Doutrina, Espiritismo e vida

Basicamente, em termos de perspectiva histórica, em 1861 houve um arcebispo da cidade de Barcelona na Espanha que teve a infeliz idéia de promover um “auto de fé”, tomando alguns dos livros escritos por Allan Kardec e queimando-os em praça pública. O fato é, que no século XIX, no seu calendário, ocorreram movimentos populares e intelectuais muito interessantes. E no ano de 1868, o então professor Rivail, que posteriormente assumiria a pessoa pública de Allan Kardec, foi um dos que se recusaram a beijar a mão do imperador Carlos Napoleão III, eleito em 1851. Esse ato de contraposição à submissão imposta pelo imperador fez com que o professor Rivail perdesse o direito de exercer a magistratura, levando-o a ficar desempregado por volta dos seus 50 anos.

Assim, professor Rivail participou de reuniões e debates sobre questões libertárias, questões de monarquia e república. No século XIX, os intelectuais estavam cansados de se submeterem à dominação dos cânones católicos e protestantes. As pessoas queriam dar continuidade aquilo que Descartes havia começado no século XVII, com a separação da crença absurda imposta pela superstição religiosa do nascente racionalismo moderno. Enfim no século XIX as pessoas mais esclarecidas não admitiam aquilo que o arcebispo de Barcelona quis fazer. Ou seja, por ele não conseguir argumentar com as idéias profundas, maravilhosas, elucidadoras, vamos assim dizer, dos livros que Kardec codificou a pedido dos espíritos, e assim, não podendo contradizê-los preferiu queimá-los.

Essa atitude provocou uma antipatia muita grande da intelectualidade européia, já que fazia tempo que não ocorria o chamado “auto de fé”, portanto era algo que os intelectuais da época imaginavam que a Igreja não recorreria, para eles a Igreja jamais iria recorrer a esse tipo de absurdo. E o fato que o Espiritismo, ou melhor, ainda não era chamado assim nessa época, o movimento esclarecedor advindo de Kardec e dos espíritos, começou a ser muito simpático aos olhos dos intelectuais. E somando-se ao fato da ocorrência do “auto de fé”, aglutinam-se circunstâncias que levaram muitos católicos da época a procurarem o livro dos espíritos, por mera curiosidade, pois até então o livro não era nem um pouco conhecido. E o interessante é que muitos católicos começaram a ler o livro dos espíritos e você sabe, o livro dos espíritos quando você lê, é como se uma chave vinda sabe-se lá de onde abrisse os compartimentos da nossa alma e nós vamos lucidamente percebendo quanta sensatez, quantos ensinamentos maravilhosos estão ali contidos. E foi assim que muitos católicos da época foram se tornando adeptos da doutrina Espírita, e foram se encontrando em reuniões freqüentes. Desse modo, foram levando seus hábitos católicos para a prática da nascente doutrina espírita e desde então esse aspecto religioso vem se ressaltando. E não haveria problema em levar esses hábitos se entres esses não existisse aquele de tentar convencer a pessoa a ser espírita. O fato é ocorrido, e esse modismo adentrou a doutrina Espírita. Porém vale lembrar, adentrou pela pouca vigilância que o ser humano tem. Bem, adentrou-se nas posturas espíritas esse hábito, e hoje o Movimento Espírita tem como característica de algumas de suas vertentes, a besteira de se achar superior as outras religiões. Às vezes certos risos de superioridade percebido em alguns espíritas quando se referem às outras religiões é algo criminosamente posto na face espírita. Já que o Espiritismo não é melhor nem pior do que nada, posto que é feito pelos mesmíssimos seres humanos que sempre estragaram todas as religiões da Terra. E a princípio na religião Espírita pretendia-se que não existisse nenhuma autoridade na Terra, a exemplo do catolicismo que tem o Papa, o protestantismo, os pastores e etc. Assim, no Espiritismo pretendia-se que fossem os espíritos, os mentores, as autoridades. Portanto incutia-se que aqui na Terra só tivessem semeadores de ensinamentos e práticas mediúnicas através do concurso amoroso, seja pela mediunidade propriamente dita ou não. E mediunidade aqui eu me refiro no seu aspecto menor, não só o fato de ter contato com os espíritos, mas o gesto amoroso em si é uma experiência mediúnica. Bom, o fato é que, através de tantos “ões”, constituições, associações, e tantos “ismos”, Espiritismo, capitalismo, comunismo e etc, grupos de pessoas brigam pra obter controle, pra dominar e isso e aquilo, quando o que verdadeiramente importa fica invisível aos olhos, e infelizmente o Movimento Espírita não tem escapado dessa questão.

