RAÇA DE HERÓIS - Capítulo 27 - Eis que Surge a Primavera

Capítulo 27

Eis que Surge a Primavera

É primavera. Época das flores. É maravilhoso poder ver a riqueza exuberante desta época do ano onde cada pétala nos presenteia com uma textura e cor inebriantes. Primavera também lembra romance, namoro, amor...

Uma jovem caminha pela rua e observa casais conversando e se acariciando. Ela fica um pouco ressentida com o que está vendo, pois está sozinha, mas sua vida está prestes a mudar, entretanto ela não sabe disso. Ela continua a caminhar, e se distrai, e acaba se trombando com um homem. Ela olha profundamente em seus olhos e fica sem saber o que fazer e o que dizer. Deve ser porque ela encontrou alguém especial.

Os dois seguem em sentido contrário, mas continuam se olhando.

No dia seguinte eles se reencontram no mesmo lugar e aquela jovem recebe uma rosa das mãos daquele homem. Um sorriso se estampa em seu rosto e ela fica parecendo uma criança quando ganha um presente com o qual tanto sonhava. Eles se apresentam:

__ Oi, bom dia. Meu nome é Allan. toma a iniciativa, o rapaz.

Ela, num misto de alegria e timidez, responde:

__ Oi, muito prazer, me chamo Amelie.

Um silêncio paira no ar e eles ficam magnetizados. Depois de um bate papo, não tem como segurar, e eles se beijam.

Aquela jovem é uma dançarina e o rapaz é um médico. Eles conversam demoradamente, e ele comenta que está muito feliz por ter encontrado-a, todavia está um pouco desalentado, pois é sua última semana na cidade. Ele irá para outro país auxiliar na elaboração de uma vacina, juntamente com um grupo de cientistas para tentar erradicar uma doença paralisante que está devastando uma cidade.

Amelie chora... Ela até se disponibilizaria a ir junto com ele até ao longínquo país, mas tem seu trabalho, sua família e precisa cuidar de seus irmãos menores e de sua mãe. Ela se entristece ao vir seu primeiro amor escapando de seus olhos, e uma súbita vontade de ir com ele irrompe, já que quem está amando quer estar junto com a pessoa amada onde for, quando for e como for, mas ela reconhece a complexidade da situação.

Allan até pensa em desistir, mas compreende a urgência e emergência do momento, pois salvar vidas foi seu juramento na Academia e é sua prioridade, onde seus interesses pessoais não podem falar mais alto que sua missão. Ele está decidido a ir.

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Profissionais da Medicina que agem como Allan estão escassos. Alguns médicos cursaram Medicina não pelo prazer de salvar vidas e curar doenças, mas pelo dinheiro e evidência que a profissão parece oferecer. Por essa falta de amor pela profissão, muitas vidas são ceifadas, diariamente.

Hoje, nós que não possuímos um plano de saúde, estamos com pouquíssimas chances de sermos bem atendidos. E até aqueles que têm uma cobertura por um plano sofrem com o descaso de alguns médicos.

Muitos esperam longos tempos para conseguir uma consulta e um exame pela rede pública.

Alguns médicos, não fazendo juz ao nome de medicar, curar, deixam de atender devidamente porque se acham no direito de ganhar mais.

Quando se trata de uma consulta em hospital público alguns médicos mal olham para a cara do paciente, que talvez esteja ali buscando um pouco de atenção e humanidade. Quando se fala em consulta particular a atenção dada ao paciente é outra. Cirurgias deixam de ser feitas pelo SUS porque eles alegam que o sistema paga pouco por cirurgia, ou seja, além do salário que eles têm querem uma espécie de gratificação para simplesmente cumprirem com o dever. Mas não nos preocupemos, o maior de todos os doutores e médicos, que foi capaz de reerguer Lázaro de um estado de quase morte, disse para nos mantermos firmes. Por isso vamos seguir suas recomendações.

Não podemos deixar de mencionar de que temos ótimos profissionais que cumprem o horário, colocam a saúde e o bem estar das pessoas como prioridade e não o pagamento da consulta. Podemos mencionar aqui, mas existem outros, Adolfo Bezerra de Menezes, exemplo de profissionalismo dentro da Política e da Medicina. Pesquise sobre ele e constate. É Bezerra de Menezes quem coloca categoricamente:

“O médico verdadeiro não tem o direito de acabar a refeição, de escolher a hora, de inquirir se é longe ou perto. O que não atende por estar com visitas, por ter trabalhado muito e achar-se fatigado, ou por ser alta noite, mau o caminho ou tempo, ficar longe, ou no morro; o que sobretudo pede um carro a quem não tem como pagar a receita, ou diz a quem chora à porta que procure outro – esse não é médico, é negociante de medicina, que trabalha para recolher capital e juros os gastos da formatura. Esse é um desgraçado, que manda, para outro, o anjo da caridade que lhe veio fazer uma visita e lhe trazia a única espórtula que podia saciar a sede de riqueza do seu espírito, a única que jamais se perderá nos vaivéns da vida.”

