Pedido

Wilson Correia

Parece que o ser humano nasceu para nomear e classificar. Desde Aristóteles, tornou-se mais evidente que o nome e a classificação dão a sensação de controle. Estar no controle significa estar seguro. Segurança parece autorrealização.

Isso para alguns. Para muitos, esse esquema em três por quatro fica defasado em face do desejo que sentem de criar, inovar, produzir, transcender e transformar. Há uma gama de coisas que jamais teriam sido criadas se não fossem frutos da inventividade transgressora e desobediente.

O nome estabiliza. A classificação fixa. Ambos, nome e classe, colocam cada um em seu quadrado e tudo se passa sem perturbação. Perturbar-se é tudo o que os nomeadores e classificadores não querem, como se todo o existente se acomodasse harmonicamente em rótulos e etiquetas. Mas a vida não é assim. A vida é multiplicidade caótica e anárquica, graças a Deus!

Esses três pequenos parágrafos anteriores são o preâmbulo do que segue. Estou no Recanto das Letras há um bom tempo. Aqui, fiz amigos e irmãos os quais estimo demais. Eu os leio e comento, ou apenas leio. E tudo está bem. Jamais tomei a liberdade de enviar-lhes e-mails mal-educados e azedos sobre a forma com que nos presenteiam com seus escritos, ainda que impropriedades na forma não me passem despercebidas. Me concentro no conteúdo, no que o texto tem a me dizer, a me educar.

Quem me conhece sabe que meu apego é pelo conteúdo, e não pela forma. A forma é importante? É! Mas eu prefiro a ideia, o pensamento ou o sentimento que o escrito me comunica e tento proceder do mesmo modo ao apresentar os meus despretensiosos rabiscos, procurando compartilhar minha visão de mundo por meio de pensamentos, ideias e sentimentos. Não preciso de forma esmerada e algemada pelas regras para dizer o que quero dizer.

No entanto, aqui no RL existem pessoas que, não me conhecendo, enviam-me e-mails dizendo que tal escrito meu não entra nesta ou naquela categoria literária. Eu, que não fico vigiando a forma da escrita de quem quer que seja, começo a ser implacavelmente vigiado. Ah... me poupem!!!

Alguém recentemente me escreveu: “Conto, crônica, romance, haicai... cada um tem regras próprias que lhes dão a peculiaridade enquanto forma”. Não desconhecemos essas regras, mas o curioso é que ninguém fala do conteúdo. Aferra-se à forma. Forma, forma, forma...

Não creio que a forma deva engessar o conteúdo (já imaginou se Paulo Leminski tivesse seguido à risca as regrinhas do haicai???). Sou naturalista no sentido de defender a ideia de que do jeito que o escrito vem no ato criativo, assim ele deve ser naturalmente grafado, e ponto. O importante, como eu disse, é o conteúdo.

Quando pertinente, deveria ter um jeito de a pessoa mesma abrigar seus escritos sob classificação própria ou sob um ícone do tipo “Inclassificável”. O pensamento não vem enlatado, nem congelado pelas inúmeras regras de enquadramento. O pensamento é pensamento, e pronto. Tanto quanto a ideia e o sentimento o são da forma como ocorrem a quem os escreve. Não tenho preconceito formal algum.

Espero que os estimados amigos e estimadas amigas me compreendam. Não desprezo o trabalho com a forma. Adoro ler textos rigidamente dentro das regrinhas. Apenas quero o direito de não me encaixar em classificações literárias.

Decorar e seguir regras não é tão difícil. Mas o bom mesmo é expressar-ser por meio do que se escreve. Aliás, autoexpressão deveria ser nossa única lei. Então, por favor, não me escreva para dizer que minha crônica não é uma crônica, porque, enquanto não houver outro jeito, crônica será aquilo que eu mesmo nomear de crônica, sob as bênçãos de Fernando Sabino, mineiro tanto quanto eu.

Amém!!!