“ELA” em a Passagem/Desligamento III

III

Desligamento do meu avô materno, 1994/1995 foi tão complexo, doloroso e triste, “mas” algo divino envolveu sua passagem, meu avô de nome Orlando estava senil, não falava mais, de passos curtos quando teve um acidente doméstico e quebrou o fêmur deixando-o acamado, a maior parte do tempo a sua esposa minha avó Jacy hoje também falecida quem cuidava dele, moravam nos fundos da casa da filha deles que é a minha mãe, ela trabalhava fora e eu dava os banhos, fazia as trocas da cama e no meu avô três vezes ao dia e minha mãe assumia a noite. No dia do falecimento do meu avô ao chegar na sua casa senti uma presença arrepiante e fria, apesar de morar numa cidade quente do interior de São Paulo, aquela manhã o ar parecia de inverno, estava denso,seco, frio, mas não era do clima do tempo, algo estava diferente naquela manhã, 6:30h. encontrei minha avó no tanque lavando as roupas do meu avô, ela reclamava pela sua vidinha árdua que nos últimos dias carregava, eu a cumprimentei e fui até o quarto onde meu avô se encontrava, as janelas estavam escancaradas e a brisa gelada tomava conta do ambiente, dei um beijo nele e percebi que estava gelado, como de costume enquanto preparava suas vestes, a troca da roupa da cama conversávamos, ou melhor eu conversava, ele apenas me seguia com seus lindos olhos verdes, oras fixava seu olhar, oras se perdiam no nada, a nossa conversa aquele dia foi um tanto que diferente, diria que até sinistra, não era uma conversa normal de uma neta para com seu avô, não aquele dia e foi assim: _Vamos nós de novo, o senhor está com frio? Claro que está! Também com essa janela escancarada, avó não tem pena do senhor mesmo, ohhh velhinha encrenqueira que o senhor foi se casar, a dona Jacy chega ser má às vezes. Calma vô não vou derrubar o senhor, não me aperta desse jeito, assim não vamos conseguir terminar de te trocar... É vô quem diria heim, que fim de vida, sua própria neta cuidando do senhor na cama, trocando e limpando suas vergonhas (genitálias), desculpa vô o que vou falar, mas se o senhor pudesse se comunicar diria que preferia a morte do que ter que ser cuidado por uma mulher e mais sua neta. Prontinho, deixa-me ajeitar o senhor para que fique quentinho e confortável. Seus olhos verdes límpidos me acompanhavam pareciam interagir com as minhas palavras. Ele não esboçava uma única palavra, nem aí de dor, ou medo, até aquele momento. Como quase que ritual de todas as manhãs dei a volta na cama, apoiei-me sobre seu corpo e dei-lhe um beijo de despedida, num movimento inesperado agarrando meu braço, fixando seus olhos nos meus, com voz embargada e fraca, quase que um sussurro, disse-me: “_Filha a partir de hoje sua mãe nunca mais vai beber”. Largou meu braço e voltou seus olhos para o nada e eu paralisada e assustada ao mesmo tempo com a revelação nem me atentei que meu avô tinha falado depois de meses sem dizer uma única palavra, como assim minha mãe vai parar de beber, meu Deus, como ele poderia saber, minha mãe era a pessoa mais honesta, guerreira, trabalhadora, humana que eu conhecia, mas ela sofria de um mal terrível, ela era viciada em bebidas alcoólicas desde quando eu era criança, o motivo real não sabia, apenas que aquele vicio vencia um ser humano incrível, esse mal causou grandes transtornos, feridas e cicatrizes nos familiares e nela mesmo, mas esse assunto é para outro capitulo, voltando, fui para minha casa e pensativa naquela revelação, não contei a ninguém, uma angustia tomou conta do meu peito, meu avô falou era bom, ou ruim, não sabia o que sentir a respeito, estava confusa, será que eu ouvi ele falar mesmo, não seria fruto da minha imaginação, passei o dia me torturando, 18:30h. meu irmão caçula chegou na minha casa em gritos, _a mãe está te chamando, o vô ta morrendo. Eu saí correndo, deixando tudo para trás, casa aberta, comida no fogo, marido no banho e filhos assistindo televisão, cheguei a tempo de ver os enfermeiros colocando meu avô no resgate, ele estava respirando com dificuldade, “ela” estava sufocando-o, “ela” era conhecida por muitos como a “sororoca da morte”, então naquele instante percebi que “ela” foi a companhia daquele tenebroso e estranho dia, meu avô veio a falecer horas depois no mesmo dia levando consigo o vicio alcoólatra da minha mãe. Depois desse dia minha mãe nunca mais colocou uma gota de álcool na sua boca. Revelei esse fato para algumas pessoas e para minha mãe um ano após a morte do seu pai, meu avô.

Yone Zero
Enviado por Yone Zero em 08/05/2018
Código do texto: T6330868
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