Um 2009 de sabedoria pra você*

Uma das maneiras que encontramos de organizar a vida no espaço é a invenção da categoria “tempo” em sucessão incessante. Desde Platão, parece ser isso o que alguns filósofos entendem, pois a verdade é que vivemos um eterno presente. Einstein, a meu ver, resumiu bem esse fato: “A distinção entre passado, presente e futuro não passa de uma firme e persistente ilusão”.

Tá! Que seja! Mas essa ilusão tem possibilitado o gerenciamento da existência, com uns mobilizando-a em nome de um pragmatismo obtuso, alguns conclamando-nos à mesura no emprego dela, e outros, ainda, complementando os segundos por meio do convite ao abandono da correria cega em proveito do nosso enraizamento no chão da sabedoria.

A tendência pragmática no uso do tempo eu a encontro em Benjamin Franklin: “Lembre que o tempo é dinheiro. Aquele que pode ganhar dez shillings por dia com seu trabalho mas sai a passeio ou fica ocioso por metade desse dia, ainda que gaste apenas seis pence durante o ócio ou a diversão, não deve considerar esse valor como sua única despesa, pois na realidade foram gastos além disso, ou melhor, jogados fora, cinco shillings” (Advice to a young tradesman written by an old one, 1748).

Um representante da segunda posição pode ser Nietzsche: “Há uma selvageria [...] no modo como os americanos buscam o ouro: e asfixiante pressa com que trabalham – o vício peculiar ao Novo Mundo – já contamina a velha Europa, tornando-a selvagem e sobre ela espalhando uma singular ausência de espírito. As pessoas já se envergonham do descanso; a reflexão demorada quase produz remorso. Pensam com o relógio na mão, enquanto almoçam, tendo os olhos voltados para os boletins da bolsa – vivem como alguém que a todo instante poderia ‘perder algo’. ‘Melhor fazer qualquer coisa do que nada’ – este princípio é também uma corda, boa para liquidar toda cultura e gosto superior” (A gaia ciência, 1878).

A idéia-complemento a Nietzsche, ao menos neste contexto, está em Bertrand Russel: “Nós estamos em meio a uma corrida entre a destreza humana quanto aos meios e a sandice humana quanto aos fins. Dada uma insanidade suficiente quando aos fins, todo aumento da destreza para alcançá-los é deletério. A espécie humana sobreviveu até aqui graças à ignorância e à incompetência; mas, dados conhecimento e competência aliados à insanidade, não há certeza alguma de sobrevivência. Conhecimento é poder, mas poder para o mal não menos que para o bem. Segue-se daí que, se a sabedoria não avançar na medida do conhecimento, ao avanço do saber corresponderá o avanço do pesar” (The impact of science on society, 1952).

Eis o tecnocienticismo da sociedade do trabalho, obcecada pela entrega à conquista de bens materiais, sobretudo de dinheiro, confrontado com a proposta de uma busca mais sensata de conhecimentos, esses que podem se transformar em sabedoria, a qual, para tanto, requer enlevo contemplativo, ócio criador e enraizamento do humano naquilo que ele tem de fundamental: sua própria humanidade.

Pensando nisso, agora que alteramos nossa ilusão de tempo para “2009”, desejo que façamos desse ano não uma corrida em que ninguém sabe de onde parte, nem aonde vai, da qual ninguém sabe quem sairá vencedor. Ao contrário dessa corrida ensandecida, o meu é um desejo muito simples: um 2009 de sabedoria pra você, com menos correria, mais ócio e mais contemplação! Ah... e que a ilusão de que tempo é consumir-se na alienação do ter não atravanque nossos caminhos.

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* Publicado no jornal goiano Diário da Manhã, dia 10.01.2009, p. 12.