Contra-dições...

Wilson Correia*

Sobre a polêmica envolvendo a inserção de textos literários em livros didáticos eu acabei escrevendo um pequeno texto chamado “Uma polêmica inútil”, por entender que:

1. Escola e vida devem se entrelaçar;

2. Um texto literário se presta a julgamento estéticos, e não a apreciações éticas;

3. Não é censurando, escondendo, ocultado a realidade que educamos, mas vendo, mostrando e apontando a maneira mais apropriada de conviver com essa realidade;

4. A ilusão de ocultar a vida real para os estudantes será quebrada no momento em que esses estudantes encontrarem maneiras alternativas, sabotadoras e marginais de se darem ao conhecimento daquilo que a família e a escola, em vez de ensinarem a maneira mais madura, livre, responsável e recíproca de lidar com ela (realidade), acabaram sonegando-lhes esse conhecimento ao qual tinham direito;

5. Mascarar, ocultar, sonegar ou falsear a vida concreta para os estudantes é um tipo de educação pautada na mentira, no engodo, na falsidade, na inautenticidade – é eticamente justificável esse tipo de educação? Não estarão exatamente aí as eclosões de barbaridades em nossas instituições de ensino (matanças em escolas estadunidenses, selvageria moral em nossas universidades brasileiras)? Não estará aí a razão de adultos falarem uma coisa e fazerem outra na vida prática (cujos exemplos podem ser listados entre os líderes religiosos, políticos e empresariais de nosso meio)?

Sobre problemas de ineducação, animalismo, barbarismo, selvageria, incivilidade, estupidez e outros absurdos comportamentais verificados recentemente na Uniban, acabei escrevendo três artigos “Estupidez intolerável na Uniban”, “O banheiro, a Uniban e todos nós” e “Culpa de quem?”, postados nos últimos dias nesta minha escrivaninha aqui no Recanto das Letras.

Nesse último artigo, “Culpa de quem?” – que é uma decorrência dos dois primeiros –, argumentei que me parece contraproducente ficar tentando individualizar (em pessoas ou em instituições) a culpa pelo que temos visto de anti-educação em nossas instituições educativas. Argumentei que uma instituição é socialmente referenciada e econômica, política, cultural e ideologicamente influenciada, uma vez que é dessas instâncias que nascem os valores que nelas plantamos, cultivamos e colhemos para, com eles, moldarmos modelos societários e estilos existenciais. Nesse contexto, escrevi que: “o que somos brota dos valores e princípios que elegemos como norteadores de nossa maneira de ser, estar e agir no mundo”.

Compreendo que não exista apenas uma moral, uma ética. Há, no interior da sociedade, diversos conjuntos de princípios, de valores e de regras éticas. Dependendo da concepção ética à qual me filio, terei um posicionamento humano, econômico, político, cultural e ideológico junto à coletividade e em minha vida particular.

A ideia de uma ética perene parece-me plenamente superada. E se ela existe, a realidade mostra que pessoas e instituições não dão a mínima para ela, exceto idealmente, nessa sociedade hipócrita em que vivemos, em que falamos uma coisa e fazemos outra; em que queremos idealmente uma coisa para nossos estudantes idealizados e acabamos reservando-lhes outra muito diferente no cotidiano de nossas práticas de ensino e aprendizagem.

Por conta desses textos, tenho recebido indagações diversas. Escolhi uma delas para exemplificar esse debate. Repito, aqui, a leitura e o questionamento da leitora em causa.

O questionamento da leitora:

“Bem, no comentário sobre ‘Uma polêmica inútil’ eu entendi que você não vê problemas quanto a palavrões nos livros didáticos (uma vez que palavrões fazem parte da vida dos estudantes, tendo considerado sem sentido a tal polêmica), e no texto ‘Culpa de quem?’ você reconhece que ‘o que somos brota dos valores e princípios que elegemos como norteadores de nossa maneira de ser, estar e agir no mundo’. Considerando essas duas reflexões, elas não são contraditórias ? Considerando o papel da escola na formação do indivíduo, podemos considerar inútil uma discussão sobre o conteúdo que aprenderemos na escola? Ainda que o palavrão, por exemplo, faça parte da vida de todos, podemos citá-lo a qualquer momento, em qualquer lugar, como citaríamos, por exemplo, trechos de João Guimarães Rosa? Quando consideramos aquilo que está fora da ordem, expressão de violência, como ‘normal’ ou ‘aceitável’, não estamos abrindo brechas para um comportamento incontrolável? Por quê você considera a discussão sobre palavrões em livros didáticos sem sentido? Se os valores, que se defende, não forem transmitidos, ensinados, como se poderá distinguir o certo do correto? Ah, desculpe-me, você deve ter coisas mais importantes do que as minhas reflexões. Desculpe-me.

Deus o abençõe.

Forte abraço,”

(O nome da leitora não aparece aqui por questões óbvias).

Minha resposta a ela:

“Obrigado pelas leituras e pelos questionamentos. São essas oportunidades de conversa que fazem a gente crescer pra dentro.

Minhas duas proposições são contraditórias dependendo dos critérios e dos referenciais que se adota para discuti-las.

Quem disse que os valores que defendo incluem a exclusão de textos literários dos livros didáticos?

Quem disse que os valores que defendo sustentam querermos formar as crianças e os adolescentes em uma redoma, como se não tivessem de conhecer o mundo para, experimentando-o, adquirirem instrumentos e recursos para enfrentarem, e bem, esse mesmo mundo?

Quem disse que os valores que defendo pugnam pela defesa da censura a textos de literatura?

Olha. A escola deve se deixar encher do cotidiano, não mascará-lo, nem negá-lo. Se fizer isso, a escola estará formando pessoas hipócritas, falsas, mentirosas. Admitir que textos literários não se prestam a julgamentos morais, mas estéticos, faz parte da melhor educação que a escola pode oferecer a todos quantos a frequentem.

Quanto aos valores que defendo, a vida vem como princípio que funciona como a gênese deles: liberdade, responsabilidade, reciprocidade, mutualismo, desprendimento, respeito e muita, muita compaixão – inclusive para se compreender a razão pela qual pessoas se julgam portadoras da verdade e pensam que o resto do mundo está errado por não comungar com elas e de suas ideologias.

Bem, de início, é isso.

Outra vez, muito obrigado pela interação.

Isso nos educa!

Luz e paz!!!

Wilson.”

De minha parte, estou certo de que é a conversa, o diálogo e a sinceridade no posicionamento sobre esses assuntos o que nos educa e faz crescer. Enquanto estamos dispostos a conversar, ainda há esperança. Difícil será quando a indiferença tiver seqüestrado nossas mentes e nossos corações.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br