Assim, o sentimento de religiosidade que hoje existe no Espiritismo é avesso ao que se pretendia primeiramente na doutrina espírita, posto que inicialmente, essa doutrina tinha como objetivo espiritualizar as pessoas na Terra independente delas terem religião ou não. Mas na hora que o Espiritismo se sente dono da doutrina espírita, e fica tentando fazer com que as pessoas leiam a doutrina espírita, com o objetivo não de espiritualizar, mas de trazer fiéis pra aqui ou pra acolá, o movimento foge às raízes. E muitos dizem que não fazem isso, mas fazem e não percebem. E é primitiva essa situação: eu sou espírita, você é católico. Eu estou certo, você está errado. Os meus familiares são católicos, e eu mesmo tive formação católica. Mas costumo dizer aos meus familiares que procurem ser os católicos mais belos que puderem ser, porque o nosso futuro espiritual não depende de termos religião, ou de sermos desta ou daquela religião, mas sim de como vivemos nossa vida. Portanto é nisso que reside nosso mérito espiritual. Se eu sou espírita, que eu seja o espírita mais belo que eu puder ser, e se eu sou católico que eu seja o mais belo que puder ser.

Eu abraço a doutrina espírita como um dos alicerces que mantém firme a minha vida. Mas assim também eu abraço a doutrina de Buda, a doutrina de Tao, assim eu abraço tantas doutrinas maravilhosas que foram colocadas na Terra.Contudo, a doutrina dos espíritos é a mais recente, extremamente lúcida e alimenta a nossa alma.Mas eu não tenho estatura moral para me afirmar como sendo espírita pois me envergonho diariamente das minhas atitudes.Por isso que eu prefiro dizer que eu sou que alguém que procura estar vinculado a religião do amor, mesmo sendo um homem menor da Terra. Assim eu me assento na doutrina espírita, alimento para minha alma, esperando que possa ser a apoio da minha vida, mas sem ter a pretensão de que eu possa ensinar nada a ninguém, nem de convencer alguém de coisa alguma, nem de atrair alguém para as minhas preferências filosóficas, espirituais, religiosas ou o que possa ser.

Cada ser humano vale pelo testemunho que dá ao longo da vida independente de qualquer coisa. E que os espíritos mais me tem dito é que agente só vale pelo amor que agente carrega no coração, o resto fica tudo ai na Terra. E se unirmos isso aos caminhos que agente busca na vida, formamos um forte alicerce na nossa evolução espiritual. Mas antes queria acrescentar que a culpa disso tudo não é do Catolicismo ou do Espiritismo, ou de qualquer “ismo”, a responsabilidade é nossa, do ser humano que não sabe praticar nenhuma dessas religiões, mas é natural que assim seja. O fato é que em tendo noção disso devemos ter a humildade de exercer a simplicidade de termos a nossa preferência religiosa, no caso o Espiritismo. Devemos torná-lo a coisa mais bela que pudermos. Porque a questão da religiosidade é a que menos importa. Espiritualizar a si mesmo é o que importa, e fazer isso independe de religião, basta que você ame o próximo, ame a vida, respeite o próximo,respeite a vida, crie seu código de conduta que dignifica a sua existência e dignifique tudo ao seu redor. E assim caminhe. Pois quando agente pára frente a uma fonte posta ao longo do caminho da vida, nós deixamos de observar outras tantas paisagens. E Jesus dizia claramente aos seus discípulos: “sedes passantes”, ou seja, na Terra não vivam como residentes, mas sim como passantes, como pessoas que passam.Pois uma ponte apenas une duas porções de terra, ninguém reside numa ponte, e nós passamos pela ponte, pois a vida terrena é uma ponte. Ninguém reside aqui eternamente posto que a nossa pátria espiritual é o nosso próprio interior espiritual.

As religiões infelizmente absorveram as lições entre a pátria espiritual e o ambiente terreno, e o Espiritismo faz parte disso.Mas ainda bem que mesmo com os estragos causados por nós mesmos, as lições dos espíritos permanecem muito bem postas iluminando nossa caminhada.Mas nós teremos toda a eternidade pra aprendermos a caminhar.E poderemos aprender a exercer a profissão de artesão daquele eterno oitavo dia da criação, ajudando o Pai amantíssimo a embelezar a sua obra. Não é nada que converge para nossa pequenez humana atualmente, mas na medida do possível se formos belos estaremos ajudando o Pai, mesmo com as nossas feiúras.E assim o Espiritismo se abre como um belíssimo caminho de ir até o Pai, até o cosmos e que possamos por ele caminhar e também por outros caminhos, da melhor forma possível.Mas não esqueçamos, todos os caminhos levam ao Pai. Aqui me despeço dos leitores que com tanta paciência tem me privilegiado com a vossa atenção, um abraço a todos.

Enrico Vizzini
Enviado por Enrico Vizzini em 27/04/2008
Reeditado em 28/04/2008
Código do texto: T964862