QUEM É O DEUS DOS EVANGELHOS?

TEXTO: Pe. Robson de Oliveira Pereira, C.Ss.R.

Missionário redentorista, reitor do Santuário

Basílica do Divino Pai Eterno e mestre em Teologia Moral

pela Universidade do Vaticano.

www.paieterno.com.br

Na atualidade, precisamos fazer a memória histórica da vida e da prática de Jesus de Nazaré testemunhada nos Evangelhos. Precisamos percorrer os ditames do povo santo de Israel no intuito de compreender, mais e melhor, a missão redentora do Filho de Deus. É na época presente que devemos resgatar o significado originário que as primeiras comunidades cristãs concederam à pessoa de Jesus e, ao mesmo tempo, o sentido que o próprio Jesus outorgou aos seus seguidores e seguidoras. Não se trata de voltar ao passado, mas, sobretudo, de trazer à tona as raízes da nossa fé e as fontes do nosso ser cristão no mundo.

Nos Evangelhos, é possível contemplar a existência humana na divindade de Jesus de Nazaré. Junto aos antigos “Pais da Igreja”, podemos entoar o canto do deserto: “O Divino se torna humano para que o humano se divinize.” O Pai Eterno havia salvado e criado o humano, mas nunca tinha sido um de nós. No entanto, é em Jesus que Deus se torna humano: carne de nossa carne, sangue de nosso sangue, história de nossa história. Nas trilhas ocultas de Nazaré o Filho de Deus vai aprendendo a ser também filho do homem. Com a espiritualidade do cotidiano judaico e na mais silenciosa oração, Jesus vai compreendendo o cerne de seu ministério quando apresenta ao mundo um Deus com rosto de Pai!

Infelizmente, alguns se esqueceram desta dimensão tão importante da nossa fé. Não se recordam mais do Pai de Jesus, pois já o substituíram pelo Juiz Apocalíptico do Talião. É como se houvesse uma voz cruel que nos assombrasse dizendo: na morte é olho por olho e dente por dente. O Deus amor dos Evangelhos, apresentado por Jesus, passa ser o cruel castigador da história. Outros ainda defendem a existência de um Deus que fica escondido atrás das portas para ver o que fazemos… Eis o antigo “olho que tudo vê”. Deus nos vê com absoluta certeza, porém o seu olhar é movido pelo amor que compreende, perdoa, acolhe, resgata, salva, cria e nos convida à conversão com freqüência. Precisamos ser honestos o suficiente e parar de associar os nossos instintos selvagens e inconscientes em Deus. Este é o grande pecado que o livro do Gênesis condena: a criatura fazendo o Criador à sua imagem e semelhança. É uma inversão, pois na verdade, não podemos atribuir ao Pai de Jesus os nossos sentimentos totalitários e justiceiros em relação às pessoas.

Jesus, nos Evangelhos, assume a história do humano a começar por todos aqueles que viviam à margem do sistema. Seus companheiros eram os pobres, as mulheres, as crianças, as prostitutas, os leprosos, as viúvas, os homens da terra e os cobradores de impostos. Pessoas excluídas pela sociedade e pela religião vigente. O Filho de Deus não faz pacto com o pecado e muito menos se deixa alienar pelo legalismo que separava os bons dos maus, os puros dos impuros, os justos dos pecadores (Mt 5,45). Pelo contrário, senta à mesa e se torna um com estes abandonados. Não é “um deles”, mas “um com eles”. Em Jesus está a síntese, ou melhor, falando, o encontro entre o sagrado e o profano. É o Divino que corre ao encontro do humano, pois não veio para condenar, mas para salvar a humanidade (Jo 12,47).

Se quisermos ser fiéis ao Jesus dos Evangelhos precisamos existir para as mesmas pessoas que Ele existiu e assumir, na contemporaneidade, as posições que Ele assumiria se vivesse em nosso tempo. Jesus não é nenhum popstar, não é um ídolo, não é uma força cósmica e muito menos um produto para ser comercializado como vemos atualmente, nas chamadas Igrejas Pentecostais. Ele é uma pessoa divina e humana: “rosto divino do homem, rosto humano de Deus” (João Paulo II).

Em Nazaré e nos Evangelhos, a esperança sempre foi a marca indelével do Deus de Jesus. Tal Pai tal filho. Assim como o Pai Eterno é, o Filho também o é. Da mesma forma, aqueles que se tornaram filhos em Jesus precisam viver como Ele viveu. Sem interpretações intimistas, cada um é motivado a assumir as rédeas da própria história e parar de culpabilizar a Deus e as pessoas pelas intempéries da vida. Na medida em que cada um tomar consciência de si e da sua missão no coração do Pai Eterno poderemos sonhar com a esperança ativa do Reino dos céus. Quando pessoa por pessoa, declarar, para si mesma, a responsabilidade social e humana que lhe cabe haverá pão em todas as mesas, perdão dentro dos lares, reconciliação entre os pares, fraternidade entre as religiões e diálogo entre os povos. É a utopia tornando-se topia, isto é, o sonho tornando-se realidade.

Agarrado à coragem histórica de Jesus de Nazaré, finalizo o presente artigo com a frase de Voltaire ao Duque de Richelieu: “Amo apaixonadamente dizer verdades que outros não se atrevem dizer.” Não a verdade pela verdade, criada pelos intelectuais, mas, sim, a verdade de um Deus que se atreveu a nos amar como ninguém jamais nos amou! Um Deus que faz tudo pela nossa felicidade! Um Deus que não nos compra e não se vende, porque é Pai e Mãe: puro amor e total doação!