Amizade, o que é isso?

Wilson Correia*

Para Juli Lima

Para Lu Genovez

Para @s recantistas

que me visitam,

agradecido.

Juli Lima, aqui do Recanto, generosamente, comenta um dos textos postados por mim e pergunta: “E eu q imaginava ‘amizade’, fosse da modernidade. Sabe quando a palavra surgiu?” Em agradecimento à sua visita e comentário, Juli, fui colher alguns dados sobre a palavra.

Então, quando os gregos se referiam aos afetos da amizade, diziam “phylia”**. Em latim, os antigos começaram usando o termo “amicitate” para nomearem os mesmos sentimentos. Tempos depois, a palavra ganhou a forma “amicidade”. Documentos do século XII registram “amiçade”, essa que hoje grafamos “amizade”. Desde que apareceu, então, a “amizade” significa afeição recíproca entre as pessoas, as quais se cultivam por meio de boas relações.

Claro que ela tem uma série de definições e conceitos e que motiva “n” estudos por um bocado de gente. Mas, uma forma de conceituar a amizade que me ganhou de pronto, me veio da Lu Genovez, ela também nossa simpática e inteligentíssima colega aqui do Recanto: “A amizade é o amor espalhado!” Preste atenção no que disse a Lu! É o tipo do pensamento-relâmpago, como quando estamos na estrada, dirigindo, o céu se fecha para chover, fica tudo num breu sem tamanho, que impede você de ver um palmo à frente do nariz, e, aí, acontece o relâmpago, que alumia tudo e impregna a imagem do que foi visto de maneira única e para sempre: “A amizade é o amor espalhado!”. Caramba! Muito bom isso! (Obrigado, Lu!).

Porém, amizade é dessas coisas que só existem se colocadas em práticas, vividas, exercitadas, concretizadas, assim como a música, que só se realiza se alguém lhe der vida. Por isso, penso que a história a seguir exemplifica bem o que a amizade pode ser, entre tantas outras atitudes e gestos e atos e ações que ela motiva, claro!

Eu, provavelmente igual a você que lê este texto, ouvi essa história, cuja autoria foi impossível identificar, há um bom tempo. Ela me impressiona porque demonstra como, para alguns, a amizade pode significar “eu nele, nela; eu lá onde ele/ela é e está”.

Segue a história:

“O orfanato de uma aldeia vietnamita foi seriamente atingido por um bombardeio, durante a guerra entre Vietnã e Estados Unidos. Gestores do orfanato e algumas crianças tiveram morte instantânea, sendo que as que escaparam da morte ficaram gravemente feridas, inclusive uma garota de oito anos de idade, a qual se encontrava em estado gravíssimo.

Após uma chamada por rádio, médicos e enfermeiros da marinha estadunidense conseguiram chegar aos feridos. Imediatamente começaram os procedimentos de cuidado porque, se não agissem rapidamente, aquelas pessoas poderiam falecer. Elas perdiam muito sangue.

Aliás, foi esse estado dos feridos que levou a equipe médica a decidir pela realização de uma transfusão. Porém, faltava o principal: o sangue.

Então eles tiveram a idéia de reunir as crianças e, entre gesticulações, arranhadas no idioma, tentavam explicar o que estava acontecendo, que precisariam de um voluntário para doar o sangue.

Depois de um silêncio sepulcral, viu-se um braço magrinho levantar-se timidamente. Era um menino chamado Heng. Ele foi preparado às pressas, ao lado da menina agonizante, e espetaram-lhe uma agulha na veia.

Ele se mantinha quietinho e com o olhar fixo no teto.

Passado algum momento, ele deixou escapar um soluço e tapou o rosto com a mão que estava livre.

O médico lhe perguntou se estava doendo, e ele negou.

Mas não demorou muito a soluçar de novo, contendo as lágrimas.

O médico ficou preocupado e voltou a lhe perguntar, e novamente ele negou.

Os soluços ocasionais deram lugar a um choro silencioso, mas ininterrupto. Era evidente que alguma coisa estava errada.

Foi então quando apareceu uma enfermeira vietnamita vinda de outra aldeia, a quem o médico pediu que procurasse saber o que estava acontecendo com Heng.

Com a voz meiga e doce, a enfermeira foi conversando com ele e explicando algumas coisas. E o rostinho do menino foi se aliviando.

Minutos depois ele estava novamente tranqüilo. A enfermeira então explicou aos americanos:

– Ele pensou que ia morrer, não tinha entendido o que vocês disseram e estava achando que ia dar todo o seu sangue para a menina não morrer.

O médico aproximou-se dele e, com a ajuda da enfermeira, perguntou:

– Mas, se era assim, porque então que você se ofereceu a doar seu sangue?

E o menino respondeu, simplesmente:

– Ela é minha amiga...”

Bom, e se “amizade é amor espalhado”, que tenhamos a sorte de lançá-lo em terra fértil, sempre e continuamente, para que, indefinidamente, possamos sempre ter fartura de amizades para colher.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.

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** NOTA: É que os gregos tinham três palavras para se referirem aos sentimentos que podem unir as pessoas: PHYLIA = AMIZADE; EROS = AMOR CARNAL, FÍSICO; ÁGAPE = AMOR UNIVERSAL, PLENAMENTE DESINTERESSADO. Phylia, para poucos; ágape para a humanidade; eros para apenas uma pessoa. Imagino que vem daí esse dado cultural ocidental de separar as coisas, fazendo com que a "amizade" seja esse "amor espalhado" entre algumas pessoas, que pesquisa científicas dizem não ser possível a um ser humano alimentar com mais de uma 140, 150 pessoas, no máximo.

Compreendo Juli sua posição.

Lu, já é, sim, minha amiga. E tomara que eu faça por merecer esse seu tesouro estendido amim.

Um belo dia a tod@s!!!