lutar contra os guardas.

Os gatos miavam numa triste sinfonia, enquanto isto em leitos secos de rios, crianças morriam. Os generais barbarizavam suas mães e suas filhas, e então as folhas se abriram mostrando suas entranhas sendo comidas por ratos.

Então o rico subiu no altar e gritou para o padre:

“veja onde vive e verá o inferno, pois quando morrer verá o céu”. O solo da guitarra que grita um grito esganiçado, alguém no palco contava uma história de um homem que não amava ninguém, um homem que não tocava em ninguém, um homem que tinha nojo do contato físico, pensava ele, estou livre dessas doenças, não afagou, não beijou, vocês já pensaram que homem triste?

Quando vejo alguém magro e jovem com aquele olhar triste me pedindo apenas um sorriso, eu viro o rosto e finjo que não é comigo. Que homem triste é esse que tem medo de suas emoções? É mais um homem que cresceu em um mundo hipócrita e não soube filtrar o sentimento bom, esse homem não sabe o que é o amor de Cristo, esse homem não pensa em seu semelhante. Que homem triste. O som continua alto e ensurdecedor todos escuta aquela historia muitos se identificam e conhecem alguém assim. A boca falante berra mais e mais alta, a boca cresce e agora todos estão ouvindo. A imensa boca enche todo o espaço com seu som rouco e triste. De repente o silêncio. Agora a música é triste e a boca grita rasgando o ar. E lá naquele canto como um saco de roupa suja, ele está só. Todos estão mortos e ele agoniza em meio a vermes, arrastando-se de encontro a paredes rachadas, os olhos cansados e tristes, observam o rosto pálido e murcho no reflexo da porta de vidro embaçada.

Quem é esse homem que não amou? Não tocou, não beijou ninguém. Que homem triste que não amou ninguém. Quem é esse homem que teve medo de ser feliz. Quem é esse homem que nunca abraçou alguém? Quem é esse homem que vai morrer do mesmo modo que os outros, magros e pálidos. Quem é esse homem só e magro, como outros que se foi com um sorriso no rosto, porque esse homem não sorri? Porque esse homem não sorri? E seu rosto é só um esgar de tristeza e arrependimento? Por que esse homem pensa em Cristo agora? Porque lágrimas caem desses olhos que antes eram frios e impiedosos?

Natal Cardoso
Enviado por Natal Cardoso em 17/04/2018
Reeditado em 19/04/2018
Código do texto: T6311502
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