O trabalho e o amor

Como todo bom ser humano do século XXI, só comecei a pensar no que é o trabalho após passar por sua falta. Isso aconteceu em 2018, nos meados da greve dos caminhoneiros. Quando a comida parou de chegar aos supermercados. Pensei nas pessoas que produziam os alimentos, que estavam prontos, só que lá, distante de nós que precisamos consumir. Quando a gasolina parou de chegar nos postos. Pensei em todos aqueles que precisavam de transporte, por questões de doenças, a ambulância. Aqueles que não conseguem andar a pé, e aqueles que percorrem caminhos longos demais, que necessitam dos ônibus. A recusa dos caminhoneiros de entregar as mercadorias, o não cumprimento do seu trabalho foi um caos para o país.

Tal como seria se as faxineiras do prédio que estudo na faculdade parassem de trabalhar. Ninguém aguentaria estudar e defender teses se não tivesse um banheiro limpo pra usar, uma sala arrumadinha para estudos. Se os motoristas de ônibus parassem, eu nem teria como chegar na faculdade. Se alguém não fizesse minhas roupas, não teria o que vestir. O dinheiro foi esse meio que inventamos para recompensar as pessoas que nos servem de alguma forma e nos servem o tempo todo. Não importa quão mal você esteja ou onde, pare um minuto e veja que alguém está fazendo algo ou já fez para que você esteja aonde está agora. Trabalho então não é apenas aquilo que nos permite colocar comida na mesa, trabalho é a maior interdependência que a sociedade poderia criar. Não existe sociedade sem trabalho, não existe nada sem trabalho.

É uma rede longa onde muitos já fizeram antes de nós, muitos ainda farão por nós. E nós fazemos o que der pelos outros. Não é nem preciso pensar em Deus ou em religião para concluir que somos interdependentes uns dos outros, que não existiríamos como existimos hoje isolados. Mas nos condicionam de uma forma tão violenta que acreditamos mesmo que o outro não faz mais que sua obrigação, que na vida é cada um por si. Bom, trabalhar mostra exatamente o contrário. Se fosse cada um por si, passaríamos anos a fio para chegar na metade do caminho que estamos hoje. Se você tivesse que colher e plantar e cozinhar sua comida, tecer sua roupa e sapatos do início ao fim, plantar e cultivar seus remédios, produzir sua própria energia. Elaborar o modelo, produzir e montar seus próprios aparelhos eletrodomésticos e eletrônicos. Construir sua casa sozinho, encontrar a matéria prima, aprender a fazer. Assim como nossos antepassados viveram. Exaustivo, não?

Em nome desse valor injusto que criamos para trabalhar, o dinheiro, existe tanta injustiça, escravidão, abuso de poder, hierarquias. Em nome desse orgulho e egoísmo, a ganância parece estar plantada em nosso seio. Isso nos faz odiar nosso trabalho, ver um fardo e um peso sem fim, porque por vezes, realmente é. Tantos trabalham em condições deploráveis, são explorados por vencimentos que não cobrem seus gastos. Não posso me alienar e fingir que trabalho não é algo inserido na lógica social, porque essa é a nossa lógica. Especialmente dependendo da função que você ocupa, dependendo se dentro do capitalista, você é ou não visto como um intelectual. Seu trabalho tem ou não valor. Essa é a história e ela não pode ser mais ignorada.

Te convido, porém a um exercício simples: na pior das hipóteses, segure esse celular ou notebook ou papel, ou seja o meio que estiver me lendo, segure e pense em quem produziu isso. Nas mãos que montaram, nas que transportaram, nas que exploraram também (a realidade é preto e branco), nos saberes que foram necessários para que esse material chegasse até você. Pense em mais, em quem te ensinou a ler. Em quem te pariu e cuidou de você para que tivesse condições de crescer e se desenvolver. Tudo em nós requer trabalho. Um ser humano literalmente dá trabalho. Após a religião e crenças, o trabalho é a coisa que mais nos conecta uns com os outros. Mesmo que você não perceba, você faz parte de uma rede que compartilha conhecimentos, de forma desigual sim, mas compartilha. A troca nunca cessa, e o trabalho é nada mais do que a troca cotidiana. Pense naqueles para quem você devolve tudo que recebeu, nas pessoas que são atingidas pelo teu trabalho. Se isso não é um ensaio do amor, o que mais poderia ser?

NOTA: A luta por direitos trabalhistas não pode cessar. A lógica capitalista produz desigualdades a todo momento e nenhuma noção de trabalho pode suprimir estas questões. Todo amor precisa de condições.

LuanaPena
Enviado por LuanaPena em 01/05/2019
Código do texto: T6636667
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