Vida sem lembranças

Sabe, chega um dia em que se tem de fazer o balanço final de nossa vida.

Para mim, este momento chegou no Natal que acaba de passar.

Paradoxalmente, neste final de ano, reencontrei, pelas redes sociais, antigas colegas de colégio de 40 anos atrás.

Até aí tudo bem. Comecei a segui-las num resgate de antigas fotos. Nessa tarefa, constatei que a minha vida não tem quase lembranças.

Pode até parecer triste o que tenho a narrar, mas é uma verdade que há muito eu relutava em aceitar.

Tenho hoje 62 anos e não me lembro de ter recebido um beijo sequer de meus pais.Eram cuidadosos, não nos deixavam faltar nada, mas nunca nos fizeram, fisicamente, um carinho. Não me lembro de um afago, de um aperto de mão, de um beijo na testa!

Nunca tive uma festa de aniversário. Meus pais não gostavam de festa e por tabela, não deveríamos gostar também.

Nunca fui a um baile. Com 62 anos! Nunca aprendi a dançar! Nunca um garoto falou em namoro comigo! Nunca tive amigas para fazer confidências, segredinhos tão comuns na adolescência.

Refugiei-me nos estudos. Tornei-me um "rato de biblioteca”e continuei assim até hoje.

Enquanto minhas colegas debutavam, eu estava em casa, lendo.

Enquanto elas se vestiam com roupas bonitas, eu só tinha vestidos costurados pela minha mãe na velha máquina de costura.

Não fui a bailes de Carnaval. Não fui a brincadeiras dançantes. Nunca segui moda, pois meus pais regulavam as roupas.

Estudei, estudei, estudei.

Nunca fui convidada para ser madrinha de casamento. Aliás, nunca fui convidada para casamentos!

Viagens, fiz somente aquelas para casa dos avós, quando criança.

Meus irmãos, homens, sempre tiveram vergonha de nós, pois nos achavam interioranas, caipiras. Por isso não nos levavam a festas, não nos apresentavam aos amigos.

Vivi à sombra dos livros.

Vivi à sombra de apreciar as vidas dos outros.

E agora aos 62 anos, prestes a completar os 63, vi que não há mais tempo. Não dá mais tempo para criar uma nova vida.

Foi-se o tempo, foi-se a alegria, foi-se a possibilidade de ser feliz.

Feliz 2014!

Anna del Pueblo
Enviado por Anna del Pueblo em 26/12/2013
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