Ah se não fosse assim

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Sofro...

O horizonte que me banha a alma trêmula e incrédula não tem mais o mesmo brilho. As pessoas já não se cumprimentam como antes, à época dos nossos pais. E olhe que não sou tão velho assim. Prova disso é que meus cabelos brancos, embora teimosamente, surgiram somente agora, desarmonizando o quase contraste do também quase uníssono breu que configurava minha cobertura capilar tão mutante: aloirada na infância, castanha na adolescência, preta na idade madura e agora, tão apenas agora, com pingos esbranquiçados do pouco que restou e que não se foi nas mãos molhadas do tempo – é o início de uma nova etapa onde o que restará, além das lembranças, talvez seja o que construí como efêmero homem vivente neste mundo de imperfeições concretas e de uma abstração perfeita da irrealidade do que teimamos em achar que somos.

Não sei quem sou. Não sei o que fui. Nem sei se serei daqui a instantes... E agora o que sou? Sou vivente estando errante? Sou fervente e me faço ultrajante? Sou latente ou um lobo distante e ofegante? Sou meu próprio mal ou um casual e benigno suspiro que surge da minha premente necessidade de existir? Existir com ou sem você, isso é essencial! Não sejamos mesquinhos e egoístas crendo ou fazendo crer que não é assim.

Sou constante e me faço ou me fiz de mutante talvez para tentar merecer o que tento deixar de ser sem fenecer. Sou o que querem que eu seja, mas não sei se sou o que devo ser ou se o ser que sou causa em você o bem que deveria, somente a mim, comover. Contento-me com o seu pouco, pois aos poucos eu me torno o seu senhor sem você se aperceber. Afinal, somos criaturas ou meros cataclismos das criações de nós mesmos? Somos figuras e tipos criados ou nossos próprios dissabores inventivos?

A noite, onde outrora sol havia, cega-me! As fontes límpidas que postergavam o asqueroso produto final das ações humanas, das nossas desmedidas agressões, esgotam-se. Lodosas paisagens castigam minha visão; as pesarosas visões são grudentas e, por repetidas vezes, faço digressões. Minhas ponderações introspectivas são tão cruas e nuas quanto me sinto agora: um desnudo homem que se alija de si mesmo, sorrateiramente, tentando resgatar um futuro previsível e forte que não nos dá outra alternativa se não a morte.

Somos mortos-vivos e vivemos uma nova vida a cada morte. Estamos entregues à nossa própria sorte por um consorte invisível que, por mero capricho, não nos quis bicho, mas homens de porte! De porte e de posse... Posse de desvalores que nos causam horrores tão inimagináveis e desmedidos quanto nossa cegueira racional. Afinal, somos lobos ou não somos maus? Somos a origem da desordem ou nosso próprio caos?

Fica a ponderação inconsistente, pois a minha vida é vida ardente que se faz não por meros e potenciais caprichos decorrentes do meu medo de viver. Minha vida se faz a cada dia e no meu amanhecer não existem falhas, não existem navalhas, não existem canalhas e não existem muralhas... Na minha vida existe superação, existe animação, existe dedicação e existe ação.

Se as falhas limitam as superações, devemos reinventar o que chamamos de erro; se as navalhas ferem o ânimo, ceifando a vontade de vencer, reinventemos o processo de coagulação e naveguemos no corte das doloridas máculas da própria carne; se os canalhas pensam que estou inerte e que jamais me levantarei, esquecem-se de que dediquei minha vida inteira ao mais nobre dos valores, lutando sempre, apesar de silenciosamente, contra tudo que se ergue através do mal; se as muralhas que a vida nos impõe parecem fortes e intransponíveis, eu as desafio, pois a ação dos ventos – e sou um sopro de vida – revela a todos, através da história, que a sucessão de pequenos fatos é que define o verdadeiro vencedor.

Nijair Araújo Pinto

Crato-CE, 8 de outubro de 2007.

01h29min