cadê você, Gatinha?

Toda vez quando me sento aqui, frente a este computador, e vou mexendo nele, burilando uma imagem qualquer, olho a janela, sempre olho as árvores aqui do quintal, a grama verdinha, a mata mais adiante, os passarinhos que, em suas pressas de conseguirem alimento às proles, passam alegres... Toda vez nessas vezes, lembrando de você eu entristeço, Gatinha, você que faz tempo escafedeu-se sem nem um tchau.
  Gatinha, cadê você?
  Ah, gata, Gatinha, você tinha, tem, tanto encanto. Sinto essa janela te emoldurar. É tão bonito te ver aí deitada com seus enormes olhos a observar os passarinhos pra lá e pra cá, você a desejá-los seus. Vez em quando espreguiça preguiçosamente, mia — só de charme, eu sei —, pula e passa pelo meu colo, lambe a minha mão, vai à ração toda prosa se sabendo amada, come um bocado, bebe goles d’água; vem, novamente vem e passa pelo meu colo, mia, olha meus olhos, pula no parapeito zelosa do vaso com bromélia. Volta ao posto de contemplação. Têm vezes, quase sempre ronrona.
  E ao entardecer, hein, quando fica aquela penumbra, só a silhueta do arvoredo e passarinhos indo num vaivém aos ninhos com jantares nos bicos, na maior bagunça... Você, você continua ali, uma pintura, aguar­da a noite. Nós, nós escutamos as nossas músicas.
  Eta! hora tão esquisita, hein...
  Lembra da implicância carinhosa e, sei, estabanada, da Alfa? Cê não sente falta dela? Às vezes ela vem aqui em cima te procurar; cheira o seu prato vazio, bem ali junto à porta, olha pra tudo quanto é canto, pelos quatro cantos onde você reina, desfila na maior gabação, e me pergunta “Cadê aquela danada, quero correr atrás dela, implicar, brincar com ela no quintal?” Eu sem jeito num sei nem o que dizer. A menina percebe meu acabrunhamento e também se acabrunha, “Auf-auf”, e desce aufando...
  Nessa madrugada eu escuto um miado insistente e levanto contente pensando que você aparecera. Mas nada — era o seu amiguinho, aquele malha­do do vizinho a te chamar. Voltei pra cama, triste.
  Vê quanta falta você faz, a tanta gente?! Ó, vou te segredar uma coisa: sabe aqueles meus amiguinhos, aqueles mesmos que parados no ar beijam flores, é, e você tenta hipnotizá-los, esses mesmos, até eles já perguntam por você. Várias vezes.
  Tá todo mundo com saudades suas, Gatinha.
  Sabe, Gatinha, rascunho sobre a vista dessa janela, essa aqui onde no parapeito você cochila, namora passarinhos... eu enamorado de todos vocês. Sabe, não sei como te escrevo, fico todo confundido se te defino no pretérito ou no presen­te...
  Sabe, vou te conjugar no gerúndio, acontecendo.
  Cadê você, Gatinha, cadê?
 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 07/10/2011
Reeditado em 13/10/2011
Código do texto: T3263201
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