Quando se conhece o amor

É comum nos dias atuais usar-se a palavra amor sem critérios e sem considerar contexto. E, depois de Woodstok, confundiu-se amor com sexo, deturpando mais ainda o conceito. O símbolo hippie em forma de “V”, feito com o indicador e o dedo médio abertos (o “V” é as pernas abertas da mulher), seguido da frase “paz e amor” dizia que se devia fazer amor (sexo) em vez de fazer guerra. E eles faziam muito sexo, inclusive uns com as mulheres dos outros, usando também muita droga. Sexo, porém, não é amor, mas pode ser uma recompensa, servindo para alimentar a cumplicidade, solidificar a exclusividade e reforçar a atração entre o casal. O amor, porém, subsiste a falta de sexo.

Costuma-se declarar amor por tudo que atrai, que produz bem-estar e felicidade em quem recebe. Seria isso amor? Se sentirmos o desejo de retribuir o que recebemos, podemos dizer que é amor. O agradecimento e retribuição são atos de amor. Entretanto, é no mínimo obrigação retribuir o bem que se recebe. Espera-se que tais atitudes componham o caráter de pessoas culturalmente benevolentes e o bem pressupõe amor. Entretanto, aí não se conhece o amor. Em situações que produzem recompensa não se conhece o amor. Ele não é necessário em tais situações, pois, entre as pessoas de bem, a benevolência embala e provoca benevolência.

Jesus disse que devemos amar nossos inimigos, os que nos aborrecem, que nos perseguem e nos fazem o mal – Mateus 5:44. Dizendo isso, Seu propósito não era apenas ensinar-nos a amar os nossos manifestos inimigos, os que nos maldizem, perseguem e nos causam mal, mas também os inimigos não manifestos, especialmente os que dizemos que amamos, mas, por momentos, deixamos de amar, seja por mal entendido, por atraso da pessoa, por ela nos esquecer, por não corresponder a nossos sentimentos e expectativas, por suspeitarmos dela, por desconfiança, por fofoca, por falha, por traição efetiva, etc.. Enfim, por todos os motivos grandes e pequenos, reais ou imaginários que nos levem a constatações decepcionantes, a desconfiança, ao desentendimento, a discórdia momentânea ou duradoura com quem amamos. É nesse momento que mais importa que amemos nossos inimigos, para não decretarmos como inimigos, nem transformarmos em inimigos e, tampouco declararmos inimizade a quem quer que seja por qualquer ato ou por qualquer que seja a verdade ou suspeita.

O amor somente aparece no conflito. De igual modo é a serenidade e a paciência – elas somente são necessárias e requeridas em situações de desacomodo e conflito. Assim como correnteza “à baixo” não é necessário remar, em momentos de paz e tranquilidade, quando tudo corre bem, a serenidade e a paciência são inúteis, pois aí elas são desnecessárias e todos as têm sem o menor esforço. Mas, quando as emoções se turbam, quando as circunstâncias e pessoas nos contradizem ou agridem, quando tudo vai mal, aí essas virtudes são necessárias e aí é que farão a diferença.

Portanto, alguém que diz ter paciência e serenidade em momentos favoráveis não sabe o que diz. De igual modo, não sabe do que fala quem declara amor em momentos de romantismo, de correspondência de sentimentos, quando não há mal entendido, nem suspeita, desconfiança, infidelidade efetiva, medo e tudo o mais. No romantismo e na correspondência de expectativa e sentimentos todo mundo ama; quando tudo corre bem, todo mundo ama; quando se recebe o bem, todo mundo ama; quando não há traição, todo mundo ama; quando não há agressão, todo mundo ama; quando há confiança, todo mundo ama. O amor, porém, só é demonstrado nas situações adversas, quando o romantismo se ausenta, quando a certeza se tornar dúbia, quando a correspondência se torna improvável e quando a fidelidade se torna incerta, etc..

Jesus disse que até os maus sabem amar a quem os ama e fazer o bem a quem lhes faz o bem. Mas, se queremos ser melhores que os maus, devemos amar e fazer o bem a quem não nos ama e não nos faz o bem. – Lucas 6: 32-36. Quanto mais então devemos fazer a quem nos ama e nos fez ou faz o bem, mesmo que no instante parece que não é confiável.

Uma das maiores preocupações dos fabricantes de caminhão, mais que dos fabricantes de carros pequenos, é com o sistema de refrigeração do motor e freios. Caminhões carregam peso, sofrem muita pressão, tendo que andar mais de vagar, forçando mais o motor nas subidas, nas arrancadas e retomadas de velocidade. Aquece assim mais, por causa do alto giro, e refrigera menos, por causa da pouca velocidade. Tais situações requerem muito do sistema de resfriamento que compensa a falta de ventilação e impede o superaquecimento e colapso do motor e freios. Quando, porém, se anda em velocidade média constante, sem para e arranca, sem sobe e desce, sem curvas fortes, especialmente em subidas e decidas, o motor aproveita mais a força que produz, trabalha menos e aquece menos, ao mesmo tempo em que o vento produzido pela velocidade refrigera mais. Aí “tudo conspira” para o bom funcionamento. Em tal circunstancia o sistema de resfriamento quase não é requerido, sobrando quase que completamente.

Assim é o amor – ele mostra que existe e funciona quando as circunstâncias adversas superaquecem os ânimos e as emoções fortes querem fugir ao controle – quando surge a dúvida, a insegurança, a desconfiança, o medo e a raiva. Nas circunstâncias adversas é que ele mostra seu valor, pois tudo examina antes de julgar, tudo ouve antes de condenar e tudo julga à luz do amor que tem, pois, por ser confiável, confia e abre mão do seu bem-estar e felicidade para jamais causar sofrimento e dor na pessoa amada. E, mesmo que tenha razão, mesmo que possa, mesmo que seu impulso requeira, o amor que tem o impede de agir de forma a fazer sofrer a quem ama. É nessas circunstâncias que se conhece o amor, é aí que ele mostra seus atributos. Portanto, convém revermos nossos conceitos de amor se queremos amar de verdade e sermos, por conseguinte, amados.

Se você quer testar o amor que tem no coração, lembre de não jogar a pessoa amada fora por qualquer que seja o mal entendido, a desconfiança ou a insegurança que surja. Lembre de amar essa pessoa mesmo que tudo prove que ela não merece e especialmente se as circunstâncias provarem isso. Antes de abria a boca e feri-la com palavras que você não gostaria de ouvir, ouça o que ela tem a dizer. Se você nessas circunstâncias puser tudo a perder com atitudes descontroladas, ou você não ama ou ainda não aprendeu que amor é fazer aos outros o que queremos que nos façam e não fazer o que não gostaríamos que não fizessem para nós.

Se você, porém, achar que é justo detonar a pessoa amada na menor desconfiança e no pior vacilo, siga em frente e ponha ela a correr impiedosamente. Você estará lhe dando a oportunidade de encontrar alguém que não pense de si mesmo como perfeita e seja capaz de ouvir, olhar, examinar e até perdoar. Quanto a você, porém, está sempre só e em eterno recomeço.

Wilson do Amaral