Ser presença

Wilson Correia*

Conversávamos, uma amiga e eu, sobre o lado bom de uma presença humana na vida de uma pessoa, mas de maneira leve, sutil, educada, fina. Coisa das mais difíceis em uma cultura do romantismo exacerbado e do possessivismo descomedido.

Não é nenhum exagero reconhecer que frases como “você é minha vida”, “sem você não consigo viver”, “você é minha alma gêmea”, “a tampa da minha panela”, “sem você eu morro” associadas a outras como “meu amigo”, “meu namorado”, “minha mulher”, “meu filho”, com o sentido de posse, contribuem para as tiranias nas relações interpessoais.

É claro que, como disse Aristóteles, “Sem amigos ninguém escolheria viver, mesmo que possuísse todos os demais bens”. Quem seria louco de pensar o contrário?

Acontece que o caldo de cultura que soma romantismo e possessividade embaralha o meio de campo. E, aí, vemos pessoas sendo tratadas como coisas e, não raro, coisas sendo fetichizadas como seres com vida própria, quais seres animados. Dá-se a confusão dos espíritos, das coisas e dos seres, e isso não contribui para o processo de vivência dos afetos.

Aliás, afeto é algo que requer um certo zelo ao ser cultivado. Na marra ninguém pode ser e se fazer saudavelmente filho, amigo, amante, namorado, marido e mulher. A cada um o espaço e o tempo de cada um, compreendido no respeito que, sem abortar a presença, não esgarça os limites.

Por isso, ser presença para o outro exige que se chame quando quiser, mas que se compreenda que há um tempo para o outro responder, e até para não responder, se o amigo (ou amiga) estiver em outro processo de estar consigo mesmo e com o mundo.

Ser presença não significa estar fisicamente lado a lado, mas moral e psicologicamente onde o outro se encontra, sabendo que sinais exteriores como e-mails, recados, mimos e assemelhados não são mais do que sinais dessa presença inter-subjetiva.

Ser presença não significa querer que o outro faça exatamente o que eu estou fazendo, mas saber-se conectado a ele por aquele afeto difícil de cultivar, não importando aí o tempo, o espaço, a circunstância e o lugar em que nos encontramos.

Ser presença é não arrastar, mas deixar ao outro a liberdade do movimento, nunca impedindo que ele seja, esteja e aja na vida como bem entender. Aí o que conta na presença é a capacidade de ser cúmplice, na compreensão e no entendimento comuns.

Ser presença é falar quando a fala é natural e autorizada e ficar em silêncio quando o silêncio se faz comum e desejado. Às vezes, é em silêncio que elaboramos o sentido das coisas, e a presença amiga sabe que nem só de tagarelices vive uma pessoa.

O entendimento sobre esse “ser presença” nos leva a sugerir e propor, em lugar de ordenar e impor. Mostra que a expressão contundente das próprias ideias, crenças e pensamentos não significa imposição, mas apenas uma outra maneira de se dar a conhecer.

Talvez a metáfora mais apropriada para esse ser presença de que falo seja o que o ar representa para as asas do passarinho. Sem o encontro de ar e asas não há voo. Contudo, o passarinho vive o encontro até a hora que decide pousar.

E parece que o vento respeita: não se funde “derspersonalizadamente” nas asas; nem as asas se resumem àquilo que o vento é. Apenas “sabem” que podem ser presença um para o outro em nome do acontecimento que é o ato de voar.

Ser presença nessa medida é uma tarefa hercúlea. Quem disser que é fácil pode estar incorrendo em simplificação. No entanto, ela não é impossível. Basta, creio, esforçar-se para ser leve, sutil, educado e fino à percepção do outro. Aí a sã democracia na micropolítica cotidiana, para que conjuguemos vida boa e boa vida: um direito nosso e um bom norte à individuação companheira.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.