SABER PERDOAR

Saber perdoar é uma «arte do espírito». Quem sustenta isso é o sacerdote e professor de teologia moral Gaspar Mora Bartrés.

Gaspar Mora ensina teologia moral na Faculdade de Teologia da Catalunha, da qual foi decano, e nesta entrevista apresenta o perdão como uma opção cristã para o mundo de hoje, ao mesmo tempo em que analisa o binômio justiça e misericórdia.

Este professor inicia um curso em 7 de março na Universidade de Barcelona sobre «A coragem de perdoar», dentro das propostas de Teologia na Universidade, uma iniciativa de várias instituições eclesiásticas acadêmicas de Barcelona junto à delegação de pastoral universitária da arquidiocese para propor estudos teológicos nas universidades leigas da cidade.

Entre seus últimos livros se destacam “A vida cristã: teologia moral fundamental”, editado pela Faculdade de Teologia de Catalunha, e “O que é ser cristão?, do Centro Pastoral Litúrgica.

--A coragem do perdão é natural ou se aprende?

--Mora: O chamado cristão ao perdão faz parte do que é mais radical e nuclear da mensagem evangélica: o amor. Falar do perdão surpreende, mas não é um aspecto distinto ou regional da mensagem evangélica, mas que manifesta o rosto cristão do amor.

A pergunta, portanto, só pode entender-se como estabelecida ao conjunto: a mensagem cristã é natural ou se aprende? Sem dúvida, aprende-se, a partir da Palavra e do Espírito de Jesus e no âmbito da própria experiência pessoal.

Mas precisamente se aprende não como algo raro e sublime que chega a nossa vida como um adendo, mas como a resposta à pergunta que a humanidade se formula e que todos sentimos dentro: qual é a atitude adequada ante os demais e, em concreto, ante os que fazem e nos fazem mal.

--O mundo está marcado por conflitos em todos os níveis: o valor cristão do perdão pode aliviar tantas feridas?

--Mora: Situemos a mensagem cristã sobre o amor que perdoa. Não é só uma palavra proposta a algumas pessoas que sofrem. É a revelação de Deus Pai a uma humanidade marcada pelo ódio, a confrontação e a vingança, há dois mil anos, e hoje também.

Deus revela seu chamado a um amor que perdoa, não para aliviar, mas para resolver, como salvação de nossa violência humana por caminhos de paz e de reconciliação.

O perdão é a opção cristã perante um mundo tão inumano. De todas maneiras, os homens podem ignorar este chamado; os conflitos continuam aí e de fato são muito graves.

Metidos neste mundo tão violento, a atitude de perdão está chamada a criar âmbitos de humanidade, a recuperar relações que talvez já foram quebradas, aliviando assim feridas muito profundas.

Inclusive o perdão oferecido por uma pessoa ou um grupo e não reconhecido pelos demais pode dar o consolo de ter encontrado uma atitude profundamente humana, ainda que seja difícil e não corresponda; supera o ódio e a vingança, atitudes que parecem espontâneas e inevitáveis, mas que fundem em um poço sem saída e acabam destruindo a própria vítima.

--Como se explica aos universitários que o cristão perdoa porque foi antes perdoado por Deus?

--Mora: Saber perdoar é uma arte do espírito. Comporta, como mínimo, duas coisas. Uma é aceitar e entender o agressor. Isto não significa justificar algo que pode ser terrível; significa não derivar a experiência da agressão em ódio ao agressor, mas em entender o que faz o mal como pessoa, inclusive em sua malícia.

A segunda é ainda mais difícil; é entender que a própria vida ou a dos meus entra também no âmbito do mal, que todos navegamos na mesma nave.

Para o Evangelho, perdoar comporta em sua raiz aceitar também o próprio pecado. Ambas coisas são possíveis só no âmbito de uma experiência, a do perdão de Deus, ao outro e a mim mesmo.

Saber-se já perdoado é o único clima que faz o homem capaz de dar estes dois passos; entender o que o mal faz e aceitar as próprias negatividades, sem negá-las.

O universitário, como todos os demais, pode acolher esta mensagem ou pode rejeitá-la. Não seria a primeira vez que a palavra cristã sobre o perdão é acusada de ineficácia.

Mas provavelmente hoje podemos valorizar melhor a mensagem do amor que perdoa, em vista das barbaridades cometidas no século passado, sempre pretensamente justificadas.

--A misericórdia de Deus é o ponto do cristianismo que mais atrai os jovens?

--Mora: A juventude não parte do zero. Os jovens de nosso tempo são filhos de nosso tempo e partem daí para seguir fazendo a história. Nosso mundo moveu-se nos últimos séculos sob o impulso da justiça, e por ela viveu mudanças e revoluções muito profundas, terríveis, cruentas.

Hoje olhamos com horror o sofrimento causado pelas guerras e as revoluções do século passado, e as que continuam hoje, em muitas partes do mundo.

A justiça é necessária, mas sua exigência pode levar durezas muito inumanas. Talvez hoje podemos entender algo que antes parecia ridículo: a necessidade de misericórdia.

Creio que é próprio de uma grande maturidade entender a sabedoria escondida no binômio “justiça e misericórdia”, os dois acentos que a experiência cristã descobre no mistério de Deus Pai.

Nisto a juventude pode viver uma maturidade que antes era muito difícil, e avaliar o entranhável acento divino e humano da misericórdia de Deus.

--Crê que há uma deriva moral em amplos setores da juventude?

--Mora: A juventude é uma delicada caixa de ressonância de nosso mundo. Se há deriva moral entre os jovens é porque há no conjunto social. É certo que há crises, mas é bom entender o sentido da crise moral que vivemos e que os jovens radicalizam.

Faz parte de um dos acentos de nossa pós-modernidade, o desencanto ante o fracasso de muitos grandes projetos, e o recurso a experiências palpáveis, imediatas, quase como um refúgio ante a falta de perspectivas.

Toda nossa sociedade está nesta situação como perante um desafio. Há quem augura a perda cultural de todo sentido. Não creio. Trata-se de aprender de nosso passado e buscar, sem cair de novo nos enganos de sempre.

Hoje soa como luminosa a frase do Evangelho: Quem busca, encontra. Hoje é possível buscar, e há pessoas e grupos, adultos e jovens, que buscam, em meio de todas as crises. São o germe da humanidade nobre e positiva do futuro.

A experiência cristã entende que quem busca a luz sobre a vida a encontra; e que toda luz autêntica é reflexão do Evangelho de Jesus.

Fonte: ZENIT

santidadesh
Enviado por santidadesh em 07/03/2006
Código do texto: T120052