O povo que ‘se’ juntou - Ez7

Há sempre uma diferença sutil, mas crucial, quando examinamos – com cuidado – dois textos aparentemente iguais nas Escrituras Sagradas. Quando Deus repete é porque Ele quer que notemos algo com mais profundidade e interesse.

Examinemos então duas passagens interpretadas concordemente no livro de Ezequiel.

“Como o pastor busca o seu rebanho, no dia em que está no meio das suas ovelhas dispersas, assim [Eu] buscarei as minhas ovelhas... E [Eu] as tirarei dos povos, e [Eu] as congregarei dos países, e [Eu] as trarei à sua própria terra, e [Eu] as apascentarei nos montes de Israel, junto aos rios, e em todas as habitações da terra. Em bons pastos [Eu] as apascentarei...” (Ez 34.12-14).

“Depois de muitos dias serás visitado: no fim dos anos virás [Gogue] à terra que ‘se’ retirou da espada, e que ‘veio’ dentre muitos povos aos montes de Israel, que sempre serviram de assolação; mas aquela terra foi tirada dentre os povos, e todos eles habitarão seguramente [esta calmaria nunca se cumpriu]” (Ez 38.8 - ARC 1969).

A primeira passagem vem da ‘Almeida Corrigida Fiel’ que temos usado neste longo estudo desde Gênesis. A segunda provém da ‘Almeida Revisada e Corrigida de 1969’, que acreditamos passar o pensamento mais acertado.

Pareceria numa leitura rápida que as duas passagens tratassem do mesmo evento, ou seja, Deus iria congregar – em único momento – o povo judaico em sua terra prometida. Em verdade Israel andou espalhada entre as nações desde 70 de nossa era (quando o general romano Tito assolou aquela terra) até 1948, quando retornou milagrosamente – uma sofrida e longa diáspora de cerca de 1878 anos.

Mas há uma sutil e crucial diferença entre as narrativas acima. Uma é gloriosa e insistente quanto à atuação poderosa de Deus neste retorno. A outra nada fala do poder divino, focando apenas a ação humana. Na primeira, apenas nesta citação, por 6 vezes o ‘Eu’ divino entra em ação. Na segunda, o pronome reflexivo ‘se’ e a ação ‘veio’ conotam uma atuação própria, sem a ajuda incontestável e gloriosa do poder divino. Na primeira, Deus é o agente ativo na reunião. Na segunda, é o povo.

Isto não quer dizer que, conhecendo os longos caminhos do povo terreno de Deus pela Escritura e pela história, poderíamos inocentemente concluir que o retorno de Israel à sua terra depois de quase dois milênios não fosse milagrosamente um ato divino. Foi e tem sido um milagre Israel retomar a posse de sua terra, ainda que parcialmente, e mantê-la unida diante de tantos inimigos nestes últimos 75 anos.

Poderíamos colocar desta forma. Israel retornou à sua terra natal, mas não ao seu Deus – reavivou sua língua hebraica em desuso, mas não os pensamentos do Eterno – moldou-se à democracia-capitalista vigente, mas não ao sacerdócio-real que os enobrecera no passado.

Dois breves trechos de uma biografia de Ben Gurion, o grande estrategista político por trás deste grande evento, mede a distância entre a terra conquistada e Seu Dono.

“Senhores... Hoje somos um país igual a todos os outros que existem na face da terra” e “O propósito da vida é aproveitá-la, torná-la mais agradável a cada ser humano. Não conhecemos outro mundo, de modo que devemos concentrar-nos neste. Nossa Bíblia não menciona outra vida posterior a esta” (Ben Gurion, Edição comemorativa do centenário do seu nascimento, Editora Três, ed. 1986, pgs. 109 e 189).

Se o líder mais proeminente da campanha de retorno de Israel à sua terra considera sua nação como qualquer outra, e ainda não pode ver outra vida além desta terrena, mesmo com farto material bíblico condenando estas visões, qual a esperança deste povo então?! Onde ficaram esquecidas, desprezadas “as firmes beneficências de Davi” (Is 55.3)?

Israel não voltou por causa de Ben Gurion ou da fidelidade de seu povo, mas apesar deles. Por isto o Eterno continua afastado deste povo – sem Templo, sem Deus, sem Messias. Voltaram à terra, mas seu Deus se manteve e ainda se mantém longe, mesmo que dirigindo remota e milagrosamente seus destinos. Esta condição obviamente mudará em breve.

Queremos concluir enfatizando que Israel precisava voltar à sua terra para terminar o que foi iniciado no passado – uma imagem profana que estava do lado de fora do Templo (na visão de Ezequiel) precisava entrar agora sob uma nova perspectiva ou roupagem, como que enchendo o cálice da medida de sua rebeldia, como já abordamos anteriormente.

Mas este grave pecado lhes custará ainda mais caro que a negação de seu Messias. Pois será a confirmação – agora positiva – de que O divino e aprovado cordeiro de Deus não servia, mas o homem que virá energizado por Satanás será não somente aprovado, mas adorado.

Se a rejeição do primeiro culminou na expulsão de sua terra, a aceitação do segundo lhes custará nova e terrível perseguição.

“Mas, quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei então que é chegada a sua desolação... Porque dias de vingança são estes, para que se cumpram todas as coisas que estão escritas... porque haverá grande aperto na terra, e ira sobre este povo. E cairão ao fio da espada, e para todas as nações serão levados cativos; e Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se completem. E haverá sinais no sol e na lua e nas estrelas...” (Lc 21.20-25).

Os terríveis sinais cósmicos preditos aqui comprovam que a primeira desolação de Jerusalém sob Tito não havia sido definitiva, mas era somente uma figura do que viria ao final.

Resumindo – Israel retornou à sua terra, sob permissão divina, para encher a medida do cálice de sua rebeldia. Como profetizou seu Messias rejeitado – “Eu vim em nome de meu Pai, e não me aceitais; se outro vier em seu próprio nome, a esse aceitareis” (Jo 5.43).

O assunto é estimulante, controverso e complexo, mas teremos oportunidade de estendê-lo em nossa próxima análise – o não menos apocalíptico livro de Daniel.

Deus nos dê ânimo, sabedoria e tempo hábil para esta nova empreitada!