Silêncio

Silêncio.

No silêncio do meu interior olhava a folha dançar com o vento da varanda do quarto, o sol já se apresentava e os pássaros a tempo alegravam o novo dia, esperava a inspiração chegar para escrever mais algumas frases do romance que tinha tudo a ver com a solidão do momento.

Quando a inspiração não vinha vagava pelas ruas da pacata cidade de Angústia que margeava a rodovia sem fim, que diziam desembocar nas matas da Amazônia, mas que nem em pensamentos chegara ao fim da dita lonjura.

Nas portas da cidade a palavra Esperança embaixo do estranho nome da cidadela, que não tinha mais que vinte e um mil habitantes.Destes, metade nasceu ali e outra foi se achegando por sua confortante paisagem e tranquilidade, era uma população bastante madura , mas que mantinha a alegria da juventude em seus pés e mãos.

Não viviam da saudade dos bailes de fundo de quintal, mas ainda os realizavam, no âmago de suas lembranças remoídas por tanto tempo nos meses que se passaram, mas que não tiraram a força dos pés que a idade já lhes tentava roubar.

As experiências trocadas e os sussurros de aventuras que não eram poucas, fazia com que o ânimo fosse se instalando em cada alma. A sede pela vida social que toma conta de todo ser vivo - não só os homens e mulheres, mas também a flora e a fauna - era palpável em cada olhar, e todos exploravam a realidade que apesar de diferente dava a todos esperança de viver.

Comentavam sobre animais rondando as casas que outrora nem se sabiam ter na região e aprenderam com a história que o silêncio faz revelar a intimidade do ser e da natureza também.

Mesmo no silêncio do quarto esses passeios aconteciam, ao silenciar a alma para o repouso as lembranças de suas andanças e descobertas diárias queriam ir para o papel, mas até a inspiração tem direito ao descanso, e as palavras doces têm que se deixar envolver pelo silêncio.

Percebi-me ainda mais distante do mundo que me cerca, sai de uma metrópole repleta de caos, onde escrevi sobre as loucuras do ser humano, para uma cidade de interior que se calava diante das incertezas da vida, deixa-se levar por prosas e versos de quem não versava sobre o bem comum, e sim sobre o egoísmo do ser. E daí vim para está cidade de estranho nome a fim de deixar a minha alma de escritor versar sobre o que lhe era própria, o amor.

Não o amor pela individualidade, versando apenas por uma primeira paixão, mas por todos que as tiveram e guardam em si a experiência única que os acompanha em cada um dos olhares que cruzarão o seus caminhos.

Não do amor pelos próprios filhos, tão imenso como a dor de perdê-los um dia- que assim não seja, é o desejo de todo pai- mas, pelo amor dos pais pelos filhos, imensurável mesmo quando regado à discórdia, o último suspiro sempre será a seu favor.

A quietude da alma que faz do silêncio seu modo de viver, que faz da reflexão seu modo de amar, é ao mesmo tempo a razão da inquietude do agir, mesmo no silêncio do ser está sempre em busca do outro, de confortar e pronunciar palavras de amor. Movido a palavras de esperança leva um pouco de si em seus versos, quem os lê sabe do tamanho de seu amor, quem os rasga sabe de sua dor, mas ao rasgá-los iguala-se em tristeza, pois se enfrentasse guardava no coração e na gaveta de lembranças que fizeram seu passado um caminho a ser refletido para que o presente não a desafie novamente a cair em mesmos erros.

Sentado na lanchonete de Dona Padu observa as cenas de pessoas chegando após tanto tempo, abraços ainda tímidos, mas com tanto calor que este aquece a caneta em mãos, barrada seu deslizar pela folha somente porque o lanche que pedira chegara à sua mesa, o cheiro não lhe tira a inspiração, mas deixa em segundo plano e a esconde em meio a seus desejos que até a noite se tornarão em frases, e estas certamente em lembranças.

Sérgio Ricardo de Carvalho
Enviado por Sérgio Ricardo de Carvalho em 15/07/2020
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