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Amelie vai para casa chorando.

Joana, sua grande amiga vai para visitá-la e se comove ao saber da situação, pois amigo é aquele que se preocupa, que consola. Allan vai para casa e chora também. Eles haviam marcado um encontro para se despedirem na praça da cidade, próximo de onde se encontraram pela primeira vez.

Chegou o dia. Amelie se apronta. Ao mesmo tempo que está reluzente, está um pouco triste pois se trata de um quase último encontro, pois não sabe que rumo sua vida e a de Allan tomará. Joana a acompanha até a praça e fica a distância enquanto os dois conversam.

Allan, com seus olhos lacrimejando diz:

__ A intensidade de um amor não se mede pelo tempo que dura, mas pela profundidade com a qual acontece. Eu vou continuar te amando e esperarei a época em que irei te reencontrar. Não vou te esquecer, Amelie. O amor não mede distância, e a distância não separa dois corações que se amam e podemos estar juntos, mesmo separados fisicamente. Guarde-me em seus sonhos que eu te levarei em meu coração.

__ Confesso-lhe, Allan, que culpei a vida e a Deus pelo que está acontecendo, ao tirarem você de mim, mas nada compensaria os minutos que passamos juntos, e percebo que na verdade tenho que lhes agradecer por ter vivido momentos tão intensos ao lado de alguém tão especial. Prometo que vou te esperar e estaremos conectados, sim, pelo carinho e por nossas emoções. Eu te amo, Allan. Balbucia Amelie, não conseguindo conter suas lágrimas.

Allan entra no avião. Amelie tem a impressão de estar num compartimento fechado e se sente imobilizada, e entende que é assim que as pessoas que foram atacadas pela doença naquele país devem se sentir. Num leve movimento com as mãos ela enxuga suas lágrimas. Seus punhos pareciam estar presos por uma corda, mas Joana se aproxima, segura-lhes e lhe pergunta:

__Primeiro amor?

Amelie só consegue acenar com a cabeça, afirmando positivamente.

Elas saem dali e entendem que pessoas aguardavam pelo socorro e por alguém que as ajudasse. As lágrimas correm pela face da doce menina apaixonada, que chora ao vir seu amor partindo rumo a outro país. Eles colocaram como prioridade a felicidade e o bem estar de outros e aceitaram a separação momentânea.

Já era noite e uma estrela já brilhava no céu. Joana olha bem nos fundos dos olhos da amiga e pronuncia:

__ Amiga, esse amor vai estar guardado e protegido por aquela estrela...

Amelie deixa seu sorriso substituir o choro, mostrando que o mais belo sorriso é aquele que brilha entre duas lágrimas. Ela sentiu o toque da primavera; e quem é que nunca sentiu...

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O verdadeiro amor compreende e sabe esperar. Não é aquele que fica ligando toda hora, colado um no outro, dando presentes, enviando mensagens e recados o tempo todo. Isso é apego e fraqueza. O amor de verdade liberta e não escraviza.

As pessoas, por fraqueza, colocam nas mãos de alguém ou na companhia de outrem suas felicidades. E quando essa chuva de verão passa, torna-se uma tempestade violenta.

Amar é respeitar as escolhas e o jeito de ser do outro, sem querer subordiná-lo às nossas vontades e caprichos. Enquanto não aprendermos isso e ficarmos repetindo “eu te amo”, isso só estará acontecendo da boca pra fora.

E quando você estiver com dúvidas sobre o que é amar e o que é o

amor, vou contar uma história que lhe dará um respaldo.

Um dia desses, ao caminhar pela rua enquanto trabalhava, chamou-me a atenção quando olhei para uma janela e nela havia uma foto de um homem. Sobre sua fronte colocaram uma coroa de espinhos. Sua face estava molhada, num misto de suor e sangue. Ele foi chicoteado, espancado, humilhado e zombado, e apesar de todos esses horrores, dessa falta de amor por parte de seus semelhantes, não perdeu o semblante de paz e serenidade. Seus olhos não perderam a bondade e nem o brilho. Por baixo daquela foto estava escrita uma frase que traduzia algo que definiu toda aquela situação:

Nunca, ninguém, amou tanto assim...

Que essa seja nossa referência de amor, que não tem nada a ver com sexo desvairado, ciúme e possessão. Quem ama quer o bem do outro e prima por sua felicidade.

Amor é ensinar ao outro o que é bom e dar o que lhe faz bem. É deixá-lo consciente de que mesmo que você não esteja junto, fisicamente, estará unido pelos pensamentos, orações, sentimentos, e deixá-lo-á viver livremente, vivendo e aprendendo, errando e acertando, sorrindo e chorando, amando e sendo amado. É chorar junto quando não encontra um jeito de enxugar as lágrimas que marejam nos olhos de quem está do lado...

Amor é tudo isso, e muito, muito mais.