olho-ouvido-boca - Gn4

Meu pai sempre diz que tudo na vida é uma questão de prioridade. Temos inúmeras vertentes de ação nesta vida, como casa, trabalho, família, filhos, pais, cuidados com o corpo e também cuidados com o espírito. Pois “se há corpo natural, há também corpo espiritual” (1 Co 15.44), como diria Paulo.

Seria algo totalmente natural e muito mais simples cuidarmos de tudo que nos cerca visivelmente, especialmente quando todas estas coisas influem diretamente em nosso bem estar. Mas e as coisas espirituais? Vamos relegá-las a último plano já que não podemos vê-las?!

Vamos examinar três casos em que os sentidos físicos suplantaram o bom senso espiritual, e os resultados foram desastrosos.

Começo com “Ló, que ia com Abrão, tinha rebanhos, gado e tendas. E não tinha capacidade a terra para poderem habitar juntos; porque os seus bens eram muitos” (Gn 13).

Novamente a riqueza se interfere na amizade e familiaridade dos homens. Não sou contra a riqueza, mas temos que ver bem a quem queremos servir. Quem terá a primazia, a riqueza que pode separar amargamente ou a simplicidade da vida que pode descansar em paz?

Abraão propõe que se separem, e dá a Ló a oportunidade de escolher primeiro – “Se escolheres a esquerda, irei para a direita; e se a direita escolheres, eu irei para a esquerda”. Abraão estava firme na promessa de seu Deus. Qual a diferença se fosse para um lado ou outro, desde que tivesse o seu Senhor a guiá-lo e confortá-lo?

Então “levantou Ló os seus olhos, e viu... escolheu para si toda a campina do Jordão... e armou as suas tendas até Sodoma”. Tudo começou nos olhos, numa sequência em espiral decadente até chegar em Sodoma.

No momento em que deveria fechá-los para ouvir a voz do Senhor em oração, ele os arregala e se condena, pois o Senhor não seria favorável àquela ímpia cidade, pois “eram maus os homens de Sodoma, e grandes pecadores contra o Senhor”.

“A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz” (Mt 6.22).

Quando houver dúvida, feche os olhos, e em calma e constante oração deixe que o Senhor te guie com Seus olhos oniscientes. Não é tarefa fácil, mas é muito produtiva.

Dos olhos passamos para os ouvidos. Abraão será palco de dúvidas lançadas em seus ouvidos por sua própria esposa, e não há coisa pior que sermos tentados justamente por aqueles que poderiam e deveriam nos fortalecer.

Mas se “riu-se Sara consigo” após ouvir a novidade da boca do próprio anjo do Senhor, após ter-lhes dito que seriam agraciados com o filho ‘impossível’ da velhice de um e da menopausa de outra, como poderíamos imaginar que Sara também não risse de seu marido mortal? Se não temeu a Deus, como temeria os homens?

Marido e mulher devem andar juntos na estrada da fé, pois se um parece sucumbir, o outro levantará o caído. Podem frequentar alegres juntamente uma denominação qualquer, cantar juntos, louvar juntos, mas a prova da fé tirará tudo a limpo no tempo da angústia.

Quanto a Abraão, as dúvidas de Sara chegaram aos seus ouvidos, aninharam-se ao longo dos longos anos de cobrança ‘sufocante’ em seu coração e encontraram eco em sua incredulidade natural. Não foi, não é e nem nunca será fácil continuar esperando o invisível, contra todas as possibilidades.

O resultado todos sabemos: relacionamento sexual com sua serva, um filho que seria competidor com o filho da promessa que viria depois, amarguras, separações...

“Sabendo que a prova da vossa fé opera a paciência. Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma” (Tg 1.3-4).

Meu próximo sentido será a boca, mais precisamente a boca de Isaque ao abençoar o filho ‘errado’. Já vimos em nota anterior que Jacó usou do artifício de se passar pelo irmão para usurpar a bênção que certamente viria pela espera paciente da fé.

Mas a questão central é a pressa. Temos uma necessidade doentia de resolver as coisas que nos convêm antes do tempo, apressadamente, sem reflexão, sem oração, com artifícios e engenhos carnais que só trarão mais sofrimento.

É interessante notar de Isaque que “os seus olhos se escureceram, de maneira que não podia ver”, e temendo a morte pronuncia diante de Esaú: “Eis que já agora estou velho, e não sei o dia da minha morte”.

Mas quando Jacó fugiu, depois de enganar seu irmão, viveu pelo menos 21 anos com Labão, e ao retornar ainda seu pai vivia. Sua necessidade de abençoar o filho predileto era tanta, que mesmo desconfiando ser ardil de Jacó, como ele mesmo desconfiou: “A voz é a voz de Jacó, porém as mãos são as mãos de Esaú” – abre sua boca temerariamente e abençoa o filho ‘errado’.

Jacó, mais a frente, já velho e quase cego no Egito, abençoa os filhos de José de forma invertida, de forma consciente, sem dúvidas (Gn 48). Imagino que deve ter lhe doído uma pontada no coração por lembrar seu erro no passado.

Deste caso, eu me lembro particularmente de uma palavra – “A ninguém imponhas as mãos precipitadamente, nem participes dos pecados de outrem” (1 Tm 5.22).

Fomos criados em Cristo Jesus para abençoar, mas de forma sóbria, espiritual, sem pressa inútil. Não queiramos abençoar o que o Senhor não tem intenção de abençoar (ou pelo menos não naquele momento!), ou podemos nos associar com coisas que Deus não aprova. Nesta hora, um pouco de calma e oração não farão nenhum mal.

Trataremos a seguir do fascínio do mundo na figura do Egito.

Egito – fascínio do mundo