Amo-te

Amo-te

(Epígrafe d´um amor platônico)

De repente, me chega a tua lembrança, e ela me paralisa. O coração palpita e uma dor comprimida aflora abrupta e aguda, me assaltando. Caem-me os relógios, quando sou tragado pela nuvem cinza da melancolia. Descolado do século, mergulho na insana idéia de um dia abraçar-te, ciente da impossibilidade de que isto aconteça. Penso em covardia, em romper definitivamente com o mundo, alcançar-te, intervir no teu mundo e desafiar-te a me amar. Para tanto, todavia, deveria desafiar a mim mesmo e os apetrechos que juntei durante a vida, que ora me pesam tanto, diante da tua perspectiva.

Choro consciente da insanidade desta lágrima, que não vem dos olhos mas sim da alma, do meu peito. Uma palavra – ah, uma única palavra tua! – e me vestiria de Quixote ao teu encontro. É como se minha vida residisse em ti, adorada, e não mais em mim, de modo que sem ti só me restem os espectros do mundo a velar a minha morte como abutres.

Tua presença rarefeita subverteu a lógica aristotélica pelo epicurismo patológico. Vivo sob o domínio da carne profanando o pensamento que se irradia, de onde quer que esteja, até o teu fantasma. Não sei mesmo se existes. Parece-me que sim. Mas se não existires, não sei se será para o mal ou para o bem. O que mais me inquieta é a possibilidade de existires e seres como clama sabê-lo minha alma, que tanto se inflama pela tua afagando-a n´outro plano.

Talvez seja como dizem, e te conheça d´outra vida. Ou talvez sejas a única vida no final das contas. Que me importa? Que importa a ti, afinal?! Se já abdiquei da minha há muitos invernos, por que choro diante a certeza de ter de fazê-lo novamente? Será, após tanta renúncia, aprendi finalmente a lutar por minhas ilusões? Será, esta infinita melancolia, uma trama urdida pela Morte para nos afastar dos nossos sonhos, sendo estes a realidade da vida em detrimento da miragem que consome nossos dias?

Sonhar com teu abraço me traz o tremor do menino com medo de tudo. Mas, como homem que sou, sei que tal tremor nada mais é que o temor de mim mesmo. Caso sintas o mesmo tremor ou o mesmo temor, me diga. Diga, mesmo que numa única palavra, e saberei que vivo novamente. Pois, amada, nem a perspectiva da maior das desgraças me desanima.

Se um dia souber que não és um mero espelho para meus tresloucados devaneios, terei resgatado meu espírito. Saberei, então, que há uma boca na ânsia da minha, dividindo a ânsia que sinto eu mesmo. Terei a esperança de minha alma ter encontrado outra alma livre da carne apodrecida, que nos enclausura na sua estultícia. Poderei sonhar em derreter meus lábios nos teus e socorrer-te em meus braços das garras da dor inquebrantável. Sentirei, no fluxo do meu sangue, a perspectiva de desnudar-me diante de ti no olhar mais longo e mudo. Na tua presença, hei de poupar-me das excessivas palavras que hoje nos atam com sua fibra tão frágil.

Mesmo sem saber se existes, mesmo sem saber se nutres mesmo o mínimo sentimento por este teu escravo, mesmo assim sei que te amo. E este amor é real, creia-me. Amo-te. E não encontrarás amor mais real que o meu, mesmo que aquele que pensas amar, ou pensas que te ama, seja mais real do que eu. Amo-te, creia-me. Nestas palavras, poderás encontrar o meu sangue. Não permita que ele evapore se dissipando na névoa fria.

Do teu eterno servo,