A balsa da vida.

Elas atravessaram o oceano das grandes almas, aquelas que se materializam entre nós para ensinar belas lições de vida e depois pegam a balsa de volta à Pátria Mãe querida.

Quando criança, fui apresentado a duas destas nobres almas, existindo em pele de senhoras, fortes e suaves, brutas e doces, valentes e pacíficas, professoras em avós desta pequena vida.

Era 1985, o país atravessava um momento político distinto, a população agitava-se com as perspectivas do porvir, e eu? Ahhh...estava embalado, tal qual uma doce guloseima de maçã, experimentando o primeiro cheiro destas duas anciãs em forte perfume de ancestralidade.

A medida que os anos foram se passando tornaram-se referências na caminhada, integrando-me ao elemento água, maternalmente na ilha, paternalmente nos rios ou pelos pais nas praias da Cidade.

A natureza sempre estava presente através delas, como a adoçar uma bebida as vezes amarga mas necessária a cura, assim nos momentos mais desafiadores lá estavam as duas a me conduzir para as águas, seja nas férias ou fora delas, aprendi a refletir nas águas.

As mãos de lavadeira de uma unia-se a faxina e costura da outra, que mostrava-me que a passagem por esta matéria nem sempre é serena, importando como você reage internamente ao mundo externo, sendo melhor em cada desafio, experienciando tudo com amor, fé em Deus, alegria e força de vontade.

As férias sempre recheadas de expectativas, já falava em casa aos meus pais: vou ver minha vó Edna, outras vezes: tô indo ver vó Angelina e lá ou acolá aproveitava até o último dia, os ensinamentos que hoje percebo, os incontáveis sorrisos desprendidos na simplicidade de uma piada, um abraço na chegada ou nas brincadeiras com irmão e primos, caminheiros de jornada.

Toda a minha vida tive nas duas um refúgio, um alimento para a minha alma, correndo para os seus braços em cada lágrima de tristeza ou cada folga diária. Com elas brinquei, estudei, gargalhei, chorei, formei, formei de novo e hoje inicio a busca pela espiritualização tão querida, tendo ainda, após tanto tempo de partida, a saudade daquela areia em frente a casa da ilha ou as pedras da cachoeira, onde esperava em um a senhora de maiô azul chegar com o seu sorriso levado a me chamar pelo nome e do outro a anciã de vestido longo trabalhando na amada e humilde igreja a me conceder as oportunidades primeiras para falar de Jesus, estendendo-se pela vida, assim seja.

Ainda hoje, após minhas avós terem pegado a balsa de volta a terra querida, após longa jornada cumprida, permaneço amando a existência, buscando viver os seus ensinamentos para que elas vivam dentro dos passos daquele pequeno ser nascido e embalado por suas mãos quase quatro décadas passadas.

Assumo, que vez em quando sento na areia da praia, ficando longo tempo em frente as águas e quando avisto milhas distantes uma pequenina embarcação, penso...será a balsa de "minhas véas" a enviar beijos de saudade através das águas do mar?

A resposta? Não sei, mas retribuo a esta amável hipótese com beijos para o oceano, na certeza de que uma Senhora acha as outras e as ações de Amor dentro do mar são entregues em garrafas, vencendo o tempo e a distância, chegando ao endereço sem atrasos. Um beijo, meus amores!