Por que namoramos?

Wilson Corraia*

Ah, você me pergunta: “Por que temos essa mania de namorar?” Na verdade, desconheço desse assunto tanto quanto compreendo o enigma do outro mundo: nada! Tenho, porém, observações a respeito. Elas, se não respondem cabalmente à questão, ao menos sussurram significados. E como temos que remar com os remos à mão, melhor lembrá-los do que deixar o silêncio torpedear.

Acho que namoramos porque temos direito a certa loucura, essa que pode ser vivida mediante o estilhaço da normalidade, do que é comum, muito trivial.

Namoramos porque achamos delicioso o café compartilhado de manhã, o chocolate quente antes da cama e mesmo a mão estendida ao dorso, sem ter nada pra falar.

Namoramos porque não aceitamos a condição de fantasmas no mundo, porque precisamos de um porto sentimental onde ancorar nossos navios, cheios de amigos ou de desconhecidos vis.

Namoramos porque precisamos de encantamento, essa embriaguez que colore tudo o que se passa entre nossos olhos e as coisas que sempre estiveram aí.

Namoramos porque precisamos experimentar olhar no olho, antes que tudo se acabe, na sensação de que esse é, deveras, o único encontro de que não podemos nos livrar.

Namoramos porque precisamos nos sentir vivos, ainda que no liame do ódio e da amizade, esse limite sentimental que nos mostra a intensidade como a única marca a ser buscada.

Namoramos porque precisamos ver no contentamento alheio a realização da nossa própria alegria, qual fogo incessante que nada queima e que nunca pode se apagar.

Namoramos porque precisamos vivenciar o tal egoísmo sábio, esse que nos faz no outro, como que em hospedagem consentida, posto que conquistada na sutil sedução.

Namoramos porque somos humanos, gente, pessoas, cuja identidade e subjetividade dependem, também, de uma certa economia emotiva, vívida e enérgica, para nos fazer despertos.

Namoramos porque somos seres de projeto, porque nos lançamos a um amanhã a ser conquistado e a um amor eterno que insiste em dizer que existe e no qual podemos acreditar.

Namoramos porque temos necessidade de alguém em quem zelar de nosso próprio ser, emitindo os sinais de ciúmes pequeno, mediano e até daquele que, amargo, calamos no canto da boca.

Namoramos porque temos necessidade de perdoar e de pedir perdão, ainda que o amor pareça não criar essas situações, mostrando o quanto somos falhos em nossa humana existência.

Namoramos porque temos necessidade de produzir nossos próprios milagres, com o carimbo do nosso eu, da nossa vontade e da nossa decisão, sobretudo o milagre da crença no amar.

Namoramos porque, em certa medida, o amor é feito de lampejos daquele desejado paraíso, o qual, normalmente, nossa cultura em três-por-quatro nos promete apenas para após a morte.

Por tudo isso, namorar deveria ser um estilo existencial, uma forma de ser feliz. O namoro é o nascedouro do senso vibrante que nos traz, a cada dia, a novidade do universo, do mundo e da vida, essa sensação de que não nos repetimos indefinidamente, mas que somos, na mesmidade de sempre, os irrepetíveis desmedidos, na exata medida que a vida pede, para ter certa beleza, para valer a pena e para não passar em vão.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br