Flores

Você quebra o concreto da tela do meu celular a cada 5 minutos num novo story. Onde você está? Palavras de cadeados na minha cabeça. Quero você. Preciso lhe ter no meio do concreto da minha casa. Preciso destrancar o cadeado do meu portão. Meu vaso de planta na varanda desconfia do trânsito da sua sombra. Quando você vem e quando você vai? Tento ler algo que você não escreveu. Achar a imagem que você não postou. Sei de tudo o que você não falou por detrás de tudo o que você fala. O cadeado imperrado. A porta trava e eu fico trancado. Seus storys infiltrando o concreto da tela do meu celular. Penso nisso como você andando rápido na minha frente no meio de um engavetamento frenético de pessoas no centro de Messejana. Sinto que duvidei de mim mesmo por pouco mais que um segundo e agora estou paralisado observando a raiz das suas costas se afastar no meio das pessoas. Suas mãos alcançando a mão de quem está a frente e não a minha que vem atrás te buscando. Seus olhos dourados que já não se virariam mais para os meus. Engraçado. Seus olhos são dourados, luzes marrons e amarelas, quase firmes, e só vim perceber isso a quatro dias atrás, com minha cabeça entre suas mãos, com o sol caindo através dos vazamentos na parede. E eu achava que já sabia de tudo que achava originalmente bonito em você. Nada aqui é reprodução.

Talvez você precise andar e eu precise parar. Talvez seja humanamente impossível que as coisas sejam diferentes. Ou seja mais humano se eu admitir que as coisas podem ser assim as vezes. Enquanto eu respiro e você dá a mão pra outra pessoa e eu assisto a cada 5 minutos no seu story, tenho algo nas minhas próprias mãos. Preciso de quase toda a minha energia pra me concentrar, para desfazer meus punhos cerrados e olhar para essa semente. Das suas raízes e do seu mundo que se afasta nas suas costas, no engavetamento frenético.

Rodo a semente entre meus dedos, fecho a mão, aperto, abro, fecho, abro, aperto. Contra a sola da minha palma. Contra o meio dia sinto de novo num impulso que a sombra dos seus olhos se afasta e o sol me atravessa, e que posso estar ficando cego. Aperto a semente. Inseguro. Outras sementes me observam. Mudas de Capim Santo e árvores velhas na praça do centro de Messejana me observam. Minha plantinha na varanda. Nada aqui é reprodução.

Você coloca entre outras mãos outra semente. Semente que irá nascer. Isso não é reprodução. Só um idiota não cuidaria de você. Eu sei que você vai nascer mil vezes. Entre outras mãos e outros carinhos e outras fotos publicadas e tudo isso já está na ponta da minha língua. Nada aqui é reprodução. Você nascerá mais de mil vezes através do mundo. Tento fazer isso infiltrar no solo da minha cabeça, até que eu esteja fértil o suficiente. Nada aqui é reprodução.

Também lembro que deixei algo entre suas mãos, beijado seus dedos e rezei bastante. Depois lembro que eu quis muito andar na luz da madrugada. Imerso. Numa janela de água. Absorções. Sínteses douradas. Seus olhos estão nos meus canais linfáticos. Raiz das suas costas. Folhas da sua mão. Palavras nelas. Sei da seiva e da saliva e nado através da rua, depois de destrancar o portão. Nasço através do tempo.

Passo o dedo fazendo um carinho através da curva da sua semente e enterro bem devagarinho como se te beijasse. Movimento na rua que diminui. Tempo que para. Nunca me arrependo de te beijar. Deus sabe. Penso nisso como se estivesse devoto no meio da igreja no centro de Messejana, ainda que eu não saiba rezar um pai nosso completo. Repetindo com meu corpo que te quero aqui. Deixando a porta da minha casa aberta, apesar de estar com medo. Aprendendo a ter calma. Biologicamente. Nada aqui é reprodução. Preciso confessar toda a monocultura da terra. Preciso confessar de novo que houve um incêndio e que o solo foi envenenado e que eu não estou completamente certo do que estou fazendo. Mas enterro e entendo. Uma raiz não sufoca a outra quando nasce. E um solo se recupera assim, o milagre da cura. Você nascerá mais de mil vezes. Só no meu coração você já nasceu mais de uma. Sorrio de repente. Passo outro story e estou vendo flores suas.

Nia Ferreira
Enviado por Nia Ferreira em 24/11/2023
Reeditado em 24/11/2023